“Democracia em Vertigem” e “Dois Papas” representam o Brasil no Oscar

Por Maria do Rosário Caetano

No próximo dia nove de fevereiro, o Brasil estará representado na nonagésima-segunda cerimônia de entrega do Oscar, a mais badalada premiação do cinema, por dois realizadores: a jovem mineira Petra Costa, com seu longa documental “Democracia em Vertigem”, e pelo paulistano Fernando Meirelles, que teve sua nova ficção, “Dois Papas”, indicada em três categorias (melhor ator para Jonathan Pryce, melhor coadjuvante para Anthony Hopkins, e melhor roteiro adaptado, para Anthony McCarten).

Petra Costa conseguiu destacar-se entre 150 documentários do mundo inteiro, primeiro, figurando na lista de 15 semifinalistas. Agora, entrou no seleto clube dos cinco concorrentes à cobiçada estatueta. Terá que enfrentar dois concorrentes fortíssimos, nos quais mulheres estão, também, no centro da narrativa: “Honeyland”, da Macedônia do Norte, e “For Sama”, fruto de parceria entre Síria e Inglaterra.

“Democracia em Vertigem” é, registre-se, um filme feminino, no qual a cineasta revê, em tom subjetivo-familiar, a deposição da presidenta Dilma Rousseff, por controverso e questionável processo de impeachment.

A paixão da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood pelo longa macedônio “Honeyland” é tão grande, que ele foi indicado também a melhor filme internacional (feito raro para longas documentais). Festivais do mundo inteiro revelaram seu fascínio por Hatidze Muratova, apicultora artesanal que vive em região montanhosa, no Leste Europeu, com sua velha mãe, Nazife. Na direção, dupla formada por Tamara Kostevska e Ljubomir Stefanov. Registre-se que quatro dos cinco concorrentes contam com mulheres na direção (solo, no caso de Petra) ou em dupla (três deles).

“For Sama” (Para Sama) é outro peso-pesado. Um dos mais impressionantes registros a sangue quente de uma cidade em guerra (Alepo, na Síria) sob cerco e bombardeios cotidianos. Seria mais um filme bélico, se sua codiretora, cinegrafista e protagonista (Wadd Al-Kateab) não fosse uma jovem e bela síria (de fascinantes olhos verdes), que durante cinco anos registrou bombardeios e corpos (muitos de crianças) dilacerados pela brutalidade da guerra.

Wadd documentou, também, cenas do cotidiano, momentos de alegria e felicidade. E teve registrados seu casamento com o jovem médico Hamza Al-Khateab e o nascimentos de suas duas filhas (a primeira, Sama, que dá nome ao filme). O farto e impressionante material colhido pela cinegrafista foi complementado com outras (e poderosas) imagens da guerra, e o filme tem direção do britânico Edward Watts e de sua intrépida parceira síria, hoje radicada, com o marido médico, na Inglaterra.

Ingredientes que fascinam o Oscar são abundantes nos 100 minutos de “For Sama”: crianças (os bebê de Wadd, as crianças sírias mortas e seus irmãozinhos que pranteiam perdas), maternidade, solidariedade (ao invés de abandonar logo a Alepo sitiada, o jovem Dr. Hamza segue ajudando seus conterrâneos).

Dos seis hospitais de Aleppo, cinco foram danificados pela guerra. Um hospital improvisado é o tema de “The Cave” (A Caverna), de Feras Fayyad, outro finalista ao Oscar. Completa a lista o excelente “Indústria Americana” (American Factory), de Julia Reichert e Steven Bognar. Dois experientes realizadores de documentários sociais registram a recriação, sob comando de um milionário chinês, de fábrica de automóveis em Ohio, nos EUA. O choque entre a disciplina férrea dos chineses e o jeito de ser dos estadunidenses compõem poderoso painel da vida laboral-sindical nestes nossos estranhos tempos de capitalismo cada vez mais argentário. O filme foi produzido pelo Casal Michelle e Barack Obama. Nos EUA, ex-presidente pode dedicar-se, sim, a promover o audiovisual, e não a detratá-lo.

Há quem veja o fabular e fascinante “Dois Papas” como um filme estrangeiro. Não passariam, portanto, as três indicações do longa dirigido por Fernando Meirelles, de oportunistas “caronas” na grande festa hollywoodiana.

Assim seria se Meirelles tivesse recebido convite para dirigir um filme já formatado, com todos os créditos artísticos e técnicos impostos pelos produtores. Não foi isto que aconteceu. O diretor de “Cidade de Deus” (indicado a quatro Oscar em 2003) teve liberdade para escolher sua equipe artística e técnica. E colocou brasileiros em posições importantes: Cesar Charlone na direção de fotografia, Fernando Stutz na montagem e a equipe de sua produtora, a O2, na finalização.

