Pai e companheira de Assange lutam contra sua extradição para os EUA

Por Maria do Rosário Caetano

John Shipton, pai de Julian Assange, jornalista encarcerado na Inglaterra, e sua nora Stella Moris, mãe dos dois filhos do criador do Wikileaks, peregrinam por cidades europeias e pelos EUA em busca de perdão para o filho e companheiro. Essa saga é acompanhada pelo documentarista Ben Lawrence, em filme – “Ithaca: A Luta de Assange” – que chega ao circuito comercial brasileiro nessa quinta-feira, 31 de agosto.

A situação do filho de John Shipton, este, pai quase octogenário, não é nada fácil. Se perder sua última batalha junto à Justiça britânica, o jornalista será extraditado para os EUA, onde responderá a 17 processos. Se condenado em todos eles, sua pena poderá chegar a 175 anos de reclusão.

O velho Shipton viveu por décadas longe do filho, mas resolveu, nessa hora difícil, defendê-lo. E o fez desde o momento em que a Embaixada do Equador (em Londres), território indevassável, retirou a proteção que dava a Assange. A peregrinação se faz por cidades europeias, sempre em busca de defensores da liberdade do filho encarcerado em prisão britânica de “segurança máxima”, e agora chega ao Brasil, onde participaram da pré-estreia do filme.

Uma jovem advogada (Stella Moris) resolveu reforçar o time jurídico de defensores de Assange. Os dois acabaram se unindo matrimonialmente e têm, agora, dois filhos pequenos (o mais velho, de seis anos), que crescem sob a proteção da mãe. Quando ela viaja para novas manifestações, o abrigo vem dos avós.

O pai de Assange é um homem sereno e econômico em suas falas (todas milimetricamente medidas), cuja cultura literária se faz notar. Para defender o filho no processo de extradição, ele evoca, além do Moby Dick (Melville, 1851), algumas frases de efeito (“uma casa é um palco para o teatro da vida”). Evoca, até, o mito grego de Prometeu, aquele que legou o fogo aos homens e, por isso, foi aprisionado no alto da montanha, tendo a penitência diária de ver seu fígado dilacerado sem clemência por uma águia.

O “fogo” de Assange simboliza – na metáfora paterna – os 10 mil documentos que ele revelou (junto com o New York Times, The Guardian e Der Spiegel), em 2010, contendo informações sobre ações do Exército norte-americano nas guerras empreendidas, sem autorização da ONU, no Iraque e no Afeganistão. Incluindo sessões de tortura em Guantánamo, enclave militar dos EUA na América Central.

Já as bicadas da águia seriam os sofrimentos impingidos a Assange pela privação de liberdade (“23 horas numa solitária e apenas uma hora de sol” na prisão de Belmarsh). Um psiquiatra forense alerta que o prisioneiro apresenta “tendências suicidas” e histórico familiar.

Os defensores de Julian Assange argumentam que, se ele for entregue à Justiça estadunidense (e condenado), grave precedente será aberto. Ou seja, ao condenar o editor (difusor) de material jornalístico, quem arcará com alto preço será a própria imprensa.

Para os defensores dessa tese, Julian Assange não é “um espião, nem um funcionário de Estado” (no caso, da mais poderosa nação do mundo, os EUA), que quebrou juramento ou a ética profissional. Mas sim um jornalista-editor, “laureado com 26 prêmios” e que denunciou violações dos Direitos Humanos e decisão da ONU. O material confidencial que chegou às suas mãos foi publicado – além do Wikileaks – por periódicos poderosos como da Alemanha, Reino Unido e EUA (o ultra-influente NYT). As autoridades norte-americanas não aceitam este argumento jurídico e querem julgar e encarcerar o “infrator”.

O diretor Ben Lawrence acompanha cada passo do Sr. John Shipton em manifestações que buscam a libertação do filho. Seja em Berlim, Londres ou Nova York. Assange é ouvido em conversas, por celular, mantidas com a companheira e os filhos pequenos. Ou visto em cartazes, faixas e máscaras usadas por seus defensores. Registro raro, atribuído “a grampos audiovisuais plantados por órgãos de segurança”, o mostram se movimentando (sobre patinete) em apertados cômodos (decerto da Embaixada do Equador).

Stella Moris dá entrevista à imprensa, incluindo a poderosa BBC. Às vezes derrama lágrimas motivadas pelo encarceramento do companheiro. O sogro é mais frio. Não verte uma lágrima sequer.

A situação de Assange parece mesmo muito difícil. Ele vem acumulando derrotas e mais derrotas junto à Justiça britânