Festival Internacional de Mulheres no Cinema começa hoje em SP

O Festival Internacional de Mulheres no Cinema, que será aberto nesta quarta-feira, 4 de julho, com exibição do documentário “Que Língua Você Fala?”, de Elisa Bracher, adotou provocante sigla: FIM.

As diretoras do evento, Minom Pinho, da Casa Redonda, e Zita Carvalhosa, da Kinoforum, justificam a escolha: “o festival estimula o começo de um novo ciclo e a ampliação dos espaços para mulheres de múltiplas etnias, origens e visões”. Ou seja, aposta no fim da secular discriminação feminina no audiovisual brasileiro e internacional, ao celebrar “obras inspiradoras, que trazem diversidade de narrativas e pluralidade de vozes ao público”.

Ao reunir 28 filmes e dezenas de profissionais mulheres atuantes no audiovisual, o FIM – em cartaz até 11 de julho, no CineSesc e Espaço Unibanco Augusta, em São Paulo – instala “espaço de fruição e reflexão” e estimula “o potencial de transformação do quadro de desigualdade entre homens e mulheres que vivemos hoje”.

E por que se busca, com ênfase especial nos últimos cinco anos, equidade de gênero na indústria cinematográfica?

Porque o protagonismo feminino atrás das câmeras e nas telas de cinema está longe de ser satisfatório. As curadoras explicam: “a presença feminina no segmento audiovisual ainda é mínima. Entre todos os filmes brasileiros registrados na Ancine, no período 2009-2016, e lançados comercialmente em salas de exibição, menos de 17% foram dirigidos por mulheres”. Se os dados tomarem a mulher negra como foco, a situação será ainda mais trágica.

Por isto, o FIM vai homenagear a atriz e cantora Zezé Motta em sua noite inaugural, exibindo “Xica da Silva”, filme no qual ela desempenha papel de protagonista absoluta e que a transformou em black star. No dia seguinte (5 de julho), no Espaço Augusta (20h00), nova sessão do filme de Cacá Diegues se fará seguir de debate com Zezé. A atriz vai refletir sobre seus 50 anos de carreira e seus trabalhos contemporâneos (ela está no ar com a 2ª temporada de “3%”, da Netflix).

Outro encontro que terá a produção de artistas negras como foco acontecerá no tradicional “Cinema da Vela” (dia 9, às 19h30), bate-papo que dura até a chama se extinguir e, há anos, anima o hall do CineSesc. Para a conversa promovida pelo FIM, foram convidadas as diretoras Juliana Vicente, Roberta Estrela D’Alva e Adélia Sampaio. Juliana, uma das curadoras do FIM (ao lado de Beth Sá Freire e Andréa Cals) compartilhará seus aprendizados à frente da série “Afronta” e propostas da TV Preta, Roberta Estrela D’Alva percorrerá sua trajetória pela poesia, cinema e TV, e a pioneira Adélia Sampaio refletirá sobre seu longa-metragem “Amor Maldito”.

A curadoria estruturou a primeira edição do FIM com a soma de quatro mostras. Duas competitivas (brasileira e internacional) e duas especiais. O público votará, ao final de cada sessão competitiva, para eleger o longa favorito. As diretoras dos dois filmes vencedores receberão um prêmio de R$ 15 mil cada.

A seleção brasileira conta com seis produções, sendo cinco documentários e uma ficção. Alguns trazem muitos prêmios em sua bagagem, caso do mineiro “Baronesa”, de Juliana Antunes, duro retrato da vida de duas mulheres em favela marcada pela violência e pelo tráfico, na periferia de Belo Horizonte. Este é o único título já lançado no circuito comercial.

Os outros cinco só passaram por festivais. “Como É Cruel Viver Assim” teve sua première no Festival do Rio. Trata-se de deliciosa e inteligente comédia de Júlia Rezende, protagonizada por elenco de primeira (destaque para Débora Lamm e Marcelo Valle) e escrita por roteirista no qual o cinema brasileiro deve prestar muita atenção, o ator cômico e dramaturgo Fernando Ceylão. Pela engenhosidade da trama, tudo indica que ele mergulhou em fonte de primeira: a grande comédia peninsular dos mestres Mario Monicelli e Dino Risi.

Júlia Rezende, diretora de blockbusters como “Meu Passado me Condena”, mostra mão segura e delicadeza no comando deste projeto mais autoral. Ao apostar em quarteto de amigos envolvido com um sequestro e sem nenhuma experiência no mundo do crime, ela constrói narrativa orgânica, ritmada e divertida. E mostra que é possível fazer comédias recheadas de ternura e sem apelações grosseiras.

Outro filme festejado em festivais (ganhou dois prêmios no recente Olhar de Cinema, em Curitiba) chega da Bahia: “O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva”, de Letícia Simões. A jovem realizadora homenageia o romancista paraense Dalcídio Jurandir, que dividiu seu tempo entre a escritura de seus livros e a navegação pelo Rio Tapajós rumo ao seu ambiente de trabalho (Jurandir era também inspetor de escola).

Sinai Sganzerla, integrante de uma família cinematográfica, na qual se destacam a mãe atriz e cineasta, Helena Ignez, as irmãs Paloma Rocha (“Anabasys”) e Djin Sganzerla (atriz de cinema e teatro), e o pai, Rogério Sganzerla (“O Bandido da Luz Vermelha”), estreia com um documentário poderoso e luz própria: “O Desmonte do Monte”. Exibido em caráter hors concours na Mostra de Cinema de Ouro Preto, o filme aparenta ser um documentário clássico, com narração off (a aliciante voz de Helena Ignez). Mas é muito mais que isto, graças à sua potente (e riquíssima) trilha sonora e às suas densas camadas de leitura e fruição.

