Expandindo o audiovisual
O chamado audiovisual expandido, grandes projeções em prédios e monumentos públicos, é uma arte de rua que tem se tornado uma manifestação com um grande potencial audiovisual quanto de atração cultural e turística. Este tipo de arte é uma intervenção na produção social do espaço público fora dos padrões de exibições em salas ou telas eletrônicas, que surgiu nos anos 1980, em Nova York. De acordo com Giselle Beiguelman, artista visual e coordenadora do curso de Design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da FAU, as intervenções nesta época do artista Krzysztof Wodiczko, na Union Square, discutiam a situação dos sem-teto nessa região, em um momento em que a área passava por um intenso processo de reurbanização. Ao longo dos anos 1980 e 1990, também se consolidou a obra de Jane Holzer, que tirou grande partido dos sistemas de projeção, incorporando displays publicitários à projeção a céu aberto.
Há alguns anos, Giselle participou de um projeto chamado “Praia de Paulista”, no qual a empena do Instituto Tomie Othake foi utilizada para um remix coletivo da obra de Glauber Rocha. “São Paulo é uma cidade de empenas. As salas/praias de cinema estão prontas. Alexis Anastasiou promoveu uma ação no Minhocão no início do ano usando suas empenas e fiquei imaginando quantos lugares simultâneos como esses poderíamos ter”, diz Giselle.
O artista visual Alexis Anastasiou, ou simplesmente VJ Alexis, abriu mão da carreira diplomática para se dedicar exclusivamente às produções e performances audiovisuais com a Visualfarm, produtora especializada em conteúdos visuais e projeções, pioneira na criação de espetáculos projetivos e no uso do vídeo mapping em intervenções públicas e eventos corporativos no Brasil.
Para Alexis, as instituições governamentais precisam pensar nas projeções em espaços públicos como uma ferramenta para transformar áreas urbanas degradadas ou desertas à noite. “Quando observamos o que cidades como Montreal fizeram com seu circuito artístico, reforçando e trazendo mais público, percebemos que parte do gasto governamental em cimento e asfalto pode ser transformado em instalações permanentes de projeção e espetáculos para a cidade”, afirma.
Em termos técnicos, uma projeção audiovisual desse tipo requer complexos sistemas de servidores de mídia, que possibilitam o trabalho em conjunto de vários projetores de alta potência, bem como o desenvolvimento de conteúdos audiovisuais mapeados para cada prédio. Além disso, aponta Alexis, as projeções em espaços públicos ainda carecem de facilitadores no que diz respeito a questões burocráticas. “O mais difícil é que o tempo necessário para obter as autorizações com todos os órgãos da prefeitura é quase sempre superior ao tempo de preparação dos projetos. Dessa forma, a maior parte das consultas acaba morrendo na praia”, explica.
Mapeamento dos espaços para projeções
À procura de profissionais do audiovisual que realizam projeções de peças e obras além do cinema e das telas convencionais, a Spcine promoveu, durante o mês de agosto, inscrições de artistas de mapping, VJs, produtores, curadores, além de produtoras e empresas do segmento, residentes na cidade de São Paulo. O objetivo é usar o mapeamento como ferramenta para a elaboração de políticas públicas voltadas à ressignificação de espaços públicos por meio do audiovisual.
Segundo Renato Nery, diretor de inovação, criatividade e acesso da Spcine, essa ação pode ajudar a qualificar a experiência do cidadão na cidade, ampliando seu repertório estético, crítico e de informação. “O mapeamento é um primeiro passo na direção de reconhecer uma dinâmica escondida do setor. Percebemos movimentos e ações brotando paulatinamente na cidade com este perfil, e o objetivo, em primeiro lugar, é descobrir quem são, o que já fizeram e como trabalham, para pensar em como este potencial criativo pode ser melhor desenvolvido e estimulado”.
