Mostra SP: Quem é Bárbara Virgínia?

Por Maria do Rosário Caetano

Quem é Bárbara Virgínia? Para responder a esta pergunta, a cineasta portuguesa Luísa Sequeira mergulhou em arquivos lusitanos e brasileiros. O resultado de sua busca está registrado num documentário de 77 minutos, que carrega sua indagação no título, programado pela 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Há novas sessões programadas para este domingo, 29 de outubro, e para terça-feira, 31.

Luísa Sequeira já havia realizado um curta – “Os Cravos e a Rocha” – que colocava lusitanos e brasileiros em diálogo. Neste filme, a diretora reencontra Glauber Rocha envolvido com a Revolução dos Cravos. Afinal, ele participou de documentário coletivo – “As Armas e o Povo” – realizado no justo momento em que os jovens Capitães de Abril derrubavam, em 1974, a ditadura salazarista.

Ao escolher Bárbara Virgínia como tema de seu primeiro longa-metragem, Luísa voltou a unir Portugal ao Brasil. Sua personagem é a atriz, locutora, declamadora e cineasta lusitana Maria de Lourdes Dias Costa, que adotou o nome artístico de Bárbara Virgínia. Ela viveu 60 de seus 92 anos no Brasil.

Na plateia da estreia paulistana de “Quem é Bárbara Virgínia?”, estavam os atores Helena Ignez, Djin Sganzerla, André Guerreiro Lopes e o santista Alexandre Borges. Alexandre, ator em muitos filmes e novelas da Globo, vem estreitando relações artísticas com Portugal. No debate, ele teceu elogios ao filme e destacou o empenho da cineasta em aproximar os dois países.

Maria de Lourdes Dias Costa seria apenas mais uma cidadã portuguesa, se não tivesse escolhido o mundo artístico como seu território de ação. Nascida em 1923, ela perdeu o pai muito cedo. Encontrou na mãe uma parceira confiante em seus projetos. Estudou piano, canto e artes dramáticas. Fez teatro e cinema como atriz, declamou versos, foi locutora de rádio. Um dia, acabou convidada a dirigir o longa-metragem “Três Dias sem Deus”, do qual era protagonista, pois o diretor se desentendera com os produtores. Bárbara tinha apenas 22 anos e, na cara e coragem, aceitou o desafio. Nunca, na história do cinema português, uma mulher dirigira um filme de longa duração.

Bárbara realizou, além de “Três Dias sem Deus”, um documentário de curta duração sobre crianças de orfanato, chamado “A Aldeia dos Rapazes” (1946). Naquele tempo, pós-Segunda Guerra Mundial, registrar crianças era prática estimulada com entusiasmo. As desilusões do longo e terrível conflito mundial serviam como força aglutinadora e instigavam os adultos a olhar para as crianças contagiados pelo anseio de que elas pudessem viver em um mundo melhor. E pacífico.

Luísa Sequeira lembrou, no debate na Reserva Cultural paulistana, que o curta de Bárbara dialoga com “Zero de Conduite” (1933), o clássico rebelde de Jean Vigo. E mais: “mostra-se um filme muito ousado ao registrar alguns dos órfãos vestindo-se com roupas femininas para uma tarde festiva, com danças e cantos”. Hoje – lembraram muitos participantes do debate – “aqui no Brasil, o filme seria execrado com o argumento de que estaria estimulando a (homo)sexualização de crianças”.

Cineasta portuguesa Luísa Sequeira © Claudio Pedroso

O longa “Três Dias sem Deus” entraria para a história do cinema lusitano como o primeiro longa-metragem dirigido por uma mulher. E mais: “como o único longa feminino, realizado sob a ditadura Salazar, a ser exibido em Cannes, na edição inaugural (1946) do festival francês. Coube à cineasta representar Portugal junto com “Camões”, superprodução festejada pelo regime e dirigida pelo medalhão Leitão de Barros.

Bárbara lamentaria, depois, não ter ido a Cannes, pois “assumira compromisso com o lançamento do filme na cidade do Porto”, a segunda mais importante e populosa do país. “Quem sabe” – se questionava – “minha trajetória no cinema fosse outra, se lá estivera?”

O pioneirismo de Bárbara Virgínia não lhe rendeu trajetória cinematográfica produtiva. Nunca mais dirigiu um filme. Tentou um projeto sobre o poeta António Nobre, mas foi barrada, segundo registra o filme de Luísa, pelo serviços de informação (o SNI salazarista).

Em 1953, sem espaço para seus projetos portugueses, a atriz, locutora (e cineasta) aceitou convite de Assis Chateaubriand para trabalhar no Brasil, na TV Tupi e em rádios dos Diários Associados. Nunca mais deixou o país. Do Rio, mudou-se para São Paulo, onde morreu, em 2015, aos 92 anos. Na capital paulista, ainda nos anos 1950, montou, com a mãe, um restaurante de comida lusitana chamado Aqui é Portugal, apaixonou-se por um advogado italiano, que morreu às vésperas do casamento marcado para acontecer na Itália, em 1957. Muitos anos depois, casou-se com um mineiro, pai de sua filha, Bárbara Freitas. A atriz lusitana que escolheu o Brasil como segunda pátria, está enterrada no Cemitério do Morumbi.

A cineasta Luísa Sequeira e Bárbara Freitas buscam, agora, incansavelmente, cópia integral de “Três Dias sem Deus”, um “filme universalista influenciado pelo Expressionismo alemão”, do qual só restaram 22 minutos. “O marido mineiro de Bárbara repetia sempre” – conta a realizadora – “que assistira ao filme em cinema brasileiro”. “Quem sabe há cópia dele em algum arquivo ou coleção particular brasileira?”

Luísa pede a quem tiver alguma pista de “Três Dias sem Deus”, que procure sua produtora, a Um Segundo Filme, pelo e-mail cinema@umsegundofilme.com.

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