A boa onda do branded content

A expansão do mercado de TV, com diversas modalidades de recursos, também atingiu um setor da produção independente que une publicidade, produção e canal, o chamado branded content, ou seja, um modelo de produção patrocinado pela marca de um produto. Victor Lemos, produtor executivo da Trator Filmes, afirma que a produção é igual, seja publicidade, seja entretenimento, seja branded content. O que muda é o processo. “No caso do branded content, existe uma participação maior de todas as partes envolvidas, desde a produtora, a agência e o cliente”, explica.

Para Marina Bouças, também produtora executiva na Trator, a aprovação desse conteúdo é muito mais rápida do que de um conteúdo independente, e os orçamentos, em geral, são financiados pelas marcas e pelo próprio canal. “Aqui, não existe dinheiro incentivado, não existem linhas de financiamento público. Um branded não pode demorar a ser executado, porque corre o risco daquele posicionamento não ser o mesmo em um ano. Da aprovação à liberação de recursos em conta, o prazo não passa de um mês”, afirma.

Legislação permite uso de marca em obras financiadas com recursos públicos

No entanto, a exploração deste tipo de negócio na produção incentivada como o FSA, por exemplo, é permitida por lei. De acordo com a advogada Carolina Kazumi, do escritório Cesnik, Quintino e Salinas, a legislação audiovisual brasileira não prevê limites de uso da marca nas obras audiovisuais produzidas com recursos de incentivo fiscal, sendo possível, portanto, que marcas patrocinem uma obra com Art. 1ºA, por exemplo, e esta seja um produto de branded content. É possível também ações de product placement (merchandising), já que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) entende que essas são fontes de recursos para o financiamento das obras. “O ponto é que a Ancine só avaliará a obra quando finalizada, em sede de prestação de contas, e a subjetividade reina nesta questão. O que deve ser observado é a razoabilidade na inserção da marca, de modo que não tome vulto a ponto de configurar a obra como publicitária – o que colocaria o produtor numa situação mais delicada, por exemplo, ter de arcar com Condecines mais altas e até mesmo devolver dos recursos incentivados.”, conclui.

Paulo Schmidt, fundador da Academia de Filmes, considera, do ponto de vista do modelo de negócio, que ainda é preciso encontrar um caminho mais equilibrado para esse tipo de conteúdo. “Se o projeto de conteúdo, mesmo que destaque alguns valores institucionais de marcas, cumprir os quesitos que o caracteriza como tal, e não como publicidade, não vejo problema em haver recursos públicos inseridos nas fontes de financiamento, seja do Fundo Setorial do Audiovisual ou de outros mecanismos de renúncia fiscal”, avalia o produtor.

Para Victor Lemos, da Trator Filmes, no branded content, o modelo de produção é o mesmo, o que muda é o processo, com participação maior de todas as partes envolvidas

Do ponto de vista do processo artístico, no entanto, não difere muito de qualquer outra produção audiovisual: demanda talento e esforço. “Produzir um projeto de conteúdo é sempre um desafio, independente da forma como será envelopado. É claro que, quando falamos em produzir para marca, há a especialidade de criar um conteúdo que dialogue com os valores. E, sob esse aspecto, produtores e artistas precisam criar tanto com os talentos de agência quanto com os profissionais de marketing, que são quem melhor pode aproximar o trabalho artístico dos valores das marcas”, explica. Quanto ao modelo de produção, para Schmidt, a diferença no branded content está na necessidade de uma equipe de criação multidisciplinar, que possa ir a fundo tanto nos valores da marca quanto no processo criativo.

Custo x benefício para o canal

Entre os canais, o destaque é para o grupo Discovery, que só este ano emplacou 52 ações de conteúdo para marcas – quase 60% mais do que no ano passado. Para o canal, é importante alinhar o produto com as necessidades da programação, especialmente, nos formatos longos (foram sete só neste ano). “O branded content é trabalhoso, mas não vejo nenhum aspecto negativo. A gente não faz um projeto desse tipo pelo dinheiro que ele vai gerar, mas pela oportunidade de criação de qualidade e audiência”, afirma Roberto Nascimento, vice-presidente de vendas publicitárias da Discovery Networks Brasil.

Uma pesquisa está sendo feita para entender, do lado estritamente comercial, qual a percepção que o espectador tem de programas com integração de marca. E, embora a Discovery não divulgue dados financeiros, Nascimento conta que, ao discutir um projeto de conteúdo, algumas questões colocadas na mesa são: custos de produção, de integração de marca e linhas que não são discutidas ao vender um comercial de 30 segundos. “O que você precisa estabelecer, e isso a gente vem trabalhando cada vez mais, é a importância de cada um desses elementos serem colocados no momento correto – não adianta ter 30 segundos se minha necessidade é integração de marca, e vice-versa – e, ao mesmo tempo, qual a pertinência de custo na estrutura oferecida, de maneira transparente, mostrando o valor de cada uma das coisas que estamos oferecendo, não apenas em termos de preço, mas de valor mesmo.”

