Um ditador em apuros
“Borat” (2006) era um longa de difícil decodificação. Um filme que pregava uma suspensão de toda e qualquer regra em relação à comédia e operava entre a ficção (do roteiro, das gags visuais, do enredo convencional) e o documentário (em um sentido diverso da pegadinha ou do reality show), em um curto circuito talvez inédito. “Bruno” (2009), o trabalho seguinte da dupla formada pelo comediante britânico Sacha Baron Cohen e o cineasta Larry Charles, nem de longe alcançou as proezas de seu antecessor. Talvez o personagem não fosse tão engraçado como o repórter cazaque. Talvez faltasse a “Bruno” algo como o Casaquistão, um contraponto aos EUA. Talvez as dimensões ficcionais e documentais não se sobrepusessem como antes. Agora, “O Ditador”, o novo filme da dupla, abraça de vez o gênero cômico em mais uma hilariante farsa política.
Dessa vez, Cohen vive o General Almirante Aladeen, chefe supremo da nação norte-africana Wadiya. Ele é antissemita, racista, machista… Um ditador que reinventa a expressão “egomaníaco”. Aladeen é o ator e o atleta mais premiado da nação. Um de seus games preferidos se chama “Olimpíadas de Munich”. Ele mantém relações sexuais (pagas com muito dinheiro) não só com Megan Fox, mas também, a julgar pela sua parede de polaroids pós-coito, Kim Kardashian, Arnold Schwarzengger e Oprah. Por lei, seu sobrenome deve ser usado no lugar de palavras comuns, como “sim” e “não”, o que contribui para uma considerável confusão na vida de seus súditos. Aladeen está ansioso para construir uma bomba e vem dando trabalho às inspeções da ONU. Tahir (Ben Kingsley), seu premier, o convence a viajar aos EUA para se explicar perante o mundo. Aladeen, contudo, não sabe que Tahir trama o seu assassinato. Depois de perder a barba, o ditador se verá vagando pelas ruas de Manhattan, enquanto é representado em público por um dublê. Ele encontrará seu caminho em uma loja de alimentos orgânicos gerido por Zoey (Anna Faris), por quem acabará se apaixonando.
É possível identificar elementos da comédia americana na TV e no cinema, especialmente o nonsense, a escatologia e a gag. “O Ditador” está a todo o momento testando os limites da comédia, da tolerância do espectador. Cena a cena, somos confrontados e rimos das piadas mais agressivas e de mau gosto possíveis. Para ficar em alguns exemplos, Aladeen faz graça de 11 de setembro, pede a um refugiado africano um exército de crianças para as doze horas do dia seguinte, e conta uma longa história envolvendo abusos sexuais a menores. Piadas sublinhadas como piadas, desferidas sempre em um tom de avacalhação geral, como forma de ridicularizar certos segmentos sociais e políticos – o discurso final de Aladeen sobre democracia na ONU é prova disto. Em mais uma atuação impecável, Cohen dá cara à tapa e nos oferece uma representação caricatural de um ditador islâmico. Cohen e Charles se fazem dessa imagem simplificadora do que vem a ser um ditador islâmico como uma espécie de estratégia, revelando a imbecilidade de certos códigos, comportamentos e crenças que pontuam o nosso dia a dia.
É ainda preciso sublinhar a eficiência da narrativa deste filme, com um enredo, digamos, mais convencional, atado ao cânone do cinema de ficção. “Borat” e mesmo “Bruno” já revelavam um curioso trabalho de roteiro, de criação de personagens e encadeamento da trama. “O Ditador” tem uma fluência invejável e uma enorme atenção aos personagens, mesmo aos de menor destaque (este é um longa de participações especiais incríveis, de Megan Fox a John C. Reily e Bobby Lee). O filme pode não ter aquela indefinição de registros que marcava “Borat”, mas a organicidade de sua narrativa é ainda mais surpreendente, e o seu humor talvez seja ainda mais afiado. É interessante, por exemplo, repensarmos uma associação que já havia sido sugerida aqui e ali entre o cinema de Cohen e Charles e o dos irmãos Farrelly (“Quem Vai Ficar com Mary”). Um cinema que parece esconder certa sofisticação por detrás de suas histórias convencionais e de muito mau gosto.
O Ditador | The Dictator
(EUA, 125 min., 2012)
Direção: Larry Charles
Distribuição: Paramount
Estreia: 17 de agosto
Por Julio Bezerra