Academia Brasileira privilegia blockbusters dos EUA na disputa pelo Troféu Grande Otelo de melhor filme internacional
Por Maria do Rosário Caetano
Trinta anos atrás, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deixou de fora da lista de candidatos a “melhor longa documental” um filme que marcou época – “Basquete Blues”, de Steve James.
O vexame foi tão avassalador que a instituição, responsável há quase um século pela distribuição do Oscar, a mais badalada estatueta do cinema, resolveu criar comissão para estabelecer pré-lista com os mais importantes títulos do documentário norte-americano e internacional. Os escolhidos passaram a servir de base para o voto dos acadêmicos.
A prática tornou-se corrente e estendeu-se a mais algumas (poucas) categorias. A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais, que segue religiosamente os ditames de sua poderosa matriz, ignorou essa lição. E olhe que a Academia verde-amarela é, há alguns anos, a responsável pela escolha do título brasileiro que disputará o Oscar de “melhor filme internacional”. Herdou tal missão da SAv-MinC (Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura), até porque, nos quatro anos de Governo Messias Bolsonaro, o MinC e a Secretaria foram extintos.
Quem prestou atenção na lista de sete candidatos-finalistas a “melhor filme estrangeiro” nesta premiação anual da Academia (o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – Troféu Grande Otelo) foi levado à conclusão que os acadêmicos-votantes não assistem a filmes internacionais oriundos dos cinco continentes. O cardápio deles é paupérrimo. Ou seja, só consomem filmes anglo-saxões.
Vamos, pois, à constrangedora e colonizada lista apresentada pela Academia. Tão colonizada, repetimos, que faria Paulo Emilio Salles Gomes e o próprio Grande Otelo morrerem de vergonha.
Dos EUA procedem cinco dos sete finalistas. A lista cresce para seis, se tomarmos a língua inglesa (e o mundo anglo-saxão, força hegemônica do audiovisual planetário) como referência.
Eis os candidatos originários dos EUA, a meca do cinema: “Top Gun: Maverick” (foto), de Joseph Kosinski, “Avatar 2: O Caminho da Água”, de James Cameron, “Pantera Negra 2, Wakanda para Sempre”, de Ryan Coogler, “Elvis”, de Baz Luhrmann, e “Mulher Rei”, de Gina Prince-Bithewood. Da Grã-Bretanha, “Boa Sorte, Leo Grande”, de Sophie Hyde. Um único filme – “1982”, de Oualid Mouaness, do Oriente Médio (Líbano) – representa o resto do mundo (Europa, Ásia e África).
Nenhum filme europeu (França, Alemanha, Itália, Países Nórdicos, Leste Europeu – incluindo a surpreendente Romênia – ou Rússia e Turquia, países eurasianos) conseguiu uma vaguinha que fosse.
Três adjetivos são obrigatórios para quem acompanha, com seriedade, prêmios como o Goya espanhol, o Bafta britânico, o César francês ou o David di Donatello italiano. A lista brasileira é desinformada, constrangedora e colonizada. Ou seja, refém do poderio norte-americano. Se os integrantes da Academia não fossem tão desinformados, teriam agido como a Academia de Hollywood, que procura, na medida do possível, escolher, para a categoria “melhor filme estrangeiro”, produções oriundas da Europa, da Ásia (vide o triunfo de “Parasita”, da Coreia do Sul), do Oriente Médio, da África e da América Central e do Sul. Até o pequenino Butão cravou vaga na lista de finalistas à estatueta careca, com o comovente “A Felicidade das Pequenas Coisas”, de Pawo Choyning Dorji.
Há, digamos, pelo menos um atenuante para tal despautério verde-amarelo: a Academia criou, para dar relevo ao cinema ibero-americano, categoria especial (cinco títulos de fala hispânica de países que nos circundam e também da Península Ibérica – ver lista abaixo).
Sobrariam, então, centenas e centenas de filmes europeus, asiáticos, africanos e da Oceânia (onde brilham Austrália e Nova Zelândia, cinematografias fortes, que falam inglês, herança dos tempos em que a Inglaterra dominava um terço das nações planetárias). Tempos em que a Monarquia se orgulhava: “o sol nunca se põe no imenso Império Britânico” (o maior território colonial governado por um só soberano).
Para os eleitores da Academia Brasileira, constatemos, o sol não ilumina cinematografias herdeiras de realizadores geniais como Jean Renoir, François Truffaut, Agnès Varda e Jean-Luc Godard. Nem para os que sucederam Rossellini, Fellini, Visconti e Pasolini. A África, para nossos acadêmicos, só existe se atores negros estiverem em elencos de blockbusters norte-americanos.
E a Ásia? O continente – que tem no Japão, Índia (maior produtor de cinema do mundo), Chinas (insular, continental e Hong Kong) e Coreia do Sul suas forças-motrizes – foi solenemente ignorado pelos integrantes da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais. Um organismo, não esqueçamos, que já tem alguma estrada. Afinal, este ano (dia 23 de agosto, na Cidades das Artes-Rio) promoverá a vigésima-segunda edição do GP Brasil (Troféu Grande Otelo).
O cineasta Eduardo Ades, que dirigiu o ótimo documentário “Torquato Neto – Todas as Horas do Fim” (em parceria com Marcus Fernando, 2017), é um dos votantes da Academia Brasileira. Ele esclareceu, nas redes sociais, que os associados da instituição votam “não nos filmes estrangeiros lançados no circuito comercial brasileiros”, mas sim nos que “são inscritos pelas distribuidoras”.
Critério absurdo, há que se registrar, pois oferece vantagem total e absoluta às ‘majors’ que dominam o circuito exibidor brasileiro. Se continuar seguindo essa diretriz, só teremos filmes anglo-saxões nas listas de finalistas.
Vejam, abaixo, após a lista dos candidatos a “melhor filme internacional”, acompanhados de suas respectivas distribuidoras, e a de filmes ibero-americanos, alguns títulos estrangeiros que foram lançados em nosso circuito exibidor, receberam boas (ou excelentes) críticas e frequentaram centenas listas de melhores da temporada. Além de brilhar na quadragésima-nona edição do Festival Sesc Melhores Filmes do Ano.
FINALISTAS A MELHOR FILME INTERNACIONAL
. “Top Gun: Maverick”, de Joseph Kosinski (EUA – PARAMOUNT)
. “Avatar 2: O Caminho da Água”, de James Cameron (EUA, DISNEY)
. “Pantera Negra 2, Wakanda Para Sempre”, de Ryan Coogler (EUA, DISNEY)
. “Elvis”, de Baz Luhrmann (EUA, WARNER BROS.)
. “Mulher Rei”, de Gina Prince-Bithewood (EUA, SONY PICTURES)
. “Boa Sorte, Leo Grande”, de Sophie Hyde (Grã-Bretanha-EUA, PARIS FILMES)
. “1982”, de Oualid Mouaness (Líbano – Estúdio ESCARLATE)
MELHOR FILME IBERO-AMERICANO
. “As Bestas”, de Rodrigo Sorogoyen (Espanha) – Indicação da Academia de las Artes y las Ciencias Cinematográficas de Espanha
. “Restos de Vento”, de Tiago Guedes (Portugal) – Indicação da Academia Portuguesa de Cinema
. “Argentina, 1985”, de Santiago Mitre (Argentina) – Indicação da Academia de las Artes y Ciencias Cinematográficas de la Argentina
. “1976”, de Manuela Martelli (Chile) – Indicação da Academia de Cine de Chile
. “La Jauria”, de André Ramírez Pulido (Colômbia) – Indicação da Academia Colombiana de Artes y Ciencias Cinematográficas
FILMES IGNORADOS PELA ACADEMIA BRASILEIRA
. “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”, de Radu Jude (Romênia)
. “O Acontecimento”, de Audrey Diwan (França) – baseado em livro de Annie Ernaux, Prêmio Nobel de Literatura
. “O Traidor”, de Marco Bellocchio (Itália-Brasil)
. “Tre Piani”, de Nanni Moretti (Itália)
. “Onoda, 10 Mil Noites na Selva”, de Arthur Harari (França)
. “Ilusões Perdidas”, de Xavier Giannoli (França)
. “Drive my Car”, de Ryûsuke Hamaguchi (Japão)
. “A Pior Pessoa do Mundo”, de Joachin Trier (Noruega
. “O Perdão”, de Maryan Moghadan (Irã)
. “Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson (EUA)
. “Não, Não Olhe”, de Jordan Peele (EUA)
. “Aftersun”, de Charlotte Wells (Inglaterra, filmado num hotel da Turquia)
. “Memória”, de Apichatpong Weerasethakul (Tailândia-Colombia)
FILMES IBERO-AMERICANOS
. “Madres Paralelas”, de Pedro Almodóvar (Espanha)
. “Vitalina Varela”, de Pedro Costa (Portugal). “Mães Paralelas, de Pedro Almodóvar (Espanha)
. “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, de Alejandro Gonzalez Iñarritu (México)
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