Meirelles atuou como o regente deste filme, que por seu humanismo, humor e elaborada construção narrativa, foi capaz de recolocá-lo no circuito de premiações influentes como o Globo de Ouro, o Bafta e, agora, o Oscar.

As surpresas na lista de concorrentes à estatueta hollywoodiana, em sua edição 92, foram raras. “Coringa”, de Todd Phillips, recebeu onze indicações, seguido por “O Irlandês”, de Martin Scorsese, “1917”, do britânico Sam Mendes, e “Era uma Vez… em Hollywood”, de Quentin Tarantino, com dez cada um. Com seis, figuram o sul-coreano “Parasita”, de Bong Joon-ho, “Adoráveis Mulheres”, de Greta Gerwig, “ História de um Casamento”, de Noah Baumbach, e “Jojo Rabitt”, de Taika Waititi.

Na lista de melhor produção internacional, liderada pelo franco favorito “Parasita”, estão três filmes que causaram frisson em festivais pelos quatro cantos do mundo. Caso de “Os Miseráveis” (estreia desta quinta-feira, 16), do afro-francês Ladj Ly, que dividiu o Prêmio do Júri, em Cannes, com “Bacurau”, de Mendonça e Dornelles. Tema de capa da Cahiers du Cinéma de novembro, o filme foi aquinhoado com cinco estrelas, cotação máxima atribuída pela bíblia da cinefilia planetária. Inspirado em frase de Victor Hugo (“Nunca digam que há plantas más ou homens maus. O que há são maus cultivadores”), o filme constrói sua história em diálogo com narrativas ambientadas em periferias violentas (inclusive “Cidade de Deus”). Mas vai além, com procedimento semelhante ao de Francesco Rosi (em “As Mãos sobre a Cidade”, por exemplo). O estreante Laj Ly quer entender as estruturas que “cultivam” o ódio em meninos, filhos de imigrantes vindos da África ou do Oriente Médio.

As qualidades de “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar, que além de vaga no Oscar internacional, emplacou indicação para Antonio Banderas (melhor ator), são imensas. Filme autobiográfico, realizado por um cineasta quase-septuagenário, ocupado com os desejos (e as dores físicas) do corpo e senhor soberano de seu ofício. Pena que o manchego tenha pela frente um concorrente praticamente imbatível, o sul-coreano “Parasita”. E Banderas, em desempenho de tocante sutileza, tenha que enfrentar um Joaquin Phoenix em estado de possessão criativa (na pele de um esquizofrênico Coringa).

O quinto concorrente estrangeiro é “Corpus Christi”, da Polônia, que não contou com vitrines tão poderosas quanto “Honeyland”, “Parasita”, “Os Miseráveis” e “Dor e Glória”.

Os candidatos a melhor longa de animação trouxeram duas surpresas: “J’ai Perdu mon Corps” (Eu Perdi meu Corpo), do francês Jérémy Clapin, e “Klaus”, de Sergio Pablos, coprodução entre Espanha e Inglaterra. Com eles na parada, estão “Toy Story 4”, “Como Treinar seu Dragão 3” e “Link Perdido” (este, vindo do Canadá). Uma ausência a se registrar: a do espanhol “Buñuel no Labirinto das Tartarugas”, de Salvador Simó, baseado em graphic novel de grande beleza e importância. Mesmo assim, a lista do Oscar, no campo da animação, é bem mais arejada que a do Bafta.

Se o prêmio britânico pecou ao ignorar profissionais negros (e até oriundos de outros países europeus), o Oscar aprendeu a lição. A cantora, compositora e atriz black Cynthia Erivo, do drama histórico-abolicionista “Harriet”, de Kasi Lemmons, está na disputa pelo Oscar de melhor protagonista, e emplacou sua composição “Stand up”, entre as cinco finalistas a melhor canção original.

Para apresentar os finalistas de sua edição 2020, a Academia de Hollywood convocou dois jovens que destoam do figurino Wasp (branco, anglo-saxão, protestante), a negra Issa Rae e o oriental John Choo. Ainda bem. Está, pois, em sintonia com demandas dos novos tempos.

Confira os finalistas:

Melhor filme

. O Irlandês
. Parasita
. 1917
. Coringa
. Era uma Vez… em Hollywood
. História de um Casamento
. Adoráveis Mulheres
. Ford vs Ferrari
. Jojo Rabitt

Melhor documentário

. Democracia em Vertigem (Brasil)
. Honeyland (Macedônia do Norte)
. For Sama (Síria/Inglaterra)
. Indústria Americana (EUA)
. The Cave (Síria/Dinamarca)

Melhor Animação

. “J’ai Perdu mon Corps” (França)
. “Klaus” (Espanha/Inglaterra)
. “Link Perdido” (Canadá/EUA)
. “Toy Story 4” (EUA)
. “Como Treinar seu Dragão 3” (EUA)

Melhor diretor

. Martin Scorsese
. Bong Joo-ho
. Sam Mendes
. Quentin Tarantino
. Todd Phillips

Melhor atriz

. Renée Zellweger (Judy, Além do Arco-Íris)
. Cynthia Erivo (Harriet)
. Saoirse Roman (Adoráveis Mulheres)
. Charlize Theron (O Escândalo)
. Scarlett Johanssen (História de um Casamento)

Melhor ator

. Joaquin Phoenix (Coringa)
. Antonio Banderas (Dor e Glória)
. Jonathan Pryce (Dois Papas)
. Leonardo DiCaprio (Era Uma Vez…)
. Adam Driver (História de um Casamento)

Atriz coadjuvante

. Laura Dern (História de um Casamento)
. Margot Robbie (O Escândalo)
. Kathy Bates (O Caso Richard Jewell)
. Florence Pugh (Adoráveis Mulheres)
. Scarlett Johansen (Jojo Rabitt)

Ator coadjuvante

. Anthony Hopkins (Dois Papas)
. Bradd Pitt (Era uma Vez…)
. Joe Pesci (O Irlandês)
. Al Pacino (O Irlandês)
. Tom Hanks (Um Lindo Dia na Vizinhança)

Melhor roteiro adaptado

. Anthony McCarten (Dois Papas)
. Steven Zaillian (O Irlandês)
. Todd Phillips e Scott Silver (Coringa)
. Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres)
. Taika Waititi (Jojo Rabbit)

Melhor roteiro original

. Bhong Joon-ho e Han Jin Won (Parasita)
. Quentin Tarantino (Era uma Vez…)
. Noah Baumbach (História de um Casamento)
. Sam Mendes (1917)
. Rian Johnson (Entre Facas e Segredos)

Melhor fotografia

. Rodrigo Prieto (O Irlandês)
. Roger Deakins (1917)
. Jarin Blaschke (O Farol)
. Lawrence Sher (Coringa)
. Robert Richardson (Era uma Vez…)

Melhor montagem/edição

. O Irlandês
. 1917
. Parasita
. Ford vs Ferrari
. Jojo Rabitt

Melhor design de produção

. O Irlandês
. 1917
. Parasita
. Era uma Vez…em Hollywood
. Jojo Rabitt

Melhor Canção Original

. Stand Up (Harriet)
. I’m Gonna Love me Again (Rocketman)
. I’m Standing With You (Breaktrough)
. I Can’t Let You Throw Yourself Away (Toy Story 4)
. Into the Unknow (Frozen 2)

Melhor Trilha Sonora

. Coringa
. 1917
. Adoráveis Mulheres
. História de um Casamento
. Star Wars – A Ascensão Skywalker

Melhor Curta documentário

. In The Absence
. Life Overtakes Me
. St Louis Superman
. Walk Run Cha-cha
. Learning to Skateboard in a Warzone

Melhor curta de animação

. Dcera (Daughter)
. Hair Love
. Kitbull
. Memorable
. Sister

Melhores Efeitos visuais

. O Irlandês
. 1917
. O Rei Leão
. Os Vingadores
. Star Wars – A Ascenção Skywalker

Melhor figurino

. O Irlandês
. Coringa
. Adoráveis Mulheres
. Jojo Rabitt
. Era uma Vez…em Hollywood

Melhor Cabelo e Maquiagem

. O Escândalo
. Coringa
. 1917
. Judy, Além do Arco-Íris
. Malévola: A Dona do Mal

Melhor mixagem de som

. 1917
. Ford vs Ferrari
. Coringa
. Era uma Vez…
. Ad Astra

Melhor edição de som

. 1917
. Ford vs Ferrari
. Coringa
. Era uma Vez…
. Star Wars: Ascensão de Skywalker

One thought on ““Democracia em Vertigem” e “Dois Papas” representam o Brasil no Oscar

  • 30 de janeiro de 2020 em 13:11
    Permalink

    Ontem assisti pela terceira vez o filme “Helena”, de Petra Costa.Tanta sensibilidade e beleza me emocionam sempre. Diretora jovem de tamanha competência. Com “Democracia em Vertigem” ela mostra maturidade e surpreende pelo tema. Importante indicação ao Oscar 2020. Parabéns.

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