Festival de Gramado – Mulheres em noite argentina

Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado

A oitava e última noite da competição do 45º Festival de Cinema de Gramado teve alma argentina, mas também brasileira. E trouxe mais uma grande atriz, Camila Morgado, protagonista do portenho “Vergel”, para a disputa do Kikito de melhor interpretação feminina. As mulheres estão no centro das mais fortes narrativas do festival, principalmente, nos longas-metragens brasileiros.

Uma das favoritas ao prêmio de melhor atriz, na noite de hoje – que será transmitida ao vivo pelo Canal Brasil, para todo o país, e pela TV Educativa e TV Assembléia, para os gaúchos – é a paulista Magali Biff, protagonista de “Pela Janela”. Ela enfrentará concorrentes fortíssimas como Maria Ribeiro e Clarice Abujamra (ambas de “Como nossos Pais”), Camila Morgado (“Vergel”), Eliane Giardini (“A Fera na Selva”) e até duas pré-adolescentes (Priscila Bittencourt e Isabela Torres, as duas Irenes). Já no quesito melhor ator, só dois nomes se destacam: Marco Ricca (“As Duas Irenes”) e Paulo Betti (“A Fera na Selva”).

O que justifica a presença de “Vergel”, rodado integralmente num apartamento em Buenos Aires e dirigido pela argentina Kris Niklison, na competição brasileira?

A resposta é simples: o filme é tão argentino, quanto brasileiro, um exemplo perfeito de coprodução entre os dois países. Seus créditos contam com Camila Morgado, centro nevrálgico da narrativa, com trilha sonora de Arrigo Barnabé, com a presença de Karen Harley como comontadora e com a ação decisiva da produtora Mi Chan Tchung (apesar do nome, que não é o mesmo do registro civil, ela é 100% brasileira). E, se isto não bastasse, a língua portuguesa, o portunhol e o espanhol argentino dominam os diálogos. Camila interpreta turista brasileira que aluga, com o marido, um apartamento para férias em Buenos Aires. Ele morre e ela tem que enfrentar a burocracia portenha para trasladar o corpo ao Brasil.

Enquanto espera para resolver os trâmites burocráticos, o verão portenho se aproxima dos 40 graus. A jovem viúva toma banhos permanentes e convive com uma vizinha (a divertida Maricel Alvárez), que tem a chave do apartamento, pois rega infinidade de plantas colocadas na varanda. As duas viverão tórrido relacionamento amoroso. Afinal, a personagem de Camila Morgado é visceralmente perturbada pelo luto e pelos transtornos causados pela burocracia. Ficará em transe com os muitos impedimentos que se se acumulam e retardam a transferência do corpo do marido (a quem ela amava muito). Kris Niklison, no debate com a imprensa, fez questão de dizer que não realizou um filme lésbico. E sim, um mergulho no corpo e nas emoções de uma mulher à beira da loucura, ao perder o companheiro num país que não é o seu  e ter que enfrentar trâmites funerários e judiciais.

O primeiro longa exibido na oitava noite do festival fora também argentino: “Pinamar”, de Federico Godfrid, rodado integralmente no balneário de mesmo nome, localizado a 300 km de Buenos Aires. Seus protagonistas – interpretados pelos jovens Juan Grandinetti, Agustín Pardella e Violeta Praxis – formam um triângulo amoroso em Pinamar, onde o diretor passava, na infância, suas férias de verão. Depois, adulto, tomou verdadeiro bode pelo lugar, abarrotado de turistas no verão. Pediu, então, à sua roteirista, Lucia Moller, que ambientasse a trama de seu segundo longa em temporada invernal.

Dois irmãos, Pablo e Miguel, vão de carro até Pinamar, para juntos lançarem, nas águas do oceano, as cinzas da mãe e para vender o apartamento da família. O reencontro com Laura, amiga de infância, mudará o rumo da viagem e converterá o balneário sem sol em espaço de novas experiências. O filme, que compõe-se com pequenos acontecimentos, agradou e envolveu o público (além de render debate substantivo na manhã deste sábado).

Os dois últimos curtas da competição – “Tailor”, de Cáli dos Anjos, e “Objeto/ Sujeito”, de Bruno Autran – também tiveram boa receptividade. Soma de animação e documentário, “Tailor” é fruto do trabalho de um coletivo transsexual. Seu diretor, Cáli, mobilizou equipe técnica e artística formada só com minorias (transexuais e mulheres). O ponto de partida do filme é HQ que Tailor, um cartunista trans, realiza no espaço digital. Ele compartilha, através de seus desenhos, experiências de outros trans em suas  vidas cotidianas.

Nesta animação documental tudo é realizado com beleza (dos traços), elegância e fortes testemunhos (inclusive o de uma mãe que avisou ao filho que faria sua transformação para ‘pãe’, e ele aceitou). O clima dominante é de “happy movie”, explicou o diretor. “Não queríamos fazer mais um filme sobre os sofrimentos impostos aos que são transexuais”.

Já “Objeto/Sujeito” se anuncia como um filme de suspense. Um sujeito herda um cofre, mas sem código e chave para abri-lo. Tenta, primeiro, abri-lo, depois vendê-lo em perambulações pela Bela Vista e pelo Bexiga paulistanos. Num certo momento, porém, o curta abandonará o rumo inicial e dialogará com a comédia, chegando a desfecho inesperado.

Anahy & Luna

Mais duas mulheres magnetizaram o palco do Palácio dos Festivais na última noite das mostras competitivas: as atrizes Dira Paes, que recebeu o Trofeu Oscarito, e a gaúcha Aracy Esteves.

O comando do festival preparou supresa para Dira: fez Aracy incorporar, vestida a caráter, a sua mais famosa personagem, Anahy de las Misiones, protagonista do filme homônimo do saudoso Sérgio Silva (1997). No palco, a mãe coragem dos pampas, com seu português misturado com castelhano, chamava pela filha Luna, interpretada por Dira, 21 anos atrás. Quando a atriz paraense subiu ao palco, vestida com um elegante longo preto, as duas se abraçaram emocionadas.

Depois de receber o Oscarito, o prêmio, que tem o nome mais cinematográfico do país, Dira Paes agradeceu a honraria e lembrou seus 33 anos de carreira (iniciados em “Floresta das Esmeraldas”, de John Boorman) e o trabalho com Aracy Esteves em “Anahy de las Misiones”. Definiu sua mãe coragem como a “maior atriz gaúcha”. Há que se registrar que Dira, com dezenas de filmes, novelas e séries no currículo,  é a mais jovem brasileira a receber o prestigiado Troféu Oscarito.

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