Longa sobre Gilda Brasileiro está no Pan Africa Film Festival
O longa documental “Gilda Brasileiro – Contra o Esquecimento”, dirigido por Roberto Manhães Reis e Viola Scheuerer, ele, afro-brasileiro, ela, suíça, vai representar o Brasil na 27ª edição do Pan Africa Film Festival, em Los Angeles, nos EUA. O festival, dedicado ao cinema black norte-americano e internacional, começa nesta quinta-feira, 7 de fevereiro. Em março, “Gilda” segue para o RapidLion 2019, o Festival Internacional de Cinema de Joanesburgo, na África do Sul.
O documentário de Roberto e Viola teve sua estreia brasileira na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, passou pelo Festival do Rio, na Première Brasil, pelo Smithsonian African Americana Film, em Washington, e pelo Festival de Solothurn, na Suíça.
O cinema entrou na vida da professora de Química Gilda Brasileiro, carioca de 52 anos, radicada em Salesópolis, no Vale do Paraíba paulista, quando ela se candidatou a realizar um curta-metragem patrocinado pelo Revelando os Brasis. Aquele projeto que vem, há quase duas décadas, estimulando moradores de cidades pequenas a contar suas histórias. Ela foi selecionada (junto com 39 candidatos de todo país), numa lista de 502 inscritos e, em 2011, realizou “Rota Dória”. Roberto e Viola, que são parceiros de trabalho e de vida (têm dois filhos e moram na Alemanha) conheceram Gilda nas oficinas de preparação técnica dos 40 munícipes selecionados pelo Revelando os Brasis.
Em seu curta-metragem, Gilda conta a história de rota clandestina construída no Vale do Paraíba, no século XIX, para que escravos vindos da África (o tráfico já estava proibido) fossem desembarcados, secretamente, no Brasil e encaminhados a grandes fazendas de café. Entre os que se empenharam na construção da tal rota estava o Padre Manoel Faria de Dória (1761-1837).
Roberto e Viola se apaixonaram por Gilda e por sua incansável busca de documentos que comprovassem a nebulosa origem da Rota Dória. Ela queria provar que aquela não era uma rota qualquer, mas sim um caminho clandestino de transporte e comércio de escravos (eles eram, provisoriamente, colocados em grande senzala, até serem encaminhados às fazendas e suas imensas lavouras de café). A proibição do tráfico negreiro se dera em 1831. Mas, a partir de 1836, o comércio clandestino de escravos se intensificou. E São Paulo, no Vale do Paraíba, desempenhou papel fundamental nesta fase. E de onde brotara a convicção de Gilda? Ela explica no filme: “hoje, ninguém gosta de conversar com velhos. Pois eu sempre gostei. Ouvi, em Salesópolis, muitos testemunhos de pessoas idosas, que já morreram”. Estas pessoas evocavam a função daquela rota, estrategicamente situada em local pouco visto, mas que, sendo alto, dava visão privilegiada a quem traficava escravos.
O filme de Roberto e Viola, fruto de parceria entre o Brasil, Suíça e Alemanha, transformou a aspirante a cineasta em sua personagem central. “Nós estávamos, Viola e eu”— relembra Roberto — “pesquisando o Projeto Revelando os Brasis, que seria tema de um documentário nosso. E aí conhecemos Gilda e sua história”. Por longo tempo, “pensamos em focar o filme inteiro na busca incansável dela por documentos capazes de comprovar que aquela era uma rota de transporte clandestino de escravos”. Só que — pontua — “na fase de edição, percebemos que a história parecia ater-se a algo regional, que dizia muito a Salesópolis, mas faltava dimensão de maior alcance”. E, o que pesou mais na busca de novas imagens: “os africanos escravizados, que estavam no centro da história, permaneciam ausentes, faziam muita falta”.
Foi aí que Roberto e Viola chegaram ao segundo ponto de resistência do documentário (o primeiro, claro, é a carismática e articulada Gilda): as fotos que Marc Ferrez (1843-1923) realizou em fazendas de café, no final do século XIX. “Nós ficamos” — relembra — “totalmente atraídos por aquelas imagens e as integramos ao filme”. As fotografias de Ferrez são realmente impressionantes e geraram uma segunda busca, que somou-se à de Gilda: a de Roberto por suas origens. Sendo ele um afro-descendente, por que não poderia, supostamente, estar entre os escravos registrados por Ferrez (o material pertence ao Instituto Moreira Salles), sua bisavó ou seu bisavô?
“Percebemos que estas duas buscas, a de Gilda e a minha, se complementavam”. No final, “realizamos um documentário sobre duas procuras, a de Gilda, que se dá no presente, junto a descendentes de antigas famílias fundadoras da cidade de Salesópolis, e a minha, que vai ao passado, buscar, nas pessoas fotografadas por Ferrez, um pouco de sua (também da nossa) história. Meu desejo era saber, ou imaginar, como aquelas pessoas escravizadas teriam contado sua própria história”.
No Brasil, “Gilda Brasileiro – Contra o Esquecimento” contou com a produção da capixaba Beatriz Lindberg, do Instituto Marlin Azul, que assina, com empresas parceiras (como a Petrobras) o projeto Revelando os Brasis. Depois do circuito de festivais, Roberto e Viola, com Beatriz na retaguarda, pretendem lançar o filme nos cinemas, sempre que possível, acompanhado de debates com historiadores. E, depois, na TV.
FILMOGRAFIA DE ROBERTO (Brasil, 1974) E VIOLA (Suíça, 1972):
2019 – “Gilda Brasileiro – Contra o Esquecimento”, 90’ (juntos)
2013 – “Louisa Jules”, 90’ (juntos)
2005 – “Nipo Brasil”, 90’ (juntos)
2003 – “Santo Onofre”, 54’ (dele)
2003 – “Saravá”, 44’ (dela, com E. Schuler)
Por Maria do Rosário Caetano