Olhar de Cinema premia o croata “Homens que Jogam”
Por Maria do Rosário Caetano, de Curitiba
Os vários júris da sétima edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba consagraram o cinema que aposta na invenção, no sensorial e até no humor. Caso do filme que recebeu o prêmio máximo da competição, o sérvio-croata “Homens que Jogam”, de Matjaz Ivanisin. Trata-se de documentário experimental que acompanha, com saborosas doses de ironia e humor, a paixão de homens turcos, croatas, sérvios e italianos pelos mais diversos tipos de lutas e jogos. Pode ser o jogo do queijo de casca dura que rola ladeira abaixo. Ou a luta de fortões turcos que, de tal forma se entrelaçam, que parecem trocar afagos homoafetivos. Pode ser também um tenista (o croata Ivanisevic Goran), pessimamente colocado no ranking mundial e que dá a volta por cima ao sagrar-se campeão em Wimbledon e levar seus conterrâneos à loucura. Um filme — como ponderou o júri — que soma o experimental ao popular com a liga de saboroso humor.
Outro prêmio do júri oficial (o de contribuição artística) foi dado a “Boa Sorte”, do norte-americano Ben Russel. Com produção franco-germânica, o realizador construiu belo documentário sensorial sobre mineiros sérvios, que buscam cobre nas entranhas da terra, e garimpeiros do Suriname que buscam ouro na calorenta selva amazônica. Um filme de raras beleza e ousadia, um retrato sobre duas faces de trabalhos braçais e brutais.
O cinema brasileiro — o nordestino, em especial — também teve reconhecimento especial dos júris do Olhar de Cinema. O baiano “O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva”, de Letícia Simões, ganhou dois troféus (melhor longa brasileiro e prêmio de distribuição Looke). O melhor curta nacional foi “Maré”, da também baiana Amaranta César, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. O paraibano “Sol Alegria”, de Tavinho Teixeira, mix de performance erótico-musical à moda dos anos 1970, com pitadas do primeiro Almodóvar e até de western-spaghetti, ganhou Prêmio Especial do Júri.
A Crítica cinematográfica (Prêmio Abraccine) e o Público tomaram caminhos opostos aos dos júris oficiais. Os críticos escolheram “Ansiosa Tradução”, da filipina Shireen Seno. Os espectadores preferiram o documentário brasileiro “Fabiana”, de Bruna Laboisièrre, sobre uma caminhoneira transexual e sua companheira, Priscila (também trans).
O cinema feminino, aliás, teve grande reconhecimento nesta edição do Festival Internacional de Curitiba, que priorizou olhares black e de mulheres. Houve, além de dezenas de filmes com temática negra e feminina, o desejo explícito de contar com artistas e críticos afro-brasileiros em júris e mesas de debate. O Olhar de Cinema saiu na frente e deu ótimo exemplo aos seus congêneres. Afinal, vivemos num país em que negros e pardos são maioria.
A festa de premiação transformou-se num tributo à libertação do ex-presidente Lula. Como ele está preso na sede curitibana da Polícia Federal, cineastas, atores e técnicos fizeram questão, ao longo da semana, de visitar o acampamento no qual estão mobilizados os que clamam por “Lula Livre”. E as visitas não se restringiram aos brasileiros. Os estrangeiros também lá estiveram. O crítico argentino Roger Koza contou, no palco, ao qual subiu ao lado da francesa Claire Allouche (ambos com a faixa “Lula Livre”), que gravou programa especial no acampamento e que o apresentará, neste final de semana, em emissora de TV de seu país natal.
Os cineastas franceses Hadrien La Vapeur e Corto Vlacav, que venceram a competição de melhor curta estrangeiro com “A Estranha História do Prince Dethmer”, enviram, por Skype, hilário agradecimento, misturando português e francês, e bradaram “Fora Temer”. A belga Messaline Raverdy, ao receber o principal prêmio da mostra Novos Olhares, pelo festejado “ Por Detrás das Cortinas”, subiu ao palco com a faixa “Lula Livre”.
Entre os premiados brasileiros, o discurso mais contundente foi o da baiana Amaranta César. Ela lembrou que a universidade em que atua, a Federal do Recôncavo da Bahia, criada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enfrenta imensas dificuldades, quase um desmonte. Clamou pela libertação de Lula, assim como sua conterrânea Letícia Simões, que subiu ao palco duas vezes, trajando a camisa do Bahia Esporte Clube, ao lado de Eduardo Chatagnier, montador de seu filme (“O Chalé…”, inspirado na obra do escritor paraense Delcídio Jurandir). Por duas vezes, Letícia e Eduardo clamaram por Lula livre.
Outra voz que se fez ouvir foi a da cineasta mineira Juliana Antunes, diretora do documentário “Baronesa”. Ela, que integrou o júri na mostra Outros Olhares, além de clamar com ênfase por “Lula livre”, defendeu a ampliação de editais que garantam a realização de filmes dirigidos por mulheres, com temas escolhidos por elas.
O júri que elegeu o melhor curta paranaense (Troféu Avec – Associação de Vídeo e Cinema do Paraná), composto com Emanuela Siqueira, Jessica Candal e Nelson Settani, atuou em uníssono e clamou por “Lula livre”. Em seguida, anunciou menção honrosa para “Lui”, de Denise Kelm, e o prêmio principal para “Acima da Lei”, de Diego Florentino.
Para encerrar a noite, foi exibido o comovente, rigoroso e, acreditem, bem-humorado “Meu Nome é Daniel”, de Daniel Gonçalves, portador de síndrome rara (e ainda não identificada pela medicina). Desde seus primeiros anos de vida, o agora cineasta traz deficiências motoras e de fala. Iniciou-se profissionalmente como jornalista esportivo, na função de editor de imagens, mas encontrou-se, para valer, no cinema. Dirigiu quatro curtas até realizar este que é seu primeiro longa-metragem. O fez com ajuda de um craque, o co-roteirista e montador Vinícius Nascimento. O resultado foi aplaudido de pé pela plateia, que lotou três salas do Espaço Itaú curitibano. E a emoção não veio de nenhuma chantagem sentimental. Veio das qualidades estéticas deste que é o primeiro longa dirigido, no Brasil, por um portador de acentuadas deficiências físicas. E, registre-se, portador, também, de grande inteligência e, sal da terra, de muito senso de humor.
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