Mostra comemora centenário da Revolução Russa

No ano em que são comemorados os 100 anos da Revolução Russa, o CPC-UMES (Centro Popular de Cultura da União Metropolitana de Estudantes Secundaristas) promove, na Cinemateca Brasileira, a quarta edição da Mostra Mosfilm Brasil – Cinema Soviético e Russo. De 5 a 10 de dezembro, serão exibidos, com entrada franca, onze longas-metragens.

O filme inaugural será o inédito “Anna Karenina – A História de Vronsky”, de Karen Shakhnazarov, baseado no famoso romance de Lev Tolstoi, publicado em 1877. Só que, nesta adaptação, o diretor privilegia o ponto de vista do Conde Vronsky.

A obra do grande Tolstoi já recebeu múltiplas releituras no cinema. Para não se repetir, o cineasta moscovita, de origem armênia, inicia sua narrativa trinta anos mais tarde, durante a guerra russo-japonesa. Para tanto, usa um artifício: o filho de Karenina procura saber do amante da mãe (o Conde Vronsky), o que a fizera desistir da vida. Tolstoi, nunca é demais lembrar, narra, neste que é um de seus livros mais conhecidos, o caso extraconjugal de Anna Karenina, que se apaixona pelo nobre Vronsky e abandona a família, chocando a sociedade de seu tempo.

As produções selecionadas para o festival vão de clássicos da era muda soviética até produções contemporâneas. Ou seja, de “Encouraçado Potemkin” e “Outubro”, ambos de Sergei Eisenstein, até os recentes “Amor na URSS” e “Ana Karenina”, ambos de Karen Shakhnazarov.

No recheio da Mostra Mosfilm, estão realizações das décadas de 1930 (“O Cartão do Partido”, de Ivan Pyryev), de 40 (“A Questão Russa”, de Mikhail Romm), de 50 (“O Destino de um Homem”, de Serguey Bondarchuck), e 60 (“Libertação” – Parte 1 – Arco de Fogo, e Parte 2 – Ruptura, de Yuri Ozerov).

Sérgio R. Torres, da comissão organizadora da Mostra Mosfilm – o nome é uma homenagem ao maior estúdio de cinema da história soviética – explica que a ideia é apresentar filmes realizados na maioria possível de décadas pós-Revolução de 1917. Jamais ficar só nos clássicos do Construtivismo Russo. Por isto, a temporalidade é tão elástica.

Os anos 1970 se fazem representar por “Estação Bielorrússia”, de Andrey Smirnov, e por um dos maiores sucessos internacionais dos Estúdios Mosfilm, “Dersu Uzala”, de Akira Kurosawa. A década de 1980 marca presença com “Um Homem do Boulevard dos Capucines”, de Alla Surikowa. Duas décadas, porém, ficaram sem representação: a dos anos 1990 e 2000. Foram anos do desmonte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em que os Estúdios Mosfilm perderam força. Hoje, a empresa voltou a ter destaque (mas nada que lembre a grandeza da era soviética).

Quem não se lembra do êxito planetário de “Dersu Uzala”? O filme foi realizado em 1975, por um Kurosawa ainda no auge de sua potência artística (apesar das angústias existenciais e criativas que o levaram a tentativa de suicídio, em 1971). O realizador japonês tornara-se mundialmente conhecido quando “Rashomon” (1950) venceu o Festival de Veneza. Mas na década de 1970, enfrentava grandes dificuldades para financiar seus filmes. Sua relação com a Rússia vinha de adaptação de Dostoievski (“O Idiota”, 1951) e Gorki (“Ralé”, 1957). A Mosfilm recebeu o mestre japonês com honras e carta branca. E foi regiamente recompensada.

Afinal, “Dersu Uzala” rendeu um Oscar de melhor filme estrangeiro a Kurosawa e conquistou outras láureas internacionais (incluindo o Donnatelo italiano). Esta produção soviético-japonesa baseia-se em livro do explorador e topógrafo Vladimir Klavdievich Arseniev (publicado em 1923). O relato, que foi adaptado pelo roteirista Yuri Nagibin, ambienta-se na Sibéria, durante a primeira década do século XX, e une dois protagonistas, ambos russos: Maxim Munzuk (o nativo goldi Dersu Uzala) e Yury Solomin (o Capitão Arseniev, autor do livro).

A aventura filmada por Kurosawa mostra o militar Arseniev e seus soldados em missão topográfica na gelada Sibéria. Lá, ele fará amizade com um homem simples, Dersu, “a águia das estepes e taigas”, conhecedor profundo da imensa região siberiana.

O filme, um épico apaixonante, centra-se no embate entre a natureza e a civilização. O crítico francês George Sadoul escreveu, em seu “Dicionário de Filmes”, que o obstinado Kurosawa encontrou nos Estúdios Mosfilm, amplo orçamento e todo o tempo sonhado para realizar seu épico. Da parceria, resultaria “um filme-rio de remansos generosos, corredeiras e água parada, meditação sobre os relacionamentos do homem com a natureza”. E mais: “a extrema atenção dada por Kurosawa à qualidade dos diálogos sem palavras, que se trava entre o cientista e o homem da floresta, prova, na verdade, com bastante eficácia, que ele não lança uma Natureza-maiúscula contra um Homem-minúsculo, mas dá um testemunho para o futuro que saberá ser o da troca e não o do saque”.

Alguns dos filmes programados pelo CPC-UMES abordam, claro, a participação soviética na Segunda Guerra Mundial, por eles chamada de Grande Guerra Patriótica. Caso de “Libertação 1: O Arco de Fogo”, “Libertação 2- Ruptura”, “O Destino de um Homem” e “Estação Bielorrússia”. Quem acompanhou as recentes comemorações russas por ocasião do centenário da Revolução Bolchevique, viu que o presidente Vladimir Putin fez vista grossa ao que se passou em 1917 e centrou atenções nos feitos da Guerra Patriótica. Esta, avaliou com esperteza, une os russos. Já a Revolução comandada por Lênin racha o país ao meio.

Fora do tema da Guerra Patriótica, vale destacar títulos mais recentes. Caso de “Um Homem do Boulevard des Capucines”, de Alla Surikova, de 1987. A trama evoca o passado do próprio cinema. Na alvorada do século 20, Mr. Johnny First chega ao Oeste Selvagem com um projetor e algumas latas de filme. O título do longa-metragem, uma sátira, evoca o Salão Indiano do Grand Café do Boulevard des Capucines, onde os Irmãos Lumière encantaram as plateias com sua maravilhosa invenção.

Já “Amor na URSS”, de Karen Shakhnazarov, de 2013, se passa na década de 1970, momento em que um jovem universitário “dissidente” disputa com o amigo comunista o amor de Lyuda. O triângulo amoroso se constitui sobre pano de fundo em que o entusiasmo socialista soviético sofre gradual, porém contínua, erosão. O filme é uma revisita a “Cidade dos Ventos”, realizado pelo mesmo diretor, em 2008.

Shakhnazarov, de 65 anos, iniciou sua carreira aos 23, e tem pelo menos dois de seus dezoito longas-metragens conhecidos no Brasil: “Cidade Zero” (1988), lançado em nosso circuito de arte nos tempos da perestroika/glasnost, e “Tigre Branco” (2016), já apresentado na Mosfilm Brasil e com promessa de lançamento em 2018.

Por Maria do Rosário Caetano

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