Amazônia sem exotismo

Sérgio Andrade tinha apenas 13 anos quando Werner Herzog começou a rodar “Fitzcarraldo” (1982), em Manaus. E ele sabia de quem se tratava. Afinal, havia visto recentemente “O Enigma de Kaspar Hauser” (1974) no antigo Cinema 2, onde ia quase todos os domingos pela manhã. Via de tudo por lá: Godard, Hitchcock, Bergman… Pois eis que um dia, um primo, afoito, chega à casa dizendo que um set de filmagem havia sido montado logo ali, do outro lado da Rua José Clemente, no Teatro Amazonas. Foram em grupo pra lá:

“Eles simplesmente me levaram para um camarim e me puseram um fraque e uma cartola. Eu não tirava os olhos de Claudia Cardinali e de Klaus Kinski. Herzog era sério e compenetrado. Cheguei muito perto dele. Consigo me ver na plateia aplaudindo no final. Dou um still no DVD e aquilo parece mágico. Nunca saiu de mim. Aquelas luzes, aquela movimentação me deixaram encantado para sempre, não parei de ver filmes e bolar histórias”, conta Sérgio, às voltas com os últimos detalhes da finalização de seu primeiro longa-metragem, “A Floresta de Jonathas”, o primeiro longa da região Norte do país a ser contemplado pelo prêmio de Baixo Orçamento do MinC.

Sérgio chamou a atenção da crítica cinematográfica com seus curtas-metragens “Criminosos”, “Um Rio entre Nós” e, especialmente, “Cachoeira”, sobre um grupo de jovens indígenas do alto Rio Negro, no Amazonas, que fazem um pacto mortal e místico regado a muita bebida. Neles, há sempre o desejo de mostrar diferentes realidades do mundo amazônico, quebrando tabus, fugindo de certos clichês indígenas e investindo em uma Amazônia sensorial. Ao contrário de “Cachoeira”, que se passava na região de São Gabriel da Cachoeira, povoada por diversas etnias indígenas, “A Floresta de Jonathas” nasce no ambiente rural e caboclo, que vive próximo a grande cidade e, ao mesmo tempo, recebe o chamado e a força enigmática da mata. Além de curta-metragista, Sérgio percorreu festivais internacionais dirigindo a Amazonas Film Commission, trabalhou como assessor do audiovisual na Secretaria de Estado da Cultura, e tem realizado documentários e programas de TV através de sua produtora Rio Tarumã.

Não ao exotismo amazônico

“Mas é preciso não perder a mão da narrativa e de suas possibilidades de conquistar pelo cinema e não só pelo ‘exotismo’ amazônico. Temos um panorama e um imaginário riquíssimos, cheio de histórias críveis e inacreditáveis que precisam ser contadas com a nossa linguagem e com a cara e o sotaque da nossa gente. Mas sem estereótipos”, diz o cineasta, citando outros nomes ascendentes do cinema da região (Aldemar Matias Jr., Dheik Praia, Leo Mancha, Zeudi Souza, Moacyr Massulo), e alertando não somente para a falta de escolas e universidades para o setor, como também a ausência de incentivos. “Ainda não há Lei de Incentivo Cultural para o Estado”.

“A Floresta de Jonathas” é mais um trabalho interessado no cotidiano, no linguajar e na cara deste “homem do norte”, como gosta de dizer o cineasta. Baseado em fatos reais, o filme conta a história de Jonathan, um jovem de 19 anos que vive em um sítio na área rural do Amazonas e, de repente, de forma quase inexplicável, se vê completamente perdido na floresta. Sérgio, contudo, fala do fato como uma inspiração, um ponto de partida para uma espécie de caleidoscópio da Amazônia contemporânea. “A terrível história real de Jonathan me impressionou muito como leitor. Mas ‘A Floresta de Jonathas’ não é um filme sobre um rapaz perdido, mas um longa sobre pertencimento, sobre isolamento. No final, ficou muito diferente da história real. E gosto de dizer que é apenas uma homenagem ao Jonathan. Por isso, Jonathan passa a se chamar Jonathas, e seria um duplo, um paralelo a ele mesmo. Acabou sendo um retrato do meu modo de criar: adoro ficcionar o real, ir ao paroxismo de uma releitura da realidade”.

