Festival de Brasília retorna à sua característica original
O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que acontece de 15 a 22 de setembro, comemora com muitas novidades seus 50 anos de existência. Sob a presidência do ator e diretor de teatro, Guilherme Reis, titular da Secretaria de Cultura do DF, o mais antigo festival do país, criado em 1965, por Paulo Emílio Salles Gomes, voltou a adotar o pluralismo e o ineditismo como dois eixos curatoriais. Este ano, o comando do festival adequou-se aos tempos de crise econômica, arejou conceitos curatoriais e, além da competição principal, programou mais dez filmes em duas mostras informativas: a Continente Compartilhado e a Panorama Brasil.
O festival deu por encerrado o tempo do xiitismo estético, tão presente nos últimos anos, de só selecionar filmes experimentais, de baixíssimo orçamento e sem atores conhecidos, e voltou à sua marca histórica de mesclar o cinema da ousadia estética e ficções com atores conhecidos. Há filmes com atores famosos, como Matheus Nachtergaele, em “Big Jato”, e Mariana Ximenes, em “Prova de Coragem”, orçamentos mais ou menos fornidos, sem que isto implicasse em fechar-se a títulos mais experimentais. E, como não poderia deixar de ser, há pelo menos um documentário na seleção. Brasília sempre valorizou o gênero. Desta vez, o personagem biografado é Cláudio Santoro, compositor e maestro amazonense-brasiliense.
Pluralismo estético
A programação desta edição, com longas-metragens 100% inéditos, na busca pelo cobiçado troféu Candango, marca a volta de Cláudio Assis ao seu antigo ninho, onde despontou e firmou sua carreira, com seu novo filme “Big Jato”. Aos 55 anos, Assis venceu como melhor filme em Brasília, com “Amarelo Manga” e “Baixio das Bestas”, e em Paulínia com a “A Febre do Rato”, todos fotografados por Walter Carvalho. “Big Jato”, adaptação literária do livro de Xico Sá, trata-se de narrativa de ingredientes autobiográficos do próprio Xico, e tem no elenco o ator que mais se identifica com o cinema de Assis: Matheus Nachtergaele, presença forte nos quatro longas do diretor. Está também no elenco o filho de Cláudio com Júlia Moraes (neta de Vinícius), Francisco de Assis Moraes, de 11 anos, que tem papel significativo no filme.
Roberto Gervitz chega a Brasília com seu quarto longa-metragem, “Prova de Coragem”, baseado em livro de Daniel Galera (“Mãos de Cavalo”), sobre o percurso existencial de um personagem e ambientado nas montanhas do Sul. No elenco, um grande nome do cinema latino-americano, Cesar Troncoso, que o brasiliense viu num vencedor recente do Candango com “Hoje”, de Tata Amaral. A fotografia é do craque e experiente Lauro Escorel, a direção de arte e cenografia, do mestre britânico-brasileiro Adrian Cooper e a montagem, de Manga Campion.
O fotógrafo e cineasta britânico John Howard Szerman, radicado na capital brasileira há 22 anos, é o diretor do único documentário da competição, “Santoro – O Homem e a Música”. Criador e primeiro regente da Orquestra Sinfônica de Brasília, Cláudio Santoro (1919-1989) figura no panteão dos pioneiros da nova capital. Foi professor da UnB, teve militância comunista e deixou, além da Sinfônica candanga, acervo de mais de 600 obras musicais. Howard trabalhou com feras como Jean-Luc Godard (1973), foi assistente de Ricardo Aronovich e, nos anos loucos, realizou “Caetano Veloso: o Tesouro da Juventude” (1970), tendo o compositor tropicalista, em tempos de exílio londrino, como personagem central.
Diversidade regional
O diretor carioca Alan Minas concorre com “A Família Dionti”, um filme que assemelha-se a uma fábula poética. A tal família compõe-se de pai e dois filhos, Kelton, de 13 anos, e Sirino, 15, que vivem em um sítio no interior de MG. A mãe não mora mais com eles, pois derreteu de amor, evaporou e partiu. À frente do elenco, está o talentosíssimo Gero Camilo. O filme conta com suporte do Latin America Fund, do Tribeca Film Institute. Minas realizou vários curtas e um longa documental, “A Morte Inventada”.
O gaúcho paulistano Cristiano Burlan estreia seu sexto longa-metragem, “Fome”, com Jean-Claude Bernardet e Henrique Zanoni à frente do elenco, que tem seu tema definido como “um filme que revela, nas veredas da metrópole, em perpétuo processo de construção e desconstrução, um velho mendigo que caminha sem destino”. Entre os filmes de Burlan, está o documentário de grande impacto temático e narrativo: “Mataram meu Irmão”, vencedor do Festival É Tudo Verdade 2013.
O baiano-paranaense Aly Muritiba, de 36 anos, desembarca em Brasília com seu primeiro longa ficcional (antes ele realizou o documentário “A Gente”, sobre agentes penitenciários): “Para Minha Amada Morta”. À frente do elenco, Fernando Alves Pinto, ator-fetiche de Lina Chamie, e a bela paraibana Mayana Neiva. A fotografia do filme traz a assinatura de Pablo Baião, marido da atriz Dira Paes. O roteiro, que na origem chamava-se “O Homem que Matou a Minha Amada Morta”, recebeu o prêmio Global Filmaking Award, do Sundance Institut, mantido pelo ator e diretor Robert Redford.
Dois longas terão sessões hors-concours: “Um Filme de Cinema”, de Walter Carvalho, na noite inaugural, e “Até que a Casa Caia”, de Mauro Giuntini, na noite de encerramento.
Na mostra competitiva de curtas-metragens, doze filmes foram selecionados entre os 458 inscritos, oriundos de vários Estados. Mais uma vez, o Rio de Janeiro está fora da competição (o mesmo se deu em Gramado). Os selecionados são os paulistas “À Parte do Inferno”, de Raul Artuso; “Command Action”, de João Paulo Miranda Maria, e “O Sinaleiro”, de Daniel Augusto, diretor do longa “Não Pare na Pista” sobre Paulo Coelho, os mineiros “Copyleft”, de Rodrigo Carneiro, “Rapsódia para o Homem Negro”, de Gabriel Martins, e “Quintal”, de André Novais Oliveira (diretor do longa “Ela Volta na Quinta”). Os cearenses “Cidade Nova”, de Diego Hoefel, e “História de uma Pena”, de Leonardo Mouramateus, o brasiliense “Afonso É uma Brazza”, de Naji Sidki e James Gama, o mato-grossense do sul “A Outra Margem”, de Nathália Tereza, o gaúcho “O Corpo”, de Lucas Cassale (vencedor de Gramado), e o paranaense “Tarântula”, de Marja Calafange e Aly Muritiba (único cineasta a disputar o Troféu Candango tanto no longa, quanto no curta-metragem).
Continente compartilhado
O festival vai sediar série de painéis reflexivos sobre a importância das coproduções cinematográficas no cinema contemporâneo. Entre os debatedores, estão Juan Carlos Maneglia, codiretor do block-buster “Sete Caixas” (no Paraguai, o filme bateu “Titanic”!), Lucrécia Cardoso e Marcelo Panozzo, da Argentina, Alejandro Pelayo, do México, Sylvie Debs, da França, Bina Paul, da Índia, Shari Friolt, dos EUA, Isabel Martinez, da Costa Rica, e os brasileiros Manoel Rangel, da Ancine, e Alfredo Manevy, da Spcine.
Por Maria do Rosário Caetano