Hong Sang-Soo chega aos cinemas brasileiros com “Hahaha”
Um filme de Hong Sang-Soo em cartaz. Uma notícia e tanto. O coreano é um dos grandes do cinema contemporâneo, e ainda pouco conhecido por estas bandas. Em pouco mais de dez longas, em uma carreira que começou em meados dos anos 90, Sang-Soo vem depurando com uma constância surpreendente um cinema que não se parece com nenhum outro na contemporaneidade. Um cinema que brota da exploração sistemática de um mesmo universo, método de filmagem e estilo, instalando sempre sutis variações a cada filme. Um cinema que se assume como construção, embora exale um certo desprendimento, uma aleatoriedade, um aqui e agora. Se seus primeiros filmes baseavam-se, em grande parte, em experimentações estruturais, com situações se repetindo, sempre de maneira diferente, Sang-Soo mostra-se cada vez mais interessado na verdade de seus personagens. Este é certamente o caso de “Hahaha” (2010), seu antepenúltimo longa e com o qual levou o prêmio da mostra Un Certain Regard em Cannes, em um júri presidido por outro peso pesado do cinema contemporâneo, a francesa Claire Denis.
O filme narra o encontro de dois grandes amigos que se reencontram depois de muito tempo em uma mesa de bar, e enquanto bebem contam um ao outro suas respectivas experiências em uma pequena cidade litorânea da Coréia do Sul – o que permite um entrecruzamento constante de personagens entre uma história e outra, exceto pelos protagonistas, que nunca se esbarram. O encontro dos amigos nos chega somente por meio de fotografias still em preto e branco, conjugadas com a voz dos personagens em off. As conversas nos levam aos flashbacks coloridos, em uma inversão curiosa, sendo o passado visto como algo vivo e em cores, e o presente, algo estático e em preto e branco. Como vem fazendo desde pelo menos “Conto de Cinema” (2005), Sang-Soo recorre a uma mesma temática envolvendo sempre, no centro, um cineasta, escritor ou poeta, em geral em crise. Em “Hahaha”, contudo, a profissão dos personagens pouco importa, são encaradas com muita ironia e até colocadas em dúvida. Vemos os personagens em seu dia a dia mais banal, distante de seu ambiente de trabalho, em encontros os mais diversos, na maioria das vezes regado a bebidas alcoólicas.
No cinema de Sang-Soo (como no de Eric Rohmer, a quem o coreano é comumente comparado), os personagens existem como narrações de si mesmos. São seres incompletos, sempre em construção, sem versões definitivas, enredados em rocamboles afetivos, em encontros e desencontros de sentimentos e emoções imprecisas. “Hahaha” se faz em uma soma aparentemente aleatória de conversas, alinhavadas sem uma relevância mais explícita, muito menos uma curva dramática de amadurecimento para os personagens. Estes se depreendem de seu criador. A existência deles não é apenas uma ideia ou um conceito, e se mostra sempre situada, como um aqui e agora. Neste sentido, “Hahaha” pode por vezes parecer um retrocesso. É talvez o filme mais pensado de Sang-Soo. Afinal, em uma narrativa em flashbacks, é preciso sempre retornar ao presente, ao discurso indireto, à obrigação do corte. No entanto, a mão do cineasta jamais esteve ausente de seus filmes. Basta recorrermos aos recursos estilísticos mais usados por Sang-Soo: os planos fixos e longos, os travellings sutis, as panorâmicas curtas e os zooms pontuais. Estes últimos têm sido cada vez mais uma espécie de assinatura do realizador coreano, em um direcionamento do olhar do espectador, como um sublinhar de uma caneta. Quer dizer: jamais esquecemos que estamos vendo uma ficção, uma construção calculada e consciente. Sang-Soo não se esforça para camuflar as amarras da dramaturgia e o seu grande segredo é saber conjugá-las com um tom anárquico, com a sensação não somente de que o que vemos se passa agora, sem nenhum a priori, como também de que qualquer coisa, a qualquer momento, pode mudar o rumo das coisas.
Hahaha (Coréia do Sul, 115 min., 2010)
Direção: Hong Sang-Soo
Distribuição: Pandora Filmes
Estreia: 28 de dezembro
Por Julio Bezerra