“Selfie” é um dos destaques da Festa 8 1/2 de Cinema Italiano

Por Maria do Rosário Caetano

Como dezenas de outros festivais nacionais e internacionais, a 8 ½ – Festa do Cinema Italiano, que homenageia Fellini em seu nome, acontecerá no espaço virtual. Desta sexta-feira, 28 de agosto, até 10 de setembro, o público, de todas as regiões do país, poderá assistir, gratuitamente, a vinte produções, sendo nove inéditas e onze já exibidas em festivais ou no circuito de arte brasileiro.

Um dos destaques da programação é o documentário “Selfie”, de Agostini Ferrente, que participou da mostra Panorama, no Festival de Berlim, e derrotou três pesos-pesados na noite dos Prêmios Donatello, o Oscar italiano. E note-se que os concorrentes de “Selfie” festejavam grandes nomes do cinema italiano: “Fellini Fine Mai” (“Fellini Não Termina Nunca”), “Cidadão Rosi”, sobre Francesco Rosi, diretor de “Bandido Giuliano”, e “Se C’è un Aldilà Sono Fottuto – Vita e Cinema di Claudio Caligari (“Se Houver um Amanhã Estou Fodido”), sobre Claudio Caligari (1948-2015), diretor de “Amor Tóxico”, premiado em Veneza.

A vitória de “Selfie” foi mais que justa. O filme é inventivo e revelador. O diretor Agostini Ferrente entregou dois celulares, em modo selfie, a uma dupla de jovens – o descolado Alessandro (Alessandro Antonelli) e o obeso Pietro (Pietro Orlando), de 119 quilos, que sonha em montar um salão de corte de cabelo.

Tudo se passa no verão napolitano de 2014, no bairro Rione Traiano, marcado pela violência e falta de perspectiva profissional para seus jovens (e crianças). Ao longo de sintéticos 78 minutos, Alê e Pietro registrarão conversas com amigos/amigas e revelarão o complexo tecido social composto por aqueles que habitam o subúrbio. O ponto de partida da narrativa é um crime que ocupou as manchetes dos jornais italianos: um policial matou o jovem Davide Bífolo, da turma de Alê e Pietro, em meio a uma confusão. Como o adolescente morto não tinha nenhum crime em seu prontuário, o carabiniere argumentou que sua arma caíra e, acidentalmente, matara Davide.

“Selfie” nada tem de óbvio ou panfletário. Os celulares dos dois protagonistas desenham uma realidade perturbadora. Duas adolescentes, mocinhas bonitas e graciosas, revelam a permeabilidade de seus conceitos morais. Se o futuro marido for preso por associação com alguma organização criminosa, elas continuarão a aceitá-los e a esperá-los. Mais que entender os meandros do processo jurídico que envolveu o policial, o filme quer entender Rione Traiano e os valores (ou ausência deles) de seus moradores. Alê e Pietro desempenham a função de “jovens cineastas” com muito talento. O filme é fascinante.

Outro momento notável da Festa do Cinema Italiano é “A Passagem” (Il Varco), de Federico Ferrone e Michele Manzolini. Um híbrido que cria, com materiais de arquivo, fascinante (e construída) narrativa ambientada na Segunda Guerra Mundial. O processo assemelha-se ao de “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo” (de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, 2009).

O narrador de “Il Varco” é Romano Ismani, soldado italiano, de origem russa, convocado a engajar-se nas tropas fascistas. E a atuar junto às tropas nazistas, em 1941, na campanha de invasão do solo soviético, iniciada pelo território da Ucrânia.

Como o russo era a língua materna de sua família, Romano Ismani o conhece, mesmo que rudimentarmente. Por isso, lhe caberá a função de servir de intérprete para os nazistas, no trato com soldados soviéticos, feitos prisioneiros de Guerra.

Os tormentos do conflito bélico – que assumiu proporções dantescas naquela que os soviéticos chamam de Grande Guerra Patriótica – assombrarão Romano Ismani e ele compreenderá a natureza do nazi-fascimo. O filme, que se forma como um ensaio poético, reelabora documentários de época e lança mão de técnicas do cinema de animação e da videoarte. Foi aplaudido com entusiasmo no Festival de Veneza, na mostra Sconfini (filmes experimentais, que ultrapassam limites). A beleza de “A Passagem” está sintetizada em apenas 70 minutos.

Dois títulos – “Martin Eden”, de Pietro Marcello , que recebeu 11 indicações ao Prêmio Donatello, e “O Rei de Roma”, de Daniele Luchetti – fizeram carreira recente em nosso circuito alternativo. Agora, poderão ser vistos (ou revistos) por todos os brasileiros que se cadastrarem no site da Festa Italiana.

“Martin Eden” é uma ousada adaptação de romance homônimo e de traços autobiográficos do estadunidense Jack London (1876-1916). Pietro Marcello, porém, adaptou a trama à língua italiana e à cidade de Nápoles, metrópole portuária do Sul, tão discriminado. O protagonista, um escritor que enfrenta a pobreza e apaixona-se por jovem de família rica e esnobe, é interpretado por Luca Marinelli. Pelo papel, ele ganhou a cobiçada Copa Volpi como o melhor ator no Festival de Veneza, ano passado. Sua bela estampa e talento já o levaram a atuar em produções internacionais (caso de “The Old Guard”, disponível na Netflix, no qual ele tem Charlise Theron como companheira de elenco).

“O Rei de Roma” é uma sátira (não confundir com “Loro”, de Paolo Sorrentino) ao ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, que dominou o cenário político italiano nas últimas décadas. De natureza exibicionista, o milionário midas das comunicações serve de fonte de inspiração a personagem ficcional – Numa Tempesta (daí o título original, “Io Sono Tempesta”).

A festa italiana exibirá, além de “Selfie” e “A Passagem”, mais sete filmes 100% inéditos. “Nápoles Velada” (drama, 113′), de Ferzan Oztpetek, diretor bem conhecido dos cinéfilos brasileiros, traz no elenco, a grande atriz Giovanna Mezzgiorno.

Outro drama é “Fortunata” (103′), dirigido pelo ator Sérgio Castellitto. Definido como “um hino poético à fúria de viver” daqueles de que lutam por melhores dias, o filme acompanha Fortunata (a ótima Jasmine Trinca). Ela é uma cabeleireira à domicílio, que sai do subúrbio para prestar serviços a mulheres burguesas em seus confortáveis lares. O sonho de Fortunata é poder comprar o próprio salão de beleza.

“O Sonho de uma Família” (104′), de Ginevra Elkam, se propõe a realizar “um retrato íntimo e nostálgico” da Família Elkman, dona de uma das marcas mais conhecidas da Itália (a Fiat). Para o elenco do filme, dois nomes estelares – Riccardo Scamarcio (de “Meu Irmão é Filho Único” e “Para Roma com Amor”, este de Woody Allen) e Alba Rohrwacher (irmã da cineasta Alice Rohrwacher, diretora de “Lazaro Feliz” e “As Maravilhas”).

A comédia, gênero que fez, com Dino Risi e Monicelli, a glória do cinema peninsular de outrora, está bem representada na Festa 8 ½ . Giovanni Veronesi recriou o clássico “Os Três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas, em “Os Mosqueteiros do Rei – A Penúltima Missão”. Para interpretar D’Artagnan, Athos, Aramis e Porthos, foram convocados quatro astros italianos – Pierfrancesco Favino (o Tomazo Buschetta de “O Traidor”), Valerio Mastrandrea, Rocco Papaleo e Sérgio Rubini. O filme teve excelente resultado de público, tornando-se um blockbuster peninsular.

Mais duas comédias – “Bendita Loucura” (110”), de Carlo Verdone, e “Como um Peixe Fora d’Água” (98′), de Ricardo Milani – foram selecionadas para o festival online. O primeiro mistura busca amorosa, por vias digitais, com encontros absurdos. O diretor, um dos grandes cômicos da Itália contemporânea, é o protagonista do filme.

O segundo título, definido como “uma divertida narrativa sobre diferença de classes e políticas de integração”, aproxima dois antípodas. Ele, um intelectual progressista, que vive no centro de Roma. Ela, uma ex-caixa de supermercado suburbana, que enfrenta muitas dificuldades na vida cotidiana. A uni-los, a contragosto, fato inesperado: seus filhos se apaixonam.

Mais dois documentários foram programados para mostrar a força do gênero na Itália: “Normal” (70′), de Adele Tulli, e “O Aprendizado” (84′), de Davide Maldi. Os dois abordam temas contemporâneos. “Normal”, definido como “uma jornada visual perturbadora”, questiona normas de gênero no mundo contemporâneo. Ou seja, a hetero-normatividade. O aprendizado que dá título ao segundo documentário é empreendido por um adolescente. Ele busca, num instituto culinário, a possibilidade de tornar-se maître d’hôtel.

Uma animação – “A Gata Cinderela” (87′) – de quarteto de cineastas (Rak, Guarnieri, Capiello e Sansone”, realiza releitura moderna e adulta do famoso conto da Gata Borralheira.

Completam a programação: “E Agora? A Mamãe Saiu de Férias!” (94′), de Alessandro Genovesi, o thriller “Testemunha Invisível” (102′), de Stéfano Mordini, “O Caravaggio Roubado” (110′), de Roberto Andò, “Desafio de um Campeão” (105”), de Leonardo D’Agostini, “Uma Questão Pessoal” (84), que os Irmãos Taviani realizaram quatro anos atrás, “Nico” (93”), de Susanna Nicchiarelli, e “A Vida em Família” (110′), de Eduardo Winspeare.

 

8 ½ – Festa do Cinema Italiano online
Data: 28 de agosto a 10 de setembro
Interessados em assistir aos 20 filmes programados devem cadastrar-se no site do festival (www.festadocinemaitaliano.com.br), onde há traillers dos filmes, sinopses e fichas técnicas
Disponível, gratuitamente, ao público de todas as regiões do país
Apoio da Embaixada da Itália, Instituto Luce Cinecittà e Generali Seguros
Plataforma Looke: www.looke.com.br

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