Aly Muritiba lança sua “trilogia do cárcere” em DVD

O cineasta Aly Muritiba nasceu na Bahia, engarrafou tubaína em fabriqueta do pai, migrou para São Paulo, trabalhou por cinco anos como bilheteiro do metrô, enquanto estudava História na USP, mudou-se para Curitiba e fez concurso para agente penitenciário. Neste ofício, conheceu em profundidade a vida daqueles que são responsáveis pela “tranca” dos presos. Um dia, descobriu que, se fizesse um curso universitário, teria melhores horários de trabalho na penitenciária. Na época, o Paraná se orgulhava de sua recém-criada escola de cinema. Ele fez vestibular e passou. Aí, o audiovisual entrou para o todo e o sempre em sua vida.

Neste exato momento, o agitado Muritiba, de 39 anos, soma filmografia composta de nove curtas e três longas-metragens (o documentário “A Gente”, e os ficcionais “Para minha Amada Morta” e “Ferrugem”), realizações que lhe renderam 70 prêmios. E dirige, com os colegas Antônio Júnior e Marisa Merlo, o Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, que, há sete anos, exibe filmes que somam ousadia estética a temas sintonizados com nosso tempo. Além de cuidar dos próprios filmes (ele deve mostrar “Ferrugem”, lançado no Sundance Festival, em Gramado ou Brasília), Muritiba, que trabalha como remador de Ben-Hur, vem se dedicando com afinco à realização de séries para TV. Depois de participar da equipe de diretores de “O Hipnotizador” (HBO), integrou, com o amigo José Eduardo Belmonte, a equipe responsável por “Carcereiros”, sucesso de público que a Globo acaba de mostrar. Dirigiu, também, a série “Os Irmãos Freitas”, sobre o pugilista Popó e seu irmão Luís Claudio. “Já filmamos tudo”, conta, num intervalo na maratona de mais de cem filmes do Olhar de Cinema. “O material está agora em fase de montagem e estreará ano que vem no Canal Space”. Neste projeto, o parceiro de Muritiba é seu conterrâneo Sérgio Machado, o craque de “Cidade Baixa” e “Onde a Terra Acaba”.

A menina dos olhos do baiano-paranaense, neste exato instante, é a caixa temática “Trilogia Carcerária”, que ele lança em DVD, pelo selo Olhar Distribuição. Dois discos trazem, acompanhados de livreto com textos dos críticos Neusa Barbosa, Pablo Villaça, José Geraldo Couto e Filipe Furtado, os três filmes que dedicou, com amplo conhecimento de causa, ao universo carcerário: os curtas “A Fábrica” (2011), “Pátio” (2013) e “A Gente” (ou Agentes penitenciários, 2013).

A Trilogia está entre as seminais fontes de pesquisa da série “Carcereiros”. Os roteiristas Marçal Aquino e Fernando Bonassi assistiram aos documentários de Muritiba e eles acabaram enriquecendo a matéria-prima originária, o livro “Carcereiros”, do médico e escritor Drauzio Varela. O cineasta confirma que a série alcançou ótimos índices no Ibope e, por isto, já tem mais duas temporadas asseguradas. À frente do elenco, Rodrigo Lombardi e Othon Bastos.

Os filmes da “Trilogia do Cárcere”, todos produzidos pela Grafo Audiovisual, retratam o que Muritiba chama de “grupos oprimidos pelo sistema penitenciário brasileiro”, que são “os presos, seus familiares e os agentes penitenciários”. O primeiro curta, o ficcional, com raízes fincadas no documentário, “A Fábrica”, apresenta o drama de uma mãe que aceita o risco de levar um celular para o filho presidário, num dia de visita. Selecionado para dezenas de festivais, “A Fábrica” ganhou muitos prêmios e foi semifinalista ao Oscar de melhor curta-metragem.

O segundo título da Trilogia, “Pátio”, é um perturbador ensaio sensorial. Ao longo de 17 minutos, assistimos a um time de presidiários jogando bola e conversando sobre suas vidas. A banda sonora, avassaladora, nos tira do prumo. Importa mais o incômodo causado por aquele jogo em espaço de confinamento, que o que poderia dizer este ou aquele detento. O filme venceu, entre outros festivais, o prestigiadíssimo É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários de São Paulo.

Depois de abordar a família do preso e o preso em si, chegara a hora de Aly Muritiba falar do elo da corrente que mais conhecia: o agente penitenciário. Afinal, durante sete anos, dedicara-se a tal, e tão arriscado, ofício. Aí, o formato curto se mostrou insuficiente e o baiano-paranaense realizou um documentário de longa-metragem (89 minutos). A primeira atitude do cineasta foi pedir reintegração (estava licenciado) ao seu posto de trabalho, voltando a atuar como agente da lei em espaço carcerário.

A partir de um personagem central — o agente Jeferson Walkiu — o longa “A Gente” (note-se que o título do filme decompõe a palavra agente em artigo + substantivo) registra o momento em que Walkiu assume o comando da Equipe Alfa, composta de 28 agentes (homens e mulheres) responsáveis pela guarda e custódia de cerca de mil presidiários. O filme não seria o mesmo se o realizador não contasse com a confiança de seus colegas de ofício. Eles se deixam filmar em momentos diversos. Em burocráticas reuniões administrativas, na recepção a novos presidiários, na revista às celas, em suas angústias com as precariedades materiais (incluindo remédios) que assola nosso sistema carcerário e, até, em momento de tumulto, provocado pela agitação de um preso doente durante noite fechada. Agitação que deflagra a revolta de outros presidiários, abrigados no mesmo pavilhão.

“A Gente” mostra, ainda, e sem nenhum sensacionalismo ou pré-julgamento, a opção religiosa de Walkiu, pastor evangélico em busca de novas ovelhas para seu rebanho. Lançado em pequeno circuito em nossos cinemas, em 2017, o documentário passou por telas de diversos festivais internacionais e brasileiros como o Lume, no Maranhão (do qual foi o vencedor), o CachoeiraDoc, na Bahia, o Festival do Rio e o Dok Leipzig, na Alemanha, no qual recebeu prêmio cujo nome e atribuidor definem sua essência: Healthy Workplaces Film Award, da Agência Européia de Segurança e Saúde no Trabalho. Até porque, lembremos, o que mais falta em nossos presídios são segurança e saúde. Quem lê os livros do doutor Drauzio sabe que doenças, às quais a Medicina teria dado fim (como a tuberculose), encontram campo fértil em nossos cárceres medievais.

Quem desejar conhecer a “Trilogia do Cárcere”, de Aly Muritiba, no suporte DVD, deve entrar em contato com a Olhar Distribuição ou com Grafo Audiovisual, que contaram, neste cuidadoso projeto, com apoio da Fundação Cultural de Curitiba.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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