No imaginário da chanchada

Quem conhece a obra do paulista que cresceu em Brasília, José Eduardo Belmonte, dificilmente o imaginou fazendo uma comédia popular carioca de verão. Pois bem, “Billi Pig”, seu quinto longa, estreia com promessa de bom público, parecendo ser muito diferente de seus filmes intimistas, existenciais e marcados por um tom melancólico, como “A Concepção”, “Se Nada Mais Der Certo” e “Meu Mundo em Perigo”, que o fizeram, de certa forma, cultuado no meio independente. A data de estreia marcou positivamente o cinema brasileiro nos últimos anos, com os sucessos de “Meu Nome Não é Johnny” e “De Pernas Pro Ar”. Além de ser uma comédia de forte apelo popular, conta com Selton Mello – um dos poucos atores que têm conseguido levar espectadores às salas simplesmente pela sua ligação ao filme – e com Grazi Massafera, estreando no cinema – além de contar com Milton Gonçalves, Preta Gil, Milhem Cortaz, entre outros, no elenco.

Belmonte já transitou pela comédia em seus curtas e nos clipes para bandas como Raimundos e Pato Fu, em seu começo de carreira, e, agora, aos 41 anos, volta às origens. “Depois de ter passado por uma imensa crise emocional, uma financeira que veio depois e ser engendrado nas suas consequências, tudo que não conseguia era rir. Fazer cinema pra mim era uma resposta visceral pra me manter vivo. Ainda é, mas quando o mal ficou distante, recuperei um pouco a leveza e achei que era hora de olhar pra trás e rir. Porque, no fim das contas, tudo aquilo que passei, à distância, foi muito engraçado. Nesse olhar me lembrei dos filmes de Oscarito e Grande Otelo, das comédias americanas contemporâneas e das comédias malucas”, conta o diretor.

Tudo começou com uma ideia que teve, no hotel, durante uma edição do Festival do Rio: falar de sobreviver apesar das circunstâncias e rir disso, coisa muito brasileira a seu ver. Na época, estava com um projeto, que ainda acalenta fazer, que é a adaptação de um diário do Oswald de Andrade anterior à Semana de 22. Aí, em 2009, a Mostra de Cinema de Tiradentes resolveu homenageá-lo pela carreira. “Num café da manhã, chega a Vânia Catani, da Bananeira Filmes, dizendo que queria lançar em Cannes um projeto, e perguntou se esse projeto não poderia ser algum roteiro meu. Pensei na minha passagem no Fest Rio e falei: ‘Vamos fazer um filme comercial diferente, quebrar certos paradigmas, sair do gueto.’ Ela, que já pensava meio igual a mim, concordou. Comentei desse roteiro que só tinha o título e algumas anotações. Ela me deu uma semana pra entregar. Entreguei um outro – que até ganhou um prêmio em Paulínia – para ganhar tempo e fui correr atrás de criar o ‘Billi Pig’. Meu sócio à época escreveu em dois dias as linhas gerais da história em cima do que falamos. Fiquei um mês enlouquecidamente na quitinete em São Paulo roteirizando e colocando enchimentos na trama, cenas de transição, mais ação, outras piadas, ajeitando personagens. A Vânia curtiu e pela primeira vez na minha vida uma distribuidora, a Imagem Filmes, se interessou e quis botar dinheiro no filme”, comenta Belmonte, que estreou em longas em 2002, com o ainda inédito no circuito comercial “Subterrâneos”.

À premissa, juntou um personagem incomum. “Quando começamos a história, a minha namorada na época era uma mulher linda, alta, segura, mas que só conseguia dormir com um urso de pelúcia. Achei isso engraçado. Quis colocar no filme. Na hora em que estávamos fazendo um brain storm alguém ofereceu um chaveiro de porco pra comprar. O urso virou porco e ganhou fala, vida”, conta, sobre o estranho personagem que dá título ao longa, companheiro da aspirante a atriz Marivalda, que junto de seu marido, um corretor de seguros falido, e um padre milagreiro expulso da igreja quando jovem, fazem de tudo para se dar bem na vida.