Sinai Sganzerla nos arremessa, com este documentário, na história da destruição, apesar de sua importância histórica e arquitetônica, do Morro (carioca) do Castelo com paixão e pesquisa profundas. E nos fornece poderosa metáfora dos desmontes históricos do Brasil, este país em eterno processo de autodestruição.

Tatiana Lohmann e Roberta Estrela D’Alva, diretoras de “SLAM: Voz de Levante”, chegam à competição com documentário que registra campeonatos performáticos de poesia falada e acompanham a poeta negra e feminista Luz Ribeiro. Ela sagrou-se campeã brasileira, em 2016, e participou da Copa do Mundo de Poesia Falada em Paris.

Outro documentário que deve chamar atenção especial do público feminino é “Desarquivando Alice Gonzaga”, da carioca Betse de Paula. A realizadora traça divertido retrato da obstinada pesquisadora Alice, filha e herdeira do pioneiro do cinema brasileiro, Adhemar Gonzaga. Ela zela, com paixão e fúria, pelo rico patrimônio legado pelo pai, fundador do primeiro estúdio de cinema no país (a Cinédia, criada em 1930, nos deixou, entre outros registros valiosos, as icônicas imagens das irmãs Aurora e Carmen Miranda interpretando “Cantoras do Rádio” no filme “Alô, Alô Carnaval”).

A competição internacional também exibirá seis filmes. Um deles – “Tesoros” – chega do México, sob o comando da cineasta María Novaro, autora de “Danzón”, um dos grandes momentos do cinema feminino na América Latina. Com “Tesoros”, filme de recorte juvenil, a realizadora dá ênfase à preservação do meio-ambiente, colocando seus protagonistas, um grupo de crianças, em busca de um tesouro escondido em região paradisíaca do litoral mexicano.

De Portugal, nos chega “Colo”, denso drama dirigido por Teresa Villaverde, que retrata a rotina de família perturbada pelos efeitos da crise econômica de seu país.

O terceiro concorrente da mostra internacional, “Vergel”, tem DNA brasileiríssimo, embora sua diretora, Kris Niklison, seja argentina. O filme, coprodução entre os dois países sul-americanos, é estrelado por Camila Morgado. Ela interpreta uma brasileira que, em Buenos Aires, defronta-se com luto inesperado e vê-se à beira da loucura. Em clima almodovariano, a personagem tem que enfrentar trâmites funerários kafkianos e um sufocante verão. E deparar-se com uma ousada vizinha que vive a regar plantas e mais plantas. A jovem e sensual viúva, al borde de un ataque de nervios, enfrentará sérias dificuldades para distinguir o que é real do que é fruto de suas fantasias. O filme participou da competição do Festival de Gramado.

Da Suíça, chega longa-metragem lançado no Festival de Berlim deste ano: “Diário da minha Cabeça”, de Ursula Meier, com Fanny Ardant no elenco. A trama gira em torno de um garoto que assassinou friamente seus pais.

Do Festival de Cannes 2017, chegam dois concorrentes: o francês “Jovem Mulher”, de Léonor Serraille, premiado com o Caméra d’Or/Un Certain Regard, e o japonês “Esplendor”, de Naomi Kawase, vencedor do Prêmio do Júri Ecumênico. O primeiro filme mostra uma mulher jovem e livre (a bela Laetitia Dosch), que, após o fim de relacionamento de 10 anos, decide recomeçar de forma transgressora a sua nova vida em Paris. O segundo mostra uma jovem japonesa que cuida de versões de filmes destinadas a deficientes visuais e um fotógrafo que está perdendo a visão.

Duas mostras especiais – “Lute como uma Mulher” e “O Fogo que Não se Apaga” – complementam a programação. A primeira, composta com sete longas-metragens brasileiros, dirigidos ou codirigidos por mulheres, traz – explicam as três curadoras – “temáticas de resistência política, social, ambiental, cultural, econômica, racial e afetiva”. Ou seja, “novas abordagens de ativismo e manifestação de inquietudes, tendo o cinema como espaço de expressão e mobilização”.

Os títulos escolhidos são “Mataram nossos Filhos”, de Susanna Lira, o poderoso (e necessário) “Era o Hotel Cambridge”, de Eliane Caffé, “Chega de Fiu Fiu”, de Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão, “Lampião da Esquina”, de Lívia Perez, “Meu Corpo É Político”, de Alice Riff, “Um Casamento”, de Mônica Simões, e “Então Morri”, de Bia Lessa e Dany Roland.

O segmento “O Fogo que Não se Apaga” presta – justificam as curadoras – “homenagem a mulheres que dedicaram suas vidas profissionais ao audiovisual” e que “seguem produzindo obras inspiradoras, como uma história de amor com o cinema que nunca arrefece”. Foram selecionados longas recentes de Helena Ignez, Paula Gaitán, Helena Solberg, Beth Formaggini e Lúcia Murat, além de “Amor Maldito”, de 1984, de Adelia Sampaio, reconhecido como “o primeiro filme nacional a mostrar relação amorosa entre duas mulheres e ser dirigido por uma cineasta negra”.

Na noite de encerramento e premiação do FIM (quarta, 11 de julho), será exibido o filme “Paraíso Perdido”, de Monique Gardenberg, fantasia musical que reúne, em um cabaré paulistano, aqueles que entendem que toda forma de amor vale a pena. Trata-se do primeiro projeto apoiado pelo FAMA – Fundo Avon de Mulheres no Audiovisual. O FIM, afinal, conta com patrocínio da Avon e tem apoio do Sesc São Paulo e do grupo Mulheres do Audiovisual Brasil.

Por Maria do Rosário Caetano

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