Documentários finalistas ao Oscar
Por Maria do Rosário Caetano
No próximo dia 13 de janeiro, quando serão anunciados os finalistas ao Oscar, haverá chance do longa documental brasileiro “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, conquistar vaga entre os cinco eleitos?
Há, sim. Claro que o filme da jovem cineasta mineira, um belo e afetivo registro em primeira pessoa do impeachment de Dilma Roussef, terá que enfrentar, caso seja um dos escolhidos, concorrentes de imenso peso. O título mais forte parece ser “Honeyland”, de Tamara Kostevska e Ljubomir Stefanov, da Macedônia do Norte (uma das repúblicas da ex-Iugoslávia). Exibido em dezenas de festivais e, para brasileiros, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (a Crítica o elegeu o melhor documentário), o filme vem encantando a todos.
É difícil resistir à história de Hatidze Muratova, a protagonista de “Honeyland”, uma apicultora artesanal, que recolhe mel nas montanhas de seu país. Com rara habilidade, ela encontra colmeias em impensáveis fendas rochosas, cuida da mãe (Nazife Muratova), doente e velhinha, e vai à cidade vender seu produto e comprar víveres para a sobrevivência cotidiana. Num dos momentos mais impressionantes do filme, ela pinta os cabelos, em sua casa-caverna, com tinta adquirida no mercado, e mira-se num minúsculo espelho.
A pacata vida de mãe e filha será abalada com a chegada de ruidosa família nômade, que se instalará por ali, com seu caminhãozinho, suas brigas e gritos, seus nada ortodoxos métodos de sobrevivência temporária. O abalo será não apenas afetivo-emocional, pois novas relações se estabelecerão, mas ecológico. Os nômades vão alterar a vida até das abelhas.
A prova de que o filme macedônio chegou para valer ao Oscar 2020 é inquestionável: ele figura entre os 15 finalistas da categoria documentário e, também, entre os 10 da rebatizada categoria “melhor filme internacional”. Feito raro para um documentário.
Não são desprezíveis, também, as chances de outro filme exibido em festivais brasileiros, no caso o Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba: “Família da Madrugada” (Midnigth Family), de Luke Lorentzen. O jovem realizador e diretor de fotografia norte-americano, de apenas 26 anos, é apaixonado pela América Latina. Depois de realizar um curta-metragem na Colômbia (“Santa Cruz del Islote”) e participar do prestigioso Festival de Documentários de Amsterdã (com “New York Cuts”), Lorentzen realizou seu projeto mais ambicioso, o que agora figura entre os 15 pré-finalistas ao Oscar.
“Família da Madrugada” participou de 130 festivais, mundo afora, e conquistou 25 prêmios. Sua história é fascinante e originalíssima. Na imensa capital mexicana (20 milhões de habitantes), o Estado disponibiliza poucas ambulâncias para atender aos necessitados. Ou seja, àqueles que nas madrugadas precisam de deslocamento para hospitais. A Família Ochoa vive, pois, do que ganha com uma ambulância privada. Pai e filhos dirigem o veículo pelas madrugadas aztecas, em busca de clientes (gente enfartada, acidentada etc). O cineasta mergulha na louca vida dos Ochoa, que disputam até corridas com outras ambulâncias para ver quem chega primeiro a um corpo acidentado. Tudo resultaria em sensacionalismo barato se o realizador, nascido em Connecticut e formado pela Universidade de Stanford, não se apaixonasse por seus personagens. Os Ochoa, aliás, incluem, em suas andanças, madrugada adentro, um rechonchudo filho caçula, menino ainda, que adora comer (imensos e gordurosos sanduíches) e tem pouco apreço pelos estudos na escola primária.
O Festival É Tudo Verdade, maior vitrine do cinema documentário (brasileiro e internacional) da América do Sul, apresentou dois dos 15 pré-finalistas ao Oscar na categoria: “Defensora” (Advocate), de Rachel Jones e Philippe Bellaiche, e “Privacidade Hackeada” (The Greated Hack), de Karem Amer e Jehane Noujaim.
A advogada do primeiro longa é a destemida israelense Lea Tsemel, que defende palestinos enredados pela Justiça. Incansável e carismática, ela vai à luta, sem intimidar-se.
“Privacidade Hackeada” centra seu foco no escândalo que envolveu a empresa Cambridge Analytica, que teria roubado dados de milhões de usuários do Facebook. Tal prática teria colaborado com o triunfo do candidato republicano, Donald Trump, eleito presidente dos EUA. Tudo com a conivência do poderoso grupo liderado por Mark Zuckerberg.