A Floresta de Jonathas © Cristina Ferreira
A produção contou com mais de 40 pessoas com 90% de mão de obra local, e filmado na floresta primária e nativa bem próxima a Manaus. Por conta das chuvas, teve que filmar em agosto e em 35 dias. “Era um projeto de baixo orçamento. Portanto, tivemos a preocupação de não estourar recursos e optamos por locações próximas. Os profissionais para funções mais deficientes em Manaus foram trazidos de fora. Ou seja, o som, assistência de direção e preparação de elenco. A fotografia ficou a cargo de Yure Cesar, o mesmo premiado fotógrafo de ‘Cachoeira’.”

O elenco, quase todo ele composto por atores locais, foi uma das grandes apostas de Sérgio. “O público brasileiro não está acostumado com nosso sotaque e expressões, mas conseguimos fazer disso um ponto de interesse”, explica. Os atores Begê Muniz (Jonathas), Francisco Mendes (Pai) e Ítalo Castro (Juliano) estão centrados nessa particularidade de serem naturalmente locais. Agora, o roteiro do filme ainda exigia uma personagem estrangeira. Sérgio não queria que uma atriz brasileira fizesse o papel e quebrou a cabeça para chegar a uma solução para Milly. “Eu encontrei a ucraniana Viktoria Vinyarska no Festival de Sundance. Ela estava no elenco de um curta americano. Eu fiz o contato e tudo deu certo. Ela nunca estivera no Brasil e foi direto para a floresta, uma experiência única, que conferiu uma verdade boa ao personagem”. O elenco ainda conta com a participação especial de Chico Diaz no papel de um vizinho da família de Jonathas.

“A Floresta de Jonathas” terá sua primeira exibição mundial no encerramento da mostra competitiva da Première Brasil do Festival do Rio, dia 8 de outubro, às 21h45. Na sessão de gala, para convidados, no Cine Odeon Petrobras, estarão presentes, além do diretor, os atores Begê Muniz e Francisco Mendes, Viktoryia Vinyarska e Chico Diaz. No dia seguinte, diretor e elenco participam de debate, no Pavilhão do Festival, no Cais do Porto, logo após a sessão popular do filme, que começa às 15h30. O filme terá ainda mais quatro sessões durante o Festival: dia 10 de outubro, quarta, no Roxy 3, às 16h30 e 21h30; e dia 11, quinta, no Cinemark Botafogo 3, às 16h30 e 21h30.

A distribuição nacional será feita pela Vitrine Filmes, de Silvia Cruz, e a internacional está a cargo da FiGa Films, de Sandro Fiorin, sediada em Los Angeles. O longa-metragem participa de outros festivais antes de chegar aos cinemas no final do primeiro semestre de 2013.

Sérgio acredita no potencial da vibe lisérgica de seu filme. “Eu venho notando uma leitura bem mais esperta do público médio de cinema. Essas estranhezas tiram qualquer ranço de lugar comum e estereótipos, e isso me agrada”, diz o realizador, já envolvido com outro projeto, escrito em colaboração com Vinicius Antunes, Tainá Bandeira e Fábio Baldo. “Chama-se ‘Antes o Tempo Não Acabava’ e trabalha o tema do rompimento com as tradições arcaicas indígenas no ambiente das comunidades nativas urbanas, representado pela figura de um jovem, Anderson, que parte para a cidade depois de entrar em choque com os rituais de sua tribo”, conta.

Assista ao trailer de “A Floresta de Jonathas” aqui.

 

Por Julio Bezerra

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