Brasil por inteiro

Pouco mais de 15 anos após a criação da Ancine, o Brasil começa a se mostrar mais por inteiro, tanto no cinema quanto na televisão. A transformação desse cenário tem a ver com a inclusão de uma cláusula na Lei 12.485/2011, conhecida como Lei da TV Paga, de 2012. A lei trouxe consigo a obrigatoriedade dos canais para o conteúdo brasileiro, e um indutor regional de 30% nos editais de apoio financeiro do FSA, destinados a produções oriundas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (CONNE), enquanto outros 10% são reservados à região Sul e aos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Esse indutor é o responsável por essa descentralização dos recursos do eixo Rio/SP. Em 2009, cerca de 99% deles eram destinados apenas às produções de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 2016, essa concentração caiu para 63%.

O crescimento dos investimentos fez aumentar também o número de produtoras interessadas em atuar nesse mercado. Até julho de 2017, das 3.488 empresas registradas na Ancine, 1.865 se situavam nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Juntas, elas respondiam por 10% das emissões de Certificados de Produtos Brasileiros (CPB). “Um artista como Walter Carvalho teve que sair da Paraíba e ir para o Rio de Janeiro para fazer cinema. Hoje, já existe a possibilidade de você se estabelecer no seu lugar. Isso é muito bom, porque a gente cria toda uma identidade através do audiovisual”, afirma Jorane Castro, diretora e produtora paraense e diretora da região Norte da CONNE, que vive na pele a mudança desse cenário.

Jorane Castro, diretora da CONNE Norte: a regionalização permitiu ao produtor se estabelecer no seu lugar, criando toda uma identidade através do audiovisual © Rogério Resende

Essa política descentralizadora fez com que dezenas de novos diretores surgissem, produzindo desde o Amazonas, como Sérgio Andrade (“Antes o Tempo Não Acabava”, 2016) e Cristiane Oliveira (“A Mulher do Pai”, 2017), no Rio Grande do Sul. No Pará, por exemplo, Jorane acaba de filmar seu primeiro longa de ficção, “Para Ter Onde Ir”, com lançamento nacional previsto para 10 de maio, dando fim a um hiato de 40 anos de produções do tipo em seu Estado. Ela já foi contemplada pelo PRODAV 01/2012, que bancou o documentário “Terruá Pará”, para a TV Brasil, e desenvolve novos longas e séries pelo PRODAV 03/2013, de financiamento de núcleos criativos.

Ainda há entraves a vencer

Apesar do cenário favorável, ainda há entraves para o cumprimento do indutor regional, que, em 2016, chegou somente até 24,7% dos recursos do FSA. “Quando você começa a investir em outras regiões, leva-se um tempo para que esses mercados atinjam um grau de maturidade mais ofensivo”, explica Debora Ivanov, diretora da Ancine. Jorane concorda, e afirma que as políticas devem se debruçar agora na retenção de talentos em seus Estados e na necessidade de investimento em formação para a garantia de continuidade.

Pautas como essas levaram à criação da CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste, que, desde o ano passado, reúne produtores, diretores e gestores das 20 unidades federativas das três regiões com o objetivo de azeitar o diálogo com a Ancine, em prol de uma agenda comum.

Para a diretora da Ancine Debora Ivanov, as regiões que não produziam tinham dificuldades de acesso, por isso a criação do indutor e o desconto de 50% para canais investirem na produção regional

A união já surtiu efeito, com a suplementação de R$ 94 milhões para a linha PRODAV 02, de fluxo contínuo, voltada à produção de conteúdos independentes e projetos pré-selecionados, para integrar a programação de canais de TV. Segundo o edital, o montante deverá ser destinado, em sua integralidade, à macrorregião da CONNE. Outros R$ 6 milhões serão direcionados a projetos do Sul, Minas Gerais e Espírito Santo.

As regras da linha de Arranjos Financeiros Estaduais e Regionais foram flexibilizadas para torná-los mais atraentes para os municípios de pequeno e médio porte. Além disso, o custo da licença de primeira janela também foi reduzido em 50% para os canais situados nestas regiões. “Essas produtoras estão longe das distribuidoras e dos canais. Já que elas já têm dificuldade de acesso, essa foi uma forma de estimular os canais a procurar esse conteúdo, e isso já está acontecendo”, diz Debora.

Os incentivos têm gerado frutos. Em 2017, o Amapá lançou seu primeiro edital de financiamento à produção audiovisual com uma mistura de recursos estaduais e federais. No Ceará, a TV O Povo abriu uma chamada pública, no valor de R$ 4,62 milhões, recebidos via PRODAV 02/2016, para o financiamento de produções independentes feitas exclusivamente no Estado e com exibição prevista para 2019.

O cineasta Renato Barbieri (ao lado do cineasta Vladimir Carvalho e do produtor Marcus Ligorki) acredita que o indutor é uma forma de atrair o olhar dos canais para as regiões como a sua, em Brasília

“Tivemos 15 inscrições habilitadas. Inicialmente, achamos o número baixo, mas depois chegamos à conclusão de que ele mostrou a realidade do mercado local. Como essa foi a primeira experiência, esperamos que o número aumente nas próximas”, afirma Marcos Tardin, diretor da TV O Povo.

Canais como Curta!, Arte 1, Prime Box Brazil, CineBrasilTV e Canal Brasil são alguns dos que mais têm absorvido conteúdos de fora do Rio e São Paulo, de acordo com Renato Barbieri, diretor da Gaya Filmes, que atua no Distrito Federal.

“Os produtores estão se profissionalizando cada vez mais, participando de feiras e estabelecendo relações muito promissoras e efetivas com os canais. Não tem jogo fácil, mas acredito que estamos evoluindo a passos largos, com obras cada vez mais competitivas e produtoras mais fortalecidas para que possamos ampliar nosso potencial”, diz ele.

 

Por Amanda Queirós

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