Balzac e “Ilusões Perdidas” são os grandes vencedores da Noite do Césares

Por Maria do Rosário Caetano

“Ilusões Perdidas”, recriação cinematográfica de Xavier Giannoli para o mais famoso dos romances de Honoré de Balzac, foi o grande vencedor da quadragésima-sétima edição dos Prêmios César, o “Oscar francês”.

O cineasta e sua equipe saíram do Olympia de Paris com sete estatuetas. Além de melhor filme, a apaixonante versão fílmica da história do sonhador Lucien de Rubempré foi reconhecida por seu roteiro e dois atores de seu numeroso elenco – o protagonista Benjamin Voisin, só que premiado como “revelação”, e o talentosíssimo Vincent Lacoste, um verdadeiro rouba-cena (melhor coadjuvante). O filme ganhou, ainda o César de melhor fotografia, de figurinos e de direção de arte, já que a reconstituição da Paris da segunda metade do século XVIII é impecável.

O segundo longa mais premiado da Noite dos Césares foi “Annette”, de Leos Carax, protagonizado por Marion Cotillard e Adam Driver, um musical extravagante e, portanto, destinado a gostos mais exigentes. Carax, um dos integrantes da trinca BBC (Beineix, Besson, Carax) ganhou o César de melhor diretor. Sparks, a célula musical que o cativou com projeto tão singular, levou a estatueta de melhor trilha sonora. O filme foi, ainda, reconhecido pelo que tem de mais fascinante – os efeitos visuais, de Guillaume Pondar. E pela montagem e pelo som.

A produção franco-nipônica “Onoda, Dez Mil Noites na Selva”, de Arthur Harari, foi reconhecida como o melhor roteiro original, assinado pelo próprio Harari, em parceria com Vincent Poumiro. O filme, que será lançado no Brasil pela Imovision, conta a história de um soldado do exército imperial japonês, que permaneceu nas selvas asiáticas, décadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, já que a ordem era jamais render-se.

A Academia de Artes e Técnicas do Cinema da França não deu muita importância a questões identitárias. Deixou as duas cineastas francesas vencedoras em Cannes (Julia Ducournau, com “Titane”) e Veneza (Audrey Diwan, com “O Acontecimento”) sem troféus. As duas estavam indicadas ao César de melhor direção. Não ganharam. “Titane”, aliás, não ganhou nada. Já “O Acontecimento”, baseado em livro da escritora Annie Duchesne, foi lembrado ao menos pelo desempenho de sua protagonista, a jovem Anammaria Vartalomei, eleita atriz revelação.

O prêmio principal na categoria melhor interpretação feminina foi para Valérie Lemercier, atriz cômica de grande prestígio na França. Ela dirigiu e protagonizou a cinebiografia “Aline” (coprodução França e Canadá), de grande sucesso popular. Já o melhor ator foi Benoît Magîmel, que interpreta o filho, doente terminal, de Catherine Deneuve, em “De Son Vivant” (“Enquanto Vivo”), exibido no Brasil, assim como “Ilusões Perdidas”, no Festival Varilux de Cinema Francês, em dezembro passado.

O grande vencedor do César – “Ilusões Perdidas” – converteu sete de suas 15 indicações (foi o recordista do ano) em prêmios. Todos justos. O filme é mesmo muito bom, embora críticos mais rigorosos apresentassem outras opções. Entre os finalistas, “Onoda”, “O Acontecimento” ou Anette”. Entre os que ficaram de fora, “Frances”, de Bruno Dumont, “Benedetta”, de Paul Verhoeven, ou mesmo “Titane”.

Xavier Giannoli, diretor de poucos filmes, outrora assistente de Olivier “Carlos” Assayas, não goza de prestígio junto à crítica cinematográfica francesa, nem internacional. Mas, com “Ilusões Perdidas”, a maré parece estar mudando seu curso. O filme foi selecionado para o Festival de Veneza, ano passado, e perdeu para “O Acontecimento”, da conterrânea Audrey Diwan, e “Ataque dos Cães” (melhor direção, para Jane Campion) e “ A Mão de Deus”, Leão de Prata para Paolo Sorrentino.

Agora, o reconhecimento do César coroa o significativo reconhecimento de “Ilusões Perdidas” junto à crítica francesa. Até a revista Cahiers du Cinéma, que ignorava os filmes de Giannoli, prestou atenção na recriação do caudaloso romance de Balzac. E atribuiu-lhe três estrelas. Importantes veículos, cultores inveterados da cinefilia, atribuiram quatro (até cinco) estrelas ao longa.

O prolífico Honoré de Balzac (1799-1850) viveu pouco (apenas meio século), mas produziu como um louco endividado, movido a café e ambição. Flaubert, incomodado com a produtividade do colega, exclamava, irônico: “que grande escritor Balzac seria, se soubesse escrever”. Alfinetadas à parte, o autor da monumental “Comédia Humana” conquistou fãs peso-pesado pelos anos e séculos que se seguiriam: Karl Marx, Friedrich Engels, Marcel Proust, Walter Benjamin, György Lukács, Paulo Ronai, Robert Stam…

O húngaro Lukács (1885-1971) definiu o romance “Ilusões Perdidas” como “o Dom Quixote das ilusões burguesas”. Antes, Engels anotara que “apesar de todas suas opiniões reacionárias”, Balzac “valeria mil Zolas com toda a imagem democrática que deste se fazia”, pois “Balzac nos ensina muito mais sobre a sociedade francesa do que todos os historiadores, economistas e estatísticos profissionais do período juntos”.

Robert Stam, da Universidade de Nova York, em seu livro “O Espetáculo Interrompido – Literatura e Cinema de Desmistificação”, coloca “Ilusões Perdidas” em linhagem nobre que vem de Cervantes, Fielding e Sterne, e lembra que “o tema central deste romance de Balzac é “a degradação da literatura e sua transformação em mercadoria na sociedade burguesa”.

Pois Giannoli, tido como um mero artesão, atreveu-se a adaptar para o cinema livro tão festejado e caudaloso (700 páginas). Por sorte, o diretor francês, de 49 anos (“Quando Estou Amando”, “Marguerite”) escolheu só uma das três partes do romance e justo a mais importante, fertilizadora e estudada (inclusive por Walter Benjamin): “Um Grande Homem de Província em Paris”. E estabeleceu diálogo corrosivo com nossos tempos, marcados pela banalização das fake news, pela superficialidade, pelo mundanismo, pelo culto à celebridade, pela adulação.

“Ilusões Perdidas” estreia nos cinemas brasileiros em junho. Quem sair de casa será recompensado por narrativa vigorosa, elenco de peso (destaque para Vicent Lacoste, Xavier Dolan e, embora em papel pequeno, Gérard Depardieu, matador!). Nos papeis femininos, Jeanne Balibar, Cécile de France e a rechonchuda Salomé Dewaels destacam-se com ótimos desempenhos.

No centro na narrativa, está o poeta provinciano Lucien Chardon (o ator Benjamin Voisin, que não alcança o brilho de Lacoste). Ele chega à Paris, impregnado de ilusões românticas e em busca de reconhecimento e êxito. Quer tornar-se escritor respeitado, quem sabe, um nobre (afinal, dera-se a Restauração da monarquia). Prefere ser chamado de Lucien de Rubempré, sobrenome da mãe, de suposto “sangue azul”.

O rapaz deixa a província, sob proteção da Condessa Louise de Bargeton (Cécile de France). Sem perceber, Lucien será apanhado por engrenagem que soma o mundo editorial, no qual reina o editor Dauriat (Depardieu), o corrompido meio jornalístico (território do sarcástico Etiénne Lousteau – Vincent Lacoste) e o também escritor Raoul Nathan (Xavier Dolan). Conhecerá a Marquesa d’Esard (Jeanne Balibar), que olhará com estranho desprezo para aquele jovem provinciano, tão mal vestido.

Lucien acabará por envolver-se com uma jovem atriz de espetáculos populares, Coralie (Salomé Dewaels). E o filme desenhará corrosivo (e atualíssimo) retrato dos bastidores da mídia, seja ela a imprensa da segunda metade dos 1800, seja a de hoje.

Confira os vencedores:

. “Ilusões Perdidas”, de Xavier Gianoli: melhor filme, roteiro adaptado (Xavier Giannoli e Jacques Fieschi), fotografia (Christophe Beaucarne), ator revelação (Benjamin Voisin), ator coadjuvante (Vincent Lacoste), figurino (Pierre-Jean Larroque), direção de arte (Dupire-Clément)

. “Annette”, de Leos Carax (França-EUA): melhor direção, montagem (Nelly Quettier), trilha sonora (Sparks), efeitos visuais (Guillaume Pondar), melhor som (Erwan Kerzanet, Katia Boutin, Maxence Dussère, Paul Heymans e Thomas Gauder)

. “Onoda, Dez Mil Noites na Selva”, de Arthur Harari (França e Japão): melhor roteiro original (Arthur Harari e Vincent Poumiro)

. “Aline”, de Valérie Lemercier (França e Canadá) – melhor atriz (Valérie Lemercier)

. “Enquanto Vivo” (“De Son Vivant”), de Emmanuelle Bercot: melhor ator (Benoît Magimel)

. “A Fratura”, de Catherine Corsini: melhor atriz coadjuvante (Aissatou Dialla Sagna)

. “O Acontecimento”, de Catherine Corsini Audrey Diwan: melhor atriz revelação (Anamaria Vartolomei)

. “Les Magnétiques”, de Vincent Maël Cardona: melhor filme de diretor estreante

. “La Panthère des Neiges”, de Marie Amiguet e Vincent Minier: melhor documentário

. “Le Sommet des Dieux”, de Patrick Imbert: melhor filme de animação

. “O Pai”, de Florian Zeller (Inglaterra): melhor filme estrangeiro

. Cesar de honra: para a atriz australiana Cate Blanchett, por sua trajetória

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