Filme sobre índios Krahô concorre no Festival de Cannes

É na próxima semana que o Festival de Cannes vai marcar a première internacional de “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”. O longa-metragem apresenta a história de Ihjãc, um jovem indígena que celebra a festa do luto depois de ver o espírito do pai e precisa passar pelo longo processo que o tornará um pajé. Mergulhado na cultura dos índios Krahô, do Tocantins, o filme mistura elementos de ficção e documentário, preservando a língua e os costumes locais.

A direção é do casal Renée Nader Messora, que é brasileira, e João Salaviza, português. Durante o ano, eles se dividem entre aquela comunidade indígena e a residência em Portugal, imbuídos em projetos que estimulam atividades relacionadas ao cinema e ao audiovisual com os nativos. Neste momento, eles já estão em Lisboa esperando a equipe brasileira e o elenco principal do filme para embarcarem para Cannes, onde a obra será exibida na mostra Un Certain Regard.

“Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos” é o primeiro longa-metragem de Salaviza que vai competir no festival, mas o tapete vermelho da Croisette não é exatamente uma novidade para ele. Em 2009, o seu primeiro curta “Arena” não só foi selecionado, como também premiado com a Palma de Ouro na categoria. A seleção deste ano, na verdade, é que foi uma surpresa.

“O filme ficou pronto um mês antes de enviarmos para todas as mostras oficiais e paralelas do Festival de Cannes. Fizemos o processo normal de inscrição em cada uma delas e, até o anúncio oficial, não tínhamos recebido nenhuma resposta. A confirmação só veio na última lista. Já não tínhamos mais nenhuma esperança, até porque o filme não é uma coprodução com a França”, relata Renée.

A coprodução se deu com Portugal, pela Karõ Filmes, e a obra recebeu um pequeno incentivo do Instituto do Cinema e Audiovisual (ICA) português para o desenvolvimento do projeto, em 2015. Do lado brasileiro, a produção ficou por conta da Entre Filmes, com participação da Material Bruto.

A temática indígena da obra também não é muito recorrente no festival francês, e menos ainda a perspectiva mais documental na Un Certain Regard, que privilegia filmes ficcionais na essência. Para Renée, esse também é mais um motivo para celebrar a seleção. Até porque, no âmbito dos grandes festivais internacionais, é o de Berlim que se mostra mais receptivo a esse tipo de filme. Em fevereiro, o também brasileiro “Ex-Pajé”, de Luiz Bolognesi, foi exibido na mostra paralela Panorama e ganhou o prêmio especial do Júri. Ou seja, só em 2018, dois filmes brasileiros sobre comunidades indígenas já ganharam destaque internacional.

No caso de “Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos”, o projeto começou a partir da própria experiência de Renée e Salaviza entre os índios Krahô. Ela atua há cerca de nove anos na região e, durante toda a filmagem – entre junho de 2016 e fevereiro de 2017 –, os dois conviveram diariamente com a população local.

“Quando você mora, você também se envolve e entra no ritmo daquela comunidade indígena. Nós jamais poderíamos filmar num esquema normal de produção, até porque não queríamos levar uma equipe de filmagem. Ou a gente teria uma equipe ou um tempo longo de filmagem. As duas coisas não seria possível. Então, optamos por filmar do jeito que achávamos justo”, conta ela.

Lá, eles também contaram com o apoio direto de Vitor Aratanha, que mora na região há oito anos e leciona sociologia e filosofia na escola dos nativos. Como ele conhece e se expressa na língua local, ficou responsável por coordenar a tradução e a dublagem no filme, realizada pelos próprios indígenas que atuaram no longa. Aratanha também se encarregou da captação do som direto e trabalhou como produtor local. Pelas suas contas, a comunidade chegava a 500 pessoas que, indiretamente, participaram do filme, rodado nas proximidades de Itacajá, a 300 quilômetros ao norte de Palmas.

O filme é quase todo falado em krahô e tem legendas em português. E esse processo de tradução foi um dos que mais tomou tempo na pós-produção, inclusive revelando falas que não haviam sido de todo compreendidas no momento da filmagem, segundo Renée. “A gente não entendia a língua, o que nos colocava em uma posição menos controladora, especialmente na mise en scène. E isso toca na questão do documentário também”.

Para tornar o filme possível, diante dessas barreiras culturais e linguísticas, a diretora paulista ressalta a importância fundamental de Aratanha nesse processo e do empenho do jovem indígena que interpreta o protagonista Ihjãc. “Ele sacou muito rápido como funcionava todo o processo e nos ajudou com os atores indígenas mais velhos. Foi o nosso porto seguro”, conclui Renée.

A estreia no festival será no dia 16 de maio e a equipe deve aproveitar a oportunidade para levar as questões indígenas do Brasil para o debate internacional.

 

Por Belisa Figueiró

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