Novo edital da Ancine estimula coproduções, mas em etapas já avançadas

A Ancine lançou um novo edital voltado exclusivamente para a coprodução de obras cinematográficas e audiovisuais. O montante anunciado é de R$ 36,8 milhões, sendo R$ 18,15 milhões para o cinema e R$ 18,65 milhões para a televisão. A nova linha faz parte do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e chega com a promessa de ampliar os recursos que há alguns anos contemplam as coproduções bilaterais, realizadas com coprodutores portugueses, argentinos, chilenos e uruguaios. A diferença é que agora os investimentos podem ser pleiteados para uma coprodução com qualquer país do mundo.

À primeira vista, o anúncio soa bastante tentador. Afinal de contas, cruzar a fronteira e fazer filmes e séries com parceiros europeus, e até norte-americanos, já é uma realidade para muitas produtoras brasileiras, ou ao menos essa possibilidade está entrando no plano de negócios de muitos jovens empreendedores. No entanto, é importante ficar atento especialmente aos pré-requisitos desta nova modalidade.

Para quem ainda não tirou o projeto da gaveta e nem começou a captar recursos para o desenvolvimento do roteiro, este não é o edital para dar o pontapé inicial. Aliás, longe disso. Entre os critérios que serão levados em consideração para aprovar a proposta, está justamente a captação já realizada. Em seguida, quais parcerias internacionais o produtor brasileiro já estabeleceu, quais são os talentos envolvidos (aqui entram não apenas os atores, mas também o diretor e a equipe técnica), além de uma estratégia comercial e um planejamento muito bem delineados. Para o cinema, também é preciso ter um contrato de distribuição; para a televisão, é obrigatório um pré-licenciamento.

Ou seja, como se trata de uma linha do FSA, os critérios artísticos valem tanto quanto o plano de negócios desse projeto, até porque mais adiante haverá um retorno para o fundo. Sendo assim, os recursos são muito bem-vindos para aquelas produtoras que já estão melhor estabelecidas no mercado e tem experiência, pelo menos no que se trata à captação de dinheiro em outras fontes. As outras linhas do FSA não estão excluídas dessa arquitetura orçamentária inicial. Na verdade, o edital de Coprodução Mundo é que se torna um aporte adicional, e não o contrário.

A justificativa da Ancine é que, com esse dinheiro suplementar, os projetos brasileiros ficarão mais competitivos no mercado internacional, oferecendo outra fonte de recursos para atrair coprodutores ao redor do globo. Traduzindo melhor: com dinheiro extra no cofre, os brasileiros poderão se aventurar em filmes e séries de orçamentos mais grandiosos, capazes de concorrer com projetos internacionais em condições mais igualitárias, focando inclusive nos festivais europeus.

Em tese, isso pode funcionar. Mas não é só o dinheiro que atrai o coprodutor, sobretudo o europeu. Se pensarmos em termos de coprodução com a França, os critérios são ainda mais complexos e não se restringem a alguns cifrões a mais na conta do filme. Como o edital prevê um teto de R$ 3 milhões adicionais por projeto majoritário e R$ 1 milhão para obras minoritárias brasileiras, não se pode afirmar de antemão que só isso será suficiente para conquistar um coprodutor, ainda que minoritário.

É necessário que a qualidade do roteiro seja tão boa quanto a sua capacidade estratégica e financeira. E isso implica o desenvolvimento de projetos que possam circular internacionalmente, com traços evidentes dessa potencialidade desde o seu mais tenro argumento. O primeiro passo, portanto, é reunir talentos capazes de construir esse projeto em escala internacional. Para funcionar, de fato, os recursos precisam ser um indutor, não um objetivo em si mesmo.

 

Por Belisa Figueiró, autora do livro “Coprodução de Cinema com a França: Mercado e Internacionalização”.

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