Para Roberto Nascimento, da Discovery Network Brasil, o imporante não é só pensar no dinheiro que estas ações irão gerar, mas também na qualidade da audiência

Diferenças no modelo de produção

A Trator desenvolveu para o Discovery Theater HD a série “4 Histórias 4 Estradas”, com quatro episódios, em que quatro diretores da produtora uniram-se para explorar as estradas mais emblemáticas do Brasil. Cada um ficou responsável por documentar uma história relacionada a uma estrada. A marca Jeep foi parceira estratégica e, em cada episódio, cada diretor teve dois Jeeps Renegade à disposição para atravessar a estrada em questão e voltar com imagens estonteantes, característica do canal. “O que nós gostamos de fazer é contar histórias. Emocionar, arrepiar”, diz Victor Lemos. E, na medida em que traz um conteúdo além do habitual na publicidade tradicional, o branded content permite uma maior exploração de novas histórias.

Segundo João Daniel Tikhomiroff, fundador e sócio-diretor da Mixer, 99% das séries nos Estados Unidos ou são branded content ou têm product placement. É uma prática comum já há muitos anos, tanto envolver marcas em produtos de entretenimento quanto desenvolver produtos próprios para anunciantes. Algumas, inclusive, ganham prêmios importantes, como o Emmy, como foi o caso de “The Beauty Inside”, ação da Intel. “Esse tipo de ação contribui fortemente para a dramaturgia e para o entretenimento, além de ajudar a financiar outras produções”, completa o cineasta.

Para ele, a fronteira entre o product placement e o branded content está cada vez mais estreita. “O filme ‘Náufrago’ foi concebido como roteiro, não foi uma encomenda da Fedex, mas é um dos maiores exemplos da história de branded content. É um longa que teve roteiro original da equipe do Steven Spielberg, mas que perceberam que seria ideal para uma marca como a Fedex. Então, conversaram com o presidente da empresa, que na época estava falindo, e isso acabou sendo a grande virada da marca”, lembra.

João Daniel Tikhomiroff, da Mixer, produziu a série “Mothern”, para o GNT, como branded content da Unilerver

A série “Mothern”, produzida pela Mixer, também não foi concebida por uma marca – no caso, a Unilever. Os produtores levaram ao canal GNT a proposta de que a empresa poderia estar presente não com product placement, mas como conceito de marca. “A própria Unilever não quis que o produto (Omo) aparecesse. Eles acharam mais forte, e é mais inteligente de fato, mostrar o conceito de marca integrado na história. Quanto mais sutil, melhor.”

Schmidt acredita que a forma de fidelizar o público está mais próxima de conteúdo e entretenimento de qualidade, seja para cinema ou televisão. “Branded content chega em boa hora, já que o mercado busca novos recursos para financiar conteúdo, de forma que a indústria possa se tornar sustentável”, diz. E prevê: “Talvez, daqui a alguns anos, o impacto da mudança seja semelhante ao que aconteceu com o cinema e a TV”.

Novidade na propaganda 

O uso destes recursos nasceu junto com a televisão. Algumas décadas atrás, até as telenovelas eram bancadas por marcas. “No fundo, eram obras de ficção bancadas por marcas, a maioria de sabão e produtos de limpeza, que tinham interesse em impactar seus espectadores”, lembra o consultor de comunicação Bruno Scartozzoni, um dos fundadores da Storytellers, agência brasileira especializada em criar histórias para marcas. Para ele, de certa forma, estamos vivenciando hoje um resgate disso. Mais pela necessidade do que pela nostalgia. “O ponto é que, frente à perda de eficiência da propaganda tradicional, as marcas estão tendo que aprender (ou reaprender) a produzirem seus próprios conteúdos, ou então a pegar carona no conteúdo de terceiros. Basicamente, estar onde as pessoas já estão”.

“Mas nem tudo são flores”, alerta o especialista. “Fazer uma série implica na empresa aceitar um paradigma da indústria do entretenimento com o qual outros segmentos não estão acostumados: o risco. Canais de TV e estúdios sabem que é quase impossível prever o sucesso ou fracasso de um produto desse tipo, e faz parte lidar com essa incerteza. Empresas e agências de publicidade precisam entender essa lógica antes de colocarem os pés nesse novo-velho terreno”.

 

Por Mônica Herculano

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