Humor negro regional

Frequentadores de festivais de cinema e cinéfilos que preferem ver filmes fora dos shopping centers, provavelmente, já entraram em contato com algumas produções realizadas pelo coletivo paulista Filmes do Caixote, formado pelos realizadores Caetano Gotardo, João Marcos, Sergio Silva, Marco Dutra e Juliana Rojas. A turma trabalha de fato coletivamente, intercambiando funções. Marco Dutra e Juliana Rojas, por exemplo, dividiram o roteiro e a direção do elogiado e premiado “Trabalhar Cansa”. Dutra também compôs as músicas de “O que se Move”, em parceria com Gotardo, o diretor do filme. Juliana, além de codirigir e corroteirizar “Trabalhar Cansa”, montou “O que se Move”, de Gotardo, que por sua vez, montou “Trabalhar Cansa”. E, assim por diante, num eficiente e produtivo trabalho cooperativo que já soma 41 curtas e longas, de acordo com levantamento do site “Imdb”.

Agora, é a vez de Juliana Rojas assinar sozinha, como roteirista e diretora, seu primeiro longa, “Sinfonia da Necrópole”, que finalmente ganha um espaço neste nosso cruel circuito exibidor, após ser elogiado, aplaudido e premiado em vários festivais. As canções são de Marco Dutra e da própria Juliana.

A trama de “Sinfonia da Necrópole” gira em torno de Deodato (Eduardo Gomes), sobrinho de um competente coveiro, que tenta seguir os passos do tio, mas que desmaia sempre que começa a pensar na morte de seus “clientes”. O diretor do cemitério o coloca então numa função mais burocrática: recadastrar os túmulos que serão desativados para abrir espaço a jazigos verticais. Sim, a especulação imobiliária chegou ao campo santo. Neste trabalho, ele será chefiado por uma atraente executiva (Luciana Paes), por quem se apaixona.

Se já causa alguma estranheza o fato de um filme – que não é de terror – ser ambientado num cemitério, imagine então se o seu tratamento dramatúrgico seguir os preceitos de… um musical. Pois segue. “Sinfonia da Necrópole” é satírico, irônico e divertido já a partir de seu título, uma brincadeira com o clássico “Sinfonia da Metrópole”, além de ser habilmente conduzido por canções interpretadas por coveiros e mortos. O resultado é uma viagem deliciosamente macabra que, mesmo referenciando elementos de antigos filmes de zumbis, consegue se firmar dentro de um estilo eminentemente nacional, principalmente, ao optar, com acerto e brasileiramente, em incorporar suas imprecisões como estilo.

Um estilo eminentemente urbano, com bastante humor negro. Um humor, diga-se, sintonizado com uma tradição paulistana que evoca um pouco de Adoniram Barbosa, um pouco de Premeditando o Breque e Língua de Trapo. Delicioso, é verdade, mas talvez nem sempre muito bem compreendido em outras regiões brasileiras. De qualquer forma, louve-se, e muito, esta tentativa (no caso, bem sucedida) de inovar, divertir, emocionar e criticar utilizando parâmetros e ferramentas da nossa própria criatividade, buscando nossos e novos caminhos. É deste frescor criativo e desta, digamos, saudável gaiatice que o nosso cinema precisa.

Assista ao trailer do filme aqui.

Sinfonia da Necrópole
Brasil, 94 min., 2014
Direção: Juliana Rojas
Distribuição: Vitrine Filmes
Estreia: 14 de abril

 

Por Celso Sabadin

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