As Verdades

Por Maria do Rosário Caetano

Akira Kurosawa encantou o mundo com “Rashomon”, o drama do julgamento de um crime de estupro seguido de assassinato que, ao ser submetido a julgamento, mostrava o quão difícil era chegar-se à verdade. Cada um apresentava a sua “versão”, oferecia o seu “ponto de vista”. O filme foi o grande vencedor do Leão de Ouro, no Festival de Veneza, em 1951. Transformou o cineasta e um de seus protagonistas, o ator Toshiro Mifune, em astros do celuloide planetário.

Nesta quinta-feira, 30 de junho, estreia nos cinemas brasileiros um longa-metragem em tudo tributário do clássico kurosawiano, “As Verdades”, de José Eduardo Belmonte. Além do título, que usa o plural para evocar a complexidade do conceito de verdade, o autor do roteiro, o jovem Pedro Furtado (filho do cineasta Jorge “Ilha das Flores” Furtado) indica sua fonte: o escritor Ryunosuke Akutagawa. Foi na obra do ficcionista japonês que Kurosawa encontrou os dois contos que lhe serviram de seminal matriz – “Rashomon” e “Yabu no Naka”.

O longa do realizador nipônico transformou-se no paradigma da dificuldade de se encontrar vereditos perfeitos em julgamentos humanos para atos igualmente humanos, portanto passíveis de falhas. O dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980) inspirou-se nos mestres japoneses ao escrever sua peça “O Boca de Ouro”. Ao levá-la ao cinema, com Jece Valadão e Odete Lara como protagonistas, Nelson Pereira dos Santos seguiu em seu diálogo com o drama criminal “Rashomon” levando-o, como o Nelson pernambucano, de uma aldeia do Japão do século XI para o Rio de Janeiro suburbano dos anos 1960. Agora chegou a vez de Belmonte e Furtado levarem o julgamento de um crime, narrado de pontos de vista diferentes, ao sertão brasileiro. E situá-lo nos dias que correm.

Sob supervisão dos experientes Guel Arraes e George Moura, Pedro Furtado (ator em “Houve Uma Vez Dois Verões”, 2002) inicia sua história sob confetes e serpentinas. Francisca (Bianca Bin), uma bela moça, vestida de bailarina, se aproxima de um rapaz, Josué (Lázaro Ramos), e o convida a unir-se a um grupo de foliãs. Ele prefere ficar sozinho com ela, aos beijos, abraços e carícias sensuais. Dois anos depois, vemos que Josué é delegado numa pequena cidade e tem um crime para resolver (ajudado por sua assistente Sâmia, Edvana Carvalho). Depara-se com o corpo ensanguentado do empresário Valmir (Zécarlos Machado), candidato a prefeito do município. Embora muito machucada, a vítima dá sinais de vida e é encaminhada ao hospital em estado gravíssimo.

O pistoleiro Cícero (Thomás de Aquino, de “Bacurau”), que andava cobiçando e assediando a noiva do empresário (a bailarina da louca noite de confetes e serpentinas), será o primeiro a fornecer sua versão do crime.

A segunda testemunha a dar sua versão do acontecido será a própria Francisca, a noiva do candidato. Ele com idade para ser seu pai, ou avô. O próprio sobrevivente também dará sua versão. E há, ainda, a mãe de Francisca, Dona Amara, personagem interpretada com a segurança costumeira por Drica Moraes. Ela sabe de muitas histórias ocultas na vida daquela cidade esquecida e poeirenta.

Pedro Furtado recriou o conto de Ryunosuke Akutagawa (1892-1927) — devidamente creditado — com grande liberdade. E o adaptou ao mundo do sertão nordestino. Ao levá-lo ao cinema, Belmonte, que já se dedicou ao cinema autoral (“A Concepção”, “Se Nada Mais Der Certo”), segue em sua busca por um cinema de diálogo com o grande público. Por isso, tem seguido as regras do cinema narrativo e abraçado convenções capazes de facilitar leitura e fruição.

Em “As Verdades”, a trilha sonora é insistente e redundante, há uso abusivo de planos feitos com drones, alguns personagens mereciam melhor composição e a intenção de construir um “thriller existencial” não chega a termos satisfatórios. Mas elenco e imagens de tons quentes (e insinuante erotismo) asseguram o que o filme tem de bom.

 

As Verdades
Brasil, 99 minutos, 2022
Direção: José Eduardo Belmonte
Roteiro: Pedro Furtado
Elenco: Lázaro Ramos, Bianca Bin, Drica Moraes, Thomás Aquino, Zécarlos Machado, Edvana Carvalho. Fotografia de Marcelo Corpanni. Montagem de Federico Rebeincher. Produção: Gullane Filmes
Coprodução: Globo Filmes e Canal Brasil
Distribuição: Gullane

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