Diferentemente de seus longas anteriores, que se passavam em São Paulo ou Brasília, “Billi Pig” acontece todo no Rio de Janeiro. A importância do cenário para a história, porém, não mudou. “Desde ‘A Concepção’ venho tentando fazer um mapeamento das minhas origens. Nele, falo sobre a cidade em que fui criado; ‘Meu Mundo em Perigo’ e ‘Se Nada Mais Der Certo’, sobre o lugar em que nasci. O Rio de Janeiro é o lugar de todos os meus antepassados. Sempre passei férias lá durante minha infância. Por extrema coincidência, fui filmar na rua em que minha mãe morou com meu pai em Marechal Hermes e meu avô materno tinha casa. O outro motivo é que queria contar uma história brasileira arquetípica, muito baseada na chanchada e no imaginário brasileiro”, explica.

Um novo modelo de produção

Houve muita coisa diferente em “Billi Pig” em relação aos longas anteriores de Belmonte: mudou a cidade, o gênero, o tom, etc. Mas talvez a maior mudança seja no modelo de produção. Belmonte é um diretor acostumado a fazer filmes de baixo orçamento, mais soltos, sem tantos elementos com os quais o país não tem tradição tecnológica. “Billi Pig” custou R$ 6,5 milhões e é repleto de cenas de ações, cheio de efeitos especiais. “A diferença, para mim, não estava no gênero, em fazer comédia ou ação, mas na estrutura do filme: havia mais dinheiro, mais volume de produção, mais complexidade para certas cenas, pois tinha ação, efeitos especiais, mais pressão, mais atenção da mídia no decorrer do processo”, conta.

O personagem do Billi Pig, por exemplo, foi feito todo usando animatrônicos – bonecos animados mecânica e roboticamente – e CGI – animação em computação gráfica tridimensional. “Achei interessante o desafio, apesar de ter tido um certo pânico inicial, pois era necessário trabalhar com esses efeitos e nossa tradição com isso é pequena. Mas deu certo. Está dentro da dramaturgia, está orgânico”, comenta, sobre o porco animado feito por Carlos Eduardo Nogueira, diretor de curtas de animação com computação gráfica, como “Zigurate”, “Yansan” e “Desirella”.

Belmonte gostou desse novo modelo de produção, tanto que já está engajado em outros projetos mais comerciais. Um deles é o roteiro de “Sequestrados”, continuação de “Assalto ao Banco Central”, a ser dirigido por Marcos Paulo, que Belmonte promete ser um thriller político atípico ao cinema brasileiro. O outro é “O Gorila”, primeira vez em que atua como diretor contratado. Deve rodar até o final do ano essa adaptação de uma novela de Sérgio Sant’Anna, com Otávio Müller no elenco e produção do Rodrigo Teixeira.

Isso, claro, não significa que deixou os filmes mais autorais e de menor orçamento de lado. Logo depois de rodar “O Gorila”, Belmonte começa a rodar, no primeiro semestre de 2012, “A Magia do Mundo Quebrado”, um road movie que começa no Recife e termina na Patagônia (Comodoro), com Caco Ciocler, Alice Braga, Caroline Abras e muito provavelmente Cláudia Raia. O filme surgiu pelo título. “No exato instante em que fiz o último plano de ‘A Concepção’, meu filho, que tinha quatro anos na época, me ligou e disse: ‘papai, escrevi o roteiro do seu próximo filme. Ele se chama ‘A Magia do Mundo Quebrado’.’ Aquele título ficou na minha mente e pensei durante anos qual história contar. Ainda bem que demorou, porque no processo de libertação da minha crise me veio a história de um pai e de um filho que estão à procura da mãe do menino há muito sumida. Na viagem, o carro quebra e eles encontram quatro atendentes de telemarketing que economizam o ano todo pra viver férias intensas. Elas dão carona no motor home que alugaram e acabam viajando juntos e participando dessa busca com pai e filho”, explica. “A Magia do Mundo Quebrado” será o primeiro filme de uma trilogia que Belmonte chama de ‘trilogia do movimento’ ou ‘trilogia dos viajantes’ – “filmes baratos sobre viajantes na América Latina”.

E tem ainda outro projeto, também com grande perspectiva comercial e também como diretor contratado, para ser filmado mais para frente. Trata-se da cinebiografia do músico Lobão. “Estou muito animado com a ideia de fazer um filme novamente que tente dialogar com muita gente. Assim espero, ao menos”, conclui, brincando.

 

Por Gabriel Carneiro

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