Está no radar da Spcine um mapeamento dos locais onde as exibições possam ser feitas, além de um estudo sobre a dinâmica de contato e regragem dos espaços, de modo a determinar territórios, trajetos e esquinas com essa vocação. “A lei da cidade limpa, por exemplo, foi criada desconsiderando esse tipo de atividade, portanto, dentro de suas normativas necessitaria de uma atualização que os considere. Outro exemplo é a demanda por este tipo de profissional em eventos tradicionais”, diz Nery. “O mapeamento é inspiracional e servirá em sua observação para o avanço na identificação de gargalos que impedem o desenvolvimento pleno do setor.”
Novos espaços se abrem
Para Alexis, os melhores locais para projeção são aqueles que conjugam uma grande quantidade de público à noite, belos edifícios, com características adequadas para projeção e espaço para que o público possa apreciar as imagens. “Muitas vezes, essas características estão em conflito entre si ou com a intenção dos patrocinadores. Sem contar a sempre vontade dos patrocinadores de estarem nos bairros mais nobres da cidade. Eu gosto muito do Centro Histórico de São Paulo”, diz.
Foi na região central da capital paulista que o empresário argentino Facundo Guerra, sócio do Grupo Vegas, um conglomerado de casas noturnas de São Paulo, encontrou no Mirante 9 de Julho, um bom lugar para reunir artistas urbanos de várias tendências. Abandonado há décadas, ele foi revitalizado e inaugurado no final de agosto, em consórcio com a MM18 Arquitetura e parceria com a Prefeitura de São Paulo. A proposta é promover o diálogo entre diferentes iniciativas, recebendo mostras de arte urbana, projetos musicais, exibições de filmes e feiras independentes.
Akin Bicudo, responsável pela programação cultural do Mirante, diz que o audiovisual será um dos principais pilares de atuação do novo espaço. No calendário já previsto até o final do ano, há exibições aos fins de semana, sempre ao ar livre e sem cobrança de entrada. Um dos projetos é o Phenoscope, temporada de filmes de arte em diálogo com o experimental e o cinema fantástico, em parceria com o Cine Phenomena. Além de filmes, haverá projetos audiovisuais, performances e apresentações que transitam entre a estética do cinema e a arte digital.
“Também temos interesse em exibir filmes de acervo de galerias, museus e instituições, como Galeria Vermelho, Cinemateca Brasileira, Instituto Moreira Salles e Goethe Institute, para citar alguns”, conta Akin. Outra ideia é receber mostras que já acontecem na cidade, como In-Edit, Mostra Internacional de Cinema e Mostra Bit, da Secretaria Municipal de Cultura. A proposta é apresentar um conteúdo que seja de entretenimento, mas também de pensamento e discussão de ideias, valorizando a intersecção de diferentes manifestações culturais.
Cinema vira palco para intervenções
Um marco na estruturação da ALT[av] – Rede Audiovisual Alternativo, um grupo de artistas que promovem e realizam shows musicais com instalações audiovisuais, foi a intervenção no Cine Art Palácio, o mais antigo cinema da Cinelândia Paulista, que hoje pertence à Secretaria Municipal de Cultura, e estava abandonado e em depredação, com o intuito de recuperar o cinema para a arte performática. “A ideia da importância histórica do audiovisual em São Paulo, sua ligação com o espaço urbano e transformação social deixou clara a necessidade de se pensar o cinema expandido como circuito cultural, pautando políticas públicas e propondo ações de fomento a um segmento de mercado ainda pouco compreendido no Brasil”, diz Demétrio Portugal, integrante do grupo gestor do ALT[av].
A ALT[av] conta hoje com centenas de integrantes, entre artistas, curadores, gestores, produtores e espaços culturais, educacionais, museus e festivais. Envolve VJs e vídeo mapping em espaços públicos, mas também Live Cinema, vídeo-art, vídeo performance, ambientes interativos, interação com música e teatro, além de experimentação no campo da tecnologia e novas mídias. Desde meados dos anos 1990, vários integrantes da rede atuam para o fomento e a representação da inovação audiovisual em novas mídias no Brasil.
Por Mônica Herculano