Do Brasil para o mundo
No início deste ano, foi destaque na imprensa brasileira o sucesso que o filme “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, conquistava internacionalmente, com prêmios nos festivais de cinema de Sundance e Berlim. Produzido pela Gullane e a África Filmes, o longa entrou em uma estratégia de internacionalização já tradicional na Gullane. “Cinema é um produto que custa muito dinheiro para ser feito para um só país”, afirma o sócio e diretor da produtora, Fabiano Gullane.
A Gullane já teve coproduções com Itália, China e Japão, Portugal, Alemanha e França. Já participou de 12 seleções internacionais, incluindo Cannes, Veneza e Berlim. Em Sundance, “Que Horas Ela Volta?” esteve em uma seleção com cerca de quatro mil filmes. O sucesso pode ser atribuído à conjunção de dois fatores: uma conquista gradual da produtora, que ano a ano foi conhecendo mais pessoas e articulando mais negócios, e um planejamento estratégico para que o filme fosse bem recebido.
Estratégias para lançamentos internacionais
“Não existe relação de articulação que garanta um filme que não funciona”, afirma Gullane. A diretora de “Que Horas Ela Volta?” participou de workshops e seminários sobre roteiro ainda enquanto escrevia. A equipe também participou do Carte Blanche, programa do Festival de Locarno, antes de finalizar o filme. “Agentes de venda e representantes de festivais conversaram muito com a Anna sobre o que acharam, o que mudariam, as suas previsões de interesse. Ali, já sentimos como poderíamos trilhar um caminho internacional”, conta o produtor.
Para Gullane, o programa Cinema do Brasil, as linhas de apoio da Ancine e os acordos bilaterais de coprodução têm sido fundamentais para a colocação dos filmes brasileiros no mercado estrangeiro. “Também é importante a chegada da Spcine, com uma preocupação e um foco em ajudar na internacionalização do nosso cinema.”
A estratégia de pensar o mercado internacional, antes de lançar um filme em seu país de origem, é comum em qualquer lugar do mundo, explica Eduardo Raccah, coordenador de internacionalização da Spcine. “A regra é: filme bom não estreia em casa, estreia em Cannes, em Berlim, em Locarno, em Toronto. Como o cinema brasileiro hoje tem qualidade melhor, os produtores estão arriscando mais esse caminho”, diz. Sem contar que, quando se ganha um prêmio internacional, a mídia gerada tem um valor que dificilmente uma produtora conseguiria pagar.
Spcine cria programa de internacionalização
O programa de internacionalização da Spcine tem duas missões principais. A primeira é fazer com que o mercado internacional veja São Paulo não só como um dos maiores consumidores de cinema do mundo, mas também como produtor. A segunda é conseguir com que o produto audiovisual paulista viaje mais.
Uma das ações nesse sentido é a estruturação de uma film commission com as tarefas de receber o produtor audiovisual estrangeiro de maneira mais adequada, buscar mais investimentos e pensar em editais específicos de coprodução. A outra é dar ao produtor paulista uma experiência internacional. Para Raccah, o cinema brasileiro só vai viajar mais quando entender que, para isso, deve ter parceiros europeus desde a sua fase de criação e produção. “A gente precisa dar a experiência necessária para o produtor brasileiro saber acessar esses distribuidores e coprodutores”, afirma.
A Spcine já tem alguns acordos estabelecidos, como o fundo de desenvolvimento para coprodução de conteúdo digital com o Canadá; a parceria com a Roma Lazio Film Commission; e a criação de um fundo com a China, para desenvolvimento de documentários. Além disso, a empresa também negocia com Argentina e México para que filmes de pequeno porte sejam distribuídos nesses países, e pleiteia a criação de um catálogo de projetos. Uma das intenções é que os produtores paulistas consigam ter mais acesso aos laboratórios de formação de festivais internacionais.
“O mercado mundial é assustadoramente pequeno para filmes não falados em inglês. Aqui, não faltam boas histórias, não falta qualidade na produção, o que falta é conquistar parceiros internacionais certos”, defende Raccah.
Por Mônica Herculano