Festival exibe filmes escolhidos por alunos de pequena cidade do litoral potiguar
São Miguel do Gostoso, pequena cidade do litoral potiguar, sedia, desta sexta-feira, 17, a terça, 21, a quarta edição da Mostra de Cinema de Gostoso. Além da beleza do município, famoso por atrair praticantes de esportes radicais, como o kitesurfe, o festival ostenta um trunfo: o caráter coletivo de sua curadoria. Afinal, para selecionar os 49 filmes das mostras competitivas e informativas deste ano (onze longas e 38 curtas) foram, mais uma vez, mobilizados 53 alunos dos cursos de Formação Técnica e Audiovisual, que acontecem ao longo do ano. Os estudantes escolhem o que querem ver e debater durante os cinco concentrados dias do festival, juntamente com a equipe da Heco Produções, produtora dos cineastas Eugenio Puppo e Matheus Sundfeld.
Produtor e diretor de “Sem Pena”, “Ozualdo Candeias e o Cinema” e “Carlos Reichenbach: Relatório Confidencial”, Puppo apaixonou-se, anos atrás, por São Miguel do Gostoso, por sua vida calma e aprazível, belezas naturais e, em especial, pela gente do lugar. Realizou, então, em 2011, o longa documental “São Miguel do Gostoso”, apresentado no Festival de Documentários É Tudo Verdade, em São Paulo. Na convivência com os moradores, viu que o município poderia transformar-se em belo e produtivo cenário para cursos audiovisuais. Durante as primeiras oficinas, nasceu a ideia de se criar “um festival de cinema que atualizasse moradores e turistas, muitos deles estrangeiros (em especial portugueses), com o melhor do cinema brasileiro de longa e curta-metragem”. Em 2013, aconteceu a primeira Mostra de Gostoso. Duas novas edições se sucederam em 2014 e 2015. Em 2016, a crise político-econômica impediu a realização do festival. Mas, este ano, ele volta com força redobrada e ampla programação.
Muitos dos 49 longas e curtas-metragens selecionados serão, como nos anos anteriores, exibidos ao ar livre, na Praia do Maceió, ponto nevrálgico da vida comunitária de São Miguel do Gostoso. O município, conhecido como “a esquina do continente sul-americano”, situa-se a 110 km de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Imensa tela, com 12 metros de comprimento e preparada para enfrentar rajadas de vento, comuns no local, atrai centenas de crianças, jovens e adultos. Há cadeiras em grande quantidade, mas os adolescentes, em especial, preferem levar cangas que, estendidas na areia, servem para que assistam aos filmes folgadamente deitados. Filmes com alguma restrição classificatória são exibidos em espaço fechado.
Eugenio Puppo lembra que “a Mostra de Cinema oferece, além das exibições cinematográficas, uma série de cursos de formação técnica e audiovisual para mais de 50 jovens de São Miguel do Gostoso e distritos que a circundam”. Ao longo de quatro anos, “este grupo de alunos já realizou 32 oficinas, produziu oito curtas-metragens e três edições da Mostra de Cinema de Gostoso. Esta é a quarta”.
O coletivo que assina a curadoria da Mostra de Gostoso utiliza o conhecimento adquirido ao longo dos últimos anos para avaliar, junto com Puppo e Sundfeld, os filmes que desejam ver e temas prioritários para novas oficinas. Puppo lembra que “os alunos participam ativamente do evento, trabalhando como monitores, aprendendo e trocando conhecimentos com cineastas convidados, que chegam de outros Estados da Federação”.
Para edição deste ano, o Coletivo Gostoso escolheu os filmes que serão exibidos no gigantesco telão da Praia do Maceió. São sete longas-metragens: “Escolas em Luta”, documentário paulista de Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques e Tiago Tambelli, as ficções “Café com Canela”, produção do interior da Bahia (Cachoeira), dirigida por Glenda Nicácio e Ary Rosa, “Arábia”, dos mineiros Affonso Uchoa e João Dumas, “Gabriel e a Montanha”, do carioca Fellipe Gamarano Barbosa, “As Duas Irenes”, do goiano Fábio Meira, “Jonas e o Circo sem Lona”, da baiana (da capital) Paula Gomes, e “Os Últimos Cangaceiros”, do cearense Wolney Oliveira. Como anuncia o título deste documentário, ele acompanha a trajetória de dois nordestinos (Duvinha e Moreno) que viveram, no bando de Lampião, o ciclo do cangaço. A presença do filme na Mostra de Gostoso reveste-se de razão especial: o povo potiguar orgulha-se de ter botado cangaceiros do bando de Virgulino Ferreira (1898-1938) para correr. Isto aconteceu em Mossoró, entre os dias 10 e 14 de junho de 1927, portanto, há 90 anos.
Quatro longas-metragens serão exibidos na Mostra Panorama, em espaço fechado: os paulistanos “As Boas Maneiras”, de Juliana Rojas e Marco Dutra, e “Meu Corpo é Político”, de Alice Riff, o mineiro “Baronesa”, de Juliana Antunes, e o candango “Era uma Vez Brasília”, de Adirley Queirós.
Entre as competições de curta-metragem, a que mais chamará atenção da comunidade de Gostoso será a que apresentará produções do município e de seus distritos. Este ano, são três os concorrentes: “O Grande Ó” (com duração de 10 min), “Moeda Gostoso” (13 min) e “Os Dois Lados do Lixo” (12 min), todos assinados por integrantes do coletivo potiguar Nós do Audiovisual (nome que evoca experiência similar – o Nós do Cinema – criada no começo dos anos 2000, no Vidigal-Rio, pela trupe do Nós do Morro, apoiada por Kátia Lund e Fernando Meirelles).
Na competição nacional, o Coletivo selecionou oito curtas: “Chico”, dos Irmãos Carvalho, “Leningrado”, de Dênia Cruz, “Nada”, de Gabriel Martins, “Carneiro de Ouro”, de Dácia Ibiapina, “Borá”, de Angelo Defanti, “Mamata”, de Marcus Curvelo, “Meninas Formicida”, de João Paulo Miranda Maria, e “No Fim de Tudo”, de Victor Ciriaco.
A criançada desfrutará da Mostrinha de Gostoso, composta com 18 curtas e curtíssimos infantis: “A Árvore de Humberto” e “Os Segredos do Rio Grande”, ambos fruto de criação coletiva de alunos do Núcleo Animação do Espírito Santo, “A Festa dos Encantados”, de Masanori Ohashy, “A Fuga”, de Douglas Alves Ferreira, “A Ilha das Crianças”, de Zeca Ferreira, “A Noiva do Coelhinho”, de Rafael Franco, “A Orelha de Van Gogh”, de Thiago Franco, “Boycóptero”, de Almir Correia, “Cabelo Bom”, de Swahili Vidal e Claudia Alves, “Hora do Lanchêêê”, de Claudia Mattos, “Insustentarte”, de Thiago Ottoni, “Ketz”, de Jackson Abacatu, “A Árvore e o Beijo”, de Cristiano Requião, “Luiz”, de Alexandre Estevanato, “Mãe de Giz”, de Almir Correia, “Meu Pequeno Herói Não Sabe Voar”, de Pedro Jorge, “O Bagre de Bolas”, de Luiz Botosso e Tiago Veiga, “ÒrunÀiyé – A Criação do Mundo”, de Jamile Coelho e Cintia Maria, e “OsibaKangamuke – Vamos Lá, Criançada”, de Haya Kalapalo, Tawana Kalapalo, Thomaz Pedro e Verônica Mona.
Nove filmes completarão o amplo cardápio de curtas-metragens programados pelo festival de Cinema de Gostoso. Agrupados na Mostra Panorâmica, serão exibidos “Autópsia”, de Mariana Barreiros, “Casulos”, de Joel Caetano, “Cuscuz Peitinho”, Rodrigo Sena e Júlio Castro, “Deusa”, de Bruna Callegari, “Retirada para um Coração Bruto”, de Marco Antônio Pereira, “A Terceira Margem”, de Fabian Remy, “Anderson”, de Rodrigo Meireles, “Em Torno do Sol”, de Julio Castro e Vlamir Cruz, e “O Peixe”, de Jonathas de Andrade. O curta “A Rotação da Terra”, de Matheus Sundfeld, um dos diretores do festival, será exibido em caráter hors-concours.
Terra do kitesurfe
O município de São Miguel do Gostoso, de nove mil habitantes, localiza-se na ponta oeste do continente sul-americano e orgulha-se, além da localização geográfica privilegiada, de suas belezas naturais, força atrativa de turistas, principalmente, de esportes radicais, como o kitesurfe.
A fama de “paraíso pacato, autêntico e charmoso” tem atraído brasileiros e estrangeiros. Por isto, a cidade apresenta elevado crescimento no número de pousadas. Já dispõe de mil leitos e muitos restaurantes, que servem sua rica culinária (destaque para frutos do mar). Mas, que se avise, tudo é singelo e rústico, muitas ruas são cobertas de areia. Recomenda-se a quem visitar o município que leve roupas e calçados leves e confortáveis. Ou seja, que aposentem saltos, joias e gravatas.
Por Maria do Rosário Caetano
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