Na Netflix, os espectadores encontrarão, além de “Democracia em Vertigem” e “Privacidade Hackeada”, mais dois pré-finalistas ao Oscar: “Indústria Americana” (American Factory), de Julia Reichert e Steven Bognar, e “Virando a Mesa do Poder” (Knock Down the House), de Rachel Lears. A Amazon disponibiliza “One Child Nation” (A Nação do Filho Único), de Nanfu Wang e Lynn Zhang.
A China, segunda potência cinematográfica planetária, tem relações com dois destes três filmes. “Indústria Americana” registra os métodos de trabalho de empresa automotiva, localizada em Ohio, comprada por um bilionário chinês. Os métodos de gerência mudarão de forma drástica.
Já “One Child Nation” é um retrato aterrador da política do filho único, imposta pelo governo chinês, em décadas recentes (de 1982 a 2015). A codiretora Nafu Wang, que vive nos EUA, regressa à China rural em busca de parteiras e pequenas autoridades que puseram em prática a dura decisão do poder central: controlar nascimentos para evitar que o país (de um bilhão de habitantes) crescesse de forma exponencial. Os depoimentos colhidos por ela são impressionantes, de tirar o sono.
“Virando a Mesa do Poder” é um documentário que todo cidadão brasileiro (em especial as cidadãs) deveria ver. Rachel Lears escolhe quatro mulheres, brancas, morenas e negras, que coloriram o quadro de candidatas a cargos no Legislativo norte-americano. Três delas não conseguem se eleger, mas faz-se essencial e instigante acompanhar suas trajetórias e esforços para ampliar a representatividade de mulheres “comuns” (este termo é muito valorizado no filme) no Parlamento da mais poderosa nação do mundo.
Só uma das personagens de “Virando a Mesa do Poder” triunfou: a novaiorquina de origem boriqueña (do estado-associado de Porto Rico) Alessandra Ocasio-Cortez, de 28 anos. Auxiliada por amigos progressistas e voluntários (e pelo dedicado marido de pele muito clara e cabelos vermelhos), a moça latina derrotou, com 82% dos votos, um quadro tradicional de seu partido, o Democrata. O típico homem branco (branquíssimo), idoso e com várias legislaturas nas costas (e o consequente poder de fazer indicações políticas). Uma trajetória que parecia inabalável.
A Guerra da Síria é tema de dois filmes, ambos bem-cotados para a lista dos cinco finalistas: “For Sama”, de Wadd Al-Kateab e Edward Watts, e “The Cave” (A Caverna), de Feras Fayyad. Com temas tão originais (como os apresentados pela maioria absoluta dos pré-indicados, este ano) haverá espaço na lista de finalistas para dois filmes sobre o conflito bélico que dilacera o pequeno país do Oriente Médio? Aguardemos.
“For Sama” tem na sensibilidade feminina seu ponto nevrálgico. Ao longo de cinco anos, na cidade de Allepo conflagrada pela guerra, o casal al-Kateab vê nascer a pequena Samia. O que fazer em ambiente tão desolador? Partir ou ficar (o pai é médico) para ajudar os que sofrem os horrores da guerra?
“The Cave” se passa num hospital improvisado (em uma caverna) na cidade de Goutha, próxima à capital síria, Damasco. Com o país em guerra, há que se atender às vítimas de constantes bombardeios. A doutora Amina, mais um nome feminino nestes olhares sírios, se desdobra, com seus poucos auxiliares, em tarefa tão estressante quanto necessária.
A Rússia se faz representar na disputa por uma vaga ao Oscar com “Aquarela”, de Victor Kossakovsky. O filme, de recorte ambientalista-ecológico, ocupa-se das mudanças climáticas, tendo a questão da água como tema central.
Dois títulos, ambos norte-americanos, chamam atenção por semelhança aparente: “Apollo 11” e “The Apollo”. O primeiro, dirigido por Todd Miller, tem a missão espacial que levou o homem à Lua como tema. O segundo, com direção de Roger Williams, evoca o Teatro Apollo, situado no Harlem novaiorquino, reduto de artistas afro-americanos.
Completam a lista de aspirantes a uma vaga no Oscar 2020 os documentários “The Biggest Little Farm”, de John Foster, e “Maiden”, de Alex Holmes, ambos made in USA, país que continua sendo, apesar da abertura da Academia de Hollywood ao mundo, território privilegiado das noites de entrega da estatueta dourada.
“The Biggest Little Farm” registra a vida cotidiana numa pequena fazenda californiana. “Maiden” volta ao feminino ao mostrar a história da iatista Tracy Edwards, que liderou a primeira equipe de mulheres a competir na Whitbraed Round the Word Race.
A Academia promoverá a entrega de suas estatuetas no dia 9 de fevereiro.