Javier Bardem, “O Bom Patrão”, é o grande vencedor dos Goya, e Almodóvar, o grande derrotado
Por Maria do Rosário Caetano
“O Bom Patrão”, comédia dramática sobre o mundo laboral, dirigida por Fernando León de Aranoa e protagonizada por Javier Bardem, chegou à cerimônia de entrega dos Prêmios Goya, em Valencia, com 20 indicações. E não decepcionou. Ganhou os principais “cabeçudos”, apelido carinhoso dado ao “Oscar espanhol”: melhor filme, direção, ator protagonista, roteiro original, montagem e trilha sonora.
O que ninguém esperava é que seu grande contendor – o badaladíssimo “Madres Paralelas”, de Pedro Almodóvar, com oito indicações – saísse de mãos abanando. Não ganhou nem o Goya de melhor atriz, tido como certo para Penélope Cruz, laureada com a Coppa Volpi no Festival de Veneza e indicada ao Oscar pelo mesmo papel. A vencedora foi Blanca Portillo, de “Maixabel”, drama político de Icíar Bollaín, sobre uma viúva, Maixabel Lasa, que teve o marido (o político socialista Juan Maria Jáuregui) assassinado, aos 49 anos, por militantes do ETA (Exército Revolucionário Basco).
A personagem real encontrava-se no teatro valenciano, que ambientou a cerimônia do Goya, e esteve no centro dos agradecimentos de Blanca Portillo, de 58 anos, uma das mais festejadas atrizes espanholas (premiada, anos atrás, em Cannes, por “Volver”, de Pedro Almodóvar). Com sua estatueta na mão, Blanca lembrou a grandeza de Maixabel, que respondera, em sua existência real (e de forma positiva) à pergunta-tema do filme: “Um Etarra pode pedir perdão?”. Ao que se pode acrescentar: “e a esposa de uma vítima de atentado do ETA será capaz de perdoar o assassino?”
Pedro Almodóvar compareceu à cerimônia com a elegância costumeira, posou para fotos com suas atrizes no tapete vermelho e subiu ao palco, com Penélope Cruz, para entregar um Goya especial a Cate Blanchett, primeira atriz estrangeira a receber a honraria. Ele vai dirigi-la, ano que vem, no filme “Manual da Faxineira”, que será rodado em inglês. Saiu sem nenhum “cabeçudo” nas mãos, mas não protestou. Quem já vinha protestando e continuou a fazê-lo foi seu irmão e produtor, Agustín Almodóvar, da empresa El Deseo. Primeiro, ele lamentara que a Academia Espanhola tivesse preterido “Madres Paralelas” como o indicado do país ibérico ao Oscar (o escolhido fôra “O Bom Patrão”). Depois de sair de mãos abanando do teatro valenciano, Agustín não se conteve. Seu desabafo foi registrado pelo jornal El País, de Madri: “Não é o lugar (a Academia Espanhola) onde mais nos têm apoiado no mundo, porém sei de gente que nos quer bem”. Claro que, sem citar, o produtor se referia à Academia de Hollywood, que indicou Penélope ao Oscar de melhor atriz e Alberto Iglesias ao de melhor trilha sonora. E, claro, ao New York Times, que dedicou poderosa reportagem, que correu mundo, a “Madres Paralelas”, seu diretor, sua atriz-protagonista e às profundas relações profissionais e afetivas que os unem.
Registre-se, porém, que a Academia Espanhola, recentemente, deu a “Dor e Glória” (2019), o belo e autobiográfico filme de Almodóvar e a seu protagonista (Antonio Banderas) o mais pleno reconhecimento. Até Fernando León de Aranoa ganhar seu terceiro Goya de direção (com “O Bom Patrão”), só Almodóvar tinha três “cabeçudos” (nessa categoria) em sua estante.
Javier Bardem, que protagonizou “Carne Trêmula” (1997), um dos filmes mais impactantes de Almodóvar (o primeiro dos sete que Penélope Cruz realizou com o manchego) foi o astro-rei na trigésima-sexta noite dos Goya. Ganhou seu sexto “cabeçudo”. Ninguém tem tantos na estante. Para completar, proferiu singelo e consistente discurso. Agradeceu ao amigo Aranoa (juntos fizeram o tocante “Segunda-Feira ao Sol”, disponível no Belas Artes à la Carte) por ter lhe confiado papel tão “complexo e nuançado”, falou do prazer de trabalhar junto com o cineasta-roteirista e, por fim, mirou a esposa Penélope Cruz, mãe de seus dois filhos, sentada ao lado de Almodóvar: “Agradeço também à mulher que amo, respeito, admiro e celebro todos os dias. Te quiero mucho”. Pelo menos naquele momento a diva madrilenha, de 47 anos, deve ter esquecido a dor de não ter ganho o Goya por sua madre paralela.
Entre os outros prêmios da noite dos Goya, um merece todos os louvores: o de melhor filme ibero-americano para o chileno “A Cordilheira dos Sonhos”, mais um documentário poético-ensaístico-político do mestre Patricio Guzmán, de 80 anos. Fecho de trilogia iniciada com “Nostalgia da Luz” e sequenciada com “Botão de Pérola”, tal escolha mostra que a Academia Espanhola está plugada na contemporaneidade. Seja o filme ficional, documental ou híbrido, não importa. O que realmente interessa é que seja criativo e substantivo, que seja um exercício de linguagem e tenha o que dizer. Guzmán é um cineasta que tem, realmente, muito a dizer e sabe como fazê-lo.
A presença feminina na trigésima-sexta cerimônia dos Goya foi significativa: a jovem Clara Roquet, por “Libertad”, foi reconhecida na categoria “diretor estreante” e viu Nora Navas ser premiada como melhor coadjuvante. A madrilenha Icíar Bolaín havia recebido 14 indicações por “Maixabel”. Conquistou três “cabeçudos”, todos para seus intérpretes: a protagonista Blanca Portillo, o coadjuvante Urko Olazabal e a atriz revelação, María Cerezuela. Vale lembrar que Icíar é, também, atriz (atuou em “Terra e Liberdade”, de Ken Loach), roteirista de seus filmes (como o marido, Paul Laverty, colaborador habitual do diretor britânico) e autora de um livro obrigatório (“Ken Loach – Um Observador Solidário”).
Outro filme que recebeu número significativo de prêmios foi “Las Leys de la Frontera”, de Daniel Monzón, baseado em romance de Javier Cercas, nome de grande prestígio na literatura contemporânea espanhola. Além de melhor roteiro adaptado (pelo diretor Daniel Monzón em parceria com Jorge Guerricaechevarría), “Frontera” recebeu o Goya de ator revelação (para Chechu Selgado), direção de arte, figurinos, maquiagem e cabelos. Cinco no total.
Confira os vencedores:
. “O Bom Patrão”: melhor filme, diretor (Fernando León de Aranoa), ator (Javier Bardem), roteiro original (Aranoa), montagem (Vanessa Marimbert), música original (Zeltia Montes)
. “Maixabel”, de Icíar Bollaín: melhor atriz (Blanca Portillo), melhor ator coadjuvante (Urko Olazabal), atriz revelação (María Cerezuela)
. “A Cordilheira dos Sonhos”, de Patricio Guzmán (Chile, França): melhor longa ibero-americano
. “Druk – A Última Rodada”, de Thomas Vinterberg (Dinamarca): melhor longa europeu
. “Quién lo Impide”, de Jonás Trueba (produção de Javier Lafuente, Laura Renau, Lorena Tudela): melhor longa documental
.“Valentina”, De Brano, Loureiro, Da Matta, Baratech e Noa García: melhor longa de animação
. “Las Leys de la Frontera”, de Daniel Monzón: melhor roteiro adaptado (Daniel Monzón e Jorge Guerricaechevarría), ator revelação (Chechu Selgado), direção de arte, maquiagem e cabelos, figurinos
. “Libertad”: melhor diretora estreante (Clara Roquet), atriz coadjuvante (Nora Navas)
. “Mediterrâneo”, de Marcel Barrena: melhor fotografia (Kiko de la Rica), canção original (“Te Espera el Mar”, de María José Lergo), direção de produção
. “Way Down”: melhores efeitos especiais
. “Três”, de Juanjo Peña e Pere Altimira: melhor som
. “Tótem Loba”: melhor curta de ficção
. “The Monkey”: melhor curta de animação
. “Mama”: melhor curta documental