Itália dá adeus à irreverente Lina Wertmuller, diretora de “Mimi, o Metalúrgico”

Por Maria do Rosário Caetano

A vida deu tudo à cineasta Lina Wertmuller, (1928-2021), que morreu nessa quinta-feira, 9 de dezembro, em sua cidade natal, Roma, aos 93 anos. Ano passado, ela recebeu um Oscar honorário das mãos das conterrânea Sophia Loren e Isabella Rossellini, sob aplausos calorosos.

Seus filmes – anarquistas, barulhentos, bem-humorados e com ingredientes de erotismo – correram mundo. Um deles – “Pasqualino Sete Belezas” – concorreu a quatro estatuetas junto à Academia de Cinema de Hollywood. Ela foi a primeira mulher a disputar o Oscar de melhor direção.

Na juventude, foi assistente de Federico Fellini nos dois maiores filmes realizados pelo gênio peninsular – “La Dolce Vita” e “8 e 1/2”. Partiu logo para a direção, num tempo, a década de 1960, em que o ofício era dominado por homens. Conheceu a fama, passou por grandes festivais e, o que é melhor, rompeu as fronteiras italianas. Fez sucesso no mundo inteiro. Dirigiu “o mosquito” Rita Pavone, Nino Manfredi e, especialmente, seus atores-fetiche: Mariangela Melato e Giancarlo Giannini. A dupla, que protagonizou os títulos mais importantes da diretora, revelou sua química perfeita em “Mimi, o Metalúrgico” (1972), o filme que colocou a cineasta sob os holofotes.

No Brasil, ela só estouraria algum tempo depois, com “Pasqualino Sete Belezas” (1975), pois a Censura do governo militar interditou a comédia social-anarquista que falava de Mimi, um certo “metalúrgico”, ferido em sua honra. Este longa-metragem foi colhido pela onda censória que puniu títulos como “Sacco e Vanzetti”, “A Classe Operária Vai ao Paraíso”, “Laranja Mecânica” (os três de 1971) e “O Último Tango em Paris” (72). Enfim, tudo que evocasse organização de operários e camponeses, violência ou visões libertárias do sexo era indexado.

Com a abertura lenta, gradual e restrita, “Mimi, o Metalúrgico” foi liberado e virou “cult” em cineclubes brasileiros. E os filmes de Lina Wertmuller se multiplicavam nos circuitos de arte: “Amor e Anarquia” (1973), “Tudo Certo… Mas Nada em Ordem” e “Por um Destino Insólito” (ambos de 1974), “Dois na Cama Numa Noite de Chuva” , filmado em inglês, com Giancarlo Giannini e Candice Bergen no lugar de Mariangela Melato (1977). Registre-se que – depois do êxito de “Pasqualino Sete Belezas” – Lina, festejadíssima pela crítica novaiorquina e pela Academia de Hollywood, encontrava-se no auge de sua trajetória.

A cineasta regressaria à sua língua materna com “Amor e Ciúme” (1978), protagonizado pela mais famosa dupla do cinema peninsular (Sophia Loren e Marcello Mastroianni). Mas nunca mais conheceria sucessos do tamanho daquele verificado entre “Mimi, o Metalúrgico” e “Pasqualino Sete Belezas”. Faria, ainda, muitos outros filmes, que não viajaram bem. Um deles, “Camorra”, com a espanhola Angela Molina e o estadunidense Harvey Keitel, chegou a estrear no Brasil, mas foi um fracasso. O tempo passara, o público mudara, Lina, Giannini e Melato já haviam sido substituídos por outros ídolos. O tempo é implacável.

A realizadora italiana visitou o Brasil em 1981, portanto já em fase crepuscular, para conversar com Jorge Amado sobre adaptação do romance “Tieta do Agreste”, que seria protagonizada por Sophia Loren e produzida pela Gaumont francesa. O casal Amado, Zélia e Jorge, a recebeu em festa, em seu casarão soteropolitano. Lina estudou locações e impregnou-se com os ares da Bahia de Todos os Santos. Ganhou páginas coloridíssimas na revista Manchete. Mas o projeto não vingou. Naquele tempo, Sophia e o marido, Carlo Ponti, estavam envolvidos com o Fisco italiano (a atriz chegou a ser detida). O filme virou cinema de papel. Só nos anos 1990, o romance amadiano chegaria ao cinema com Sônia Braga como protagonista e Carlos Diegues como diretor (antes chegara à telinha da Rede Globo, com Betty Faria na pele de Tieta).

Hoje, quando o cinema feminino ganha força no mundo inteiro, o papel pioneiro de Lina Wertmuller merece ser lembrado e festejado. E seus filmes, em especial os das décadas de 1960 e 70, revisitados. De convicções socialistas, a italiana de inseparáveis e vistosos óculos de aros brancos, somava a cada um de seus atos, grandes doses de humor. Suas comédias sociais-grotesco-eróticas agradarão à sensibilidade de nosso tempo? Eis a questão!

Destaquemos, por fim, que mesmo nonagenária, Lina Wertmuller não abandonava sua verve provocadora. Ao receber seu festejado Oscar honorário, ela sugeriu ser chegada a hora de mudar o sexo e o nome do careca dourado: por que não transformá-lo em Ana”?

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