O papel das film commissions nos acordos bilaterais de coprodução cinematográfica

Desde meados da década de 20, começando na Europa, os produtores cinematográficos frequentemente formam parcerias com produtores de outros países para o financiamento e a produção de filmes, ou seja, a coprodução. Um filme objeto de um tratado de coprodução assinado entre dois ou mais Estados, ganha, assim, duas ou mais “nacionalidades”, e se qualifica a receber os incentivos fiscais nacionais, e outras formas de apoios governamentais, voltados para a promoção da produção, distribuição e/ou exibição cinematográfica desses países.

Os incentivos fiscais nacionais e os tratados de coprodução internacionais operam como duas ferramentas essenciais para a concretização dos objetivos políticos de diversas nações visando criar uma indústria cinematográfica sustentável e promover a cultura e a educação audiovisual. Hoje, os incentivos e os tratados de coprodução possibilitam a produção da maioria dos filmes voltada para o público internacional e são componentes significativos e crescentes na criação de políticas regulatórias audiovisuais.

Os benefícios das coproduções internacionais são bem conhecidos e incluem:

  • Acesso aos recursos econômicos do parceiro;
  • Acesso aos incentivos e subsídios oficiais dos governos;
  • Acesso ao mercado do parceiro ou a um terceiro mercado;
  • Cumprimento da reserva de Mercado se tiver;
  • Acesso a locações específicas para filmagem, e equipamentos mais baratos;
  • Benefícios culturais; e
  • A oportunidade de aprender com o parceiro.

Atualmente, o Brasil mantém acordos bilaterais de coprodução com dez países (Alemanha, Argentina, Canadá, Chile, Espanha, França, Índia, Itália, Portugal e Venezuela), além de ter participação em acordos multilaterais, como no Convênio de Integração Cinematográfica Ibero-Americana e no Acordo Latino-Americano de Coprodução Cinematográfica – dois instrumentos largamente utilizados pelos produtores brasileiros por meio de programas como o Ibermedia. O acordo bilateral de coprodução entre Brasil e Reino Unido (Grã-Bretanha e Irlanda do Norte) foi assinado em setembro de 2012, após sete anos de negociação, mas ainda não foi ratificado pelo Congresso Brasileiro, nem pelo Parlamento do Reino Unido. Recentemente, a Ancine iniciou negociações de acordos de coprodução com África do Sul e Nova Zelândia, mas ainda não há previsão de assinaturas.

Qual o interesse das film commissions nos acordos de coprodução internacional? Qual o papel dessas nesse processo?

Do ponto de vista legislativo e regulatório, as film commissions não têm nenhum papel formal nas negociações para os acordos de coprodução internacional, já que apenas órgãos oficiais dos governos signatários são partes envolvidas, como, por exemplo, no acordo com o Reino Unido, no qual a Ancine representa o Brasil, e o British Film Institute, o Reino Unido.

No entanto, sem dúvida, as film commissions têm interesse direto na implementação de acordos de coprodução, na medida em que atuam como ferramenta de promoção e facilitação de produção de conteúdo audiovisual nas locações dos países participantes.

A film commission (escritório de apoio às produções audiovisuais) já é reconhecido como parte integral da cadeia produtiva audiovisual brasileira, e está incluída no “Plano de Diretrizes e Metas para o Audiovisual”, que a Ancine publicou em 2013, que traz um conjunto de objetivos que nortearão as políticas e as ações regulatórias para o setor audiovisual até 2020. De fato, os escritórios de apoio às produções audiovisuais estrangeiras no Brasil aparecem em dois momentos do Plano _ item 8.12, página 128, e item 234, página 164 _, e visam a meta geral: “Ampliar o número de escritórios de apoio a produções audiovisuais estrangeiras no Brasil”.

A atuação das film commissions em relação aos acordos de coprodução pode ocorrer tanto antes da assinatura e a sua implementação, como depois de entrar em vigor, já que as film commissions têm a facilidade e agilidade de oferecer seus serviços e locações para as filmagens de forma imediata, sem necessidade de acordos formais.

Nesse sentido, a política proativa da Rede Brasileira de Film Commissions – REBRAFIC tem sido antecipar a assinatura dos acordos de coprodução internacional através de contatos diretos com os produtores e suas entidades, e a assinatura de um simples memorando de entendimento (Memorandum of Understanding – MOU) para gerar oportunidades para conectar os produtores dos países parceiros do Brasil com as 26 film commissions que formam parte da REBRAFIC. As disposições específicas dos acordos incluem: apoiar as negociações bilaterais com o Brasil já iniciadas para tratados formais de coprodução e identificar locais possíveis no Brasil para a produção de conteúdos audiovisuais, bem como gerar nova atividade econômica em seus respectivos países.

Exemplos mais recentes da iniciativa da REBRAFIC ocorreram no dia 15 de maio por ocasião do Marché du Film no Festival de Cannes 2016, quando a Associação de Produtores da Nova Zelândia – SPADA (Screen Production and Development Association of New Zealand) e a National Film and Video Foundation (NFVF) de África do Sul assinaram acordos com a Rede Brasileira de Film Commissions – REBRAFIC em cerimônias separadas. O acordo com a Nova Zelândia foi assinado por Sandy Gildea, diretora executiva da SPADA, e o acordo com a NFVF foi assinado por Zama Mkosi, CEO da entidade. Os dois acordos foram assinados por Steve Solot, diretor executivo da REBRAFIC.

Dentro da mesma política da REBRAFIC e antecipando a implementação eventual de um acordo de coprodução internacional entre o Brasil e o Reino Unido, no dia 10 de março durante o RioContentMarket, Jonathan Dunn, cônsul-geral do Reino Unido no Rio de Janeiro, Dawn McCarthy-Simpson, diretora para o desenvolvimento internacional do PACT (Associação Britânica de Produtores de Cinema e Televisão), e Steve Solot, diretor executivo da REBRAFIC, assinaram  um Memorando de Entendimento. O objetivo do documento é criar um espaço para o desenvolvimento de parcerias colaborativas entre o PACT e a REBRAFIC, promovendo a coprodução de filmes, televisão e demais conteúdos audiovisuais, além de filmagens em locações brasileiras por profissionais do Reino Unido.

No caso dos Estados Unidos, não existe possiblidade de acordo de coprodução internacional, já que a falta de um órgão federal do audiovisual naquele país impede tais acordos, mas não impede que coproduções financeiras com outros países sejam feitas, o que acontece com frequência. Nesse sentido, para facilitar coproduções entre Brasil e EUA, foi assinado um acordo entre a Câmara de Comércio Brasil Califórnia (BCCC), e a REBRAFIC, com apoio do Consulado do Brasil em Los Angeles, para promover a coprodução de conteúdos audiovisuais para cinema, televisão, entre outras mídias, para cineastas brasileiros e norte-americanos, bem como para incentivar filmagens em locações no Brasil, com o apoio da rede de film commissions do país. Especificamente, o acordo serve como uma porta de entrada para as 26 film commissions da REBRAFIC quando estas forem procurar parceiros de negócios e oferecer seus serviços e locações para produtoras em Los Angeles, o “epicentro” da indústria cinematográfica global.

 

Por Steve Solot, Diretor Executivo, Rede Brasileira de Film Commissions – REBRAFIC (www.rebrafic.net) e Coordenador da Rio Film Commission (www.riofilmcommission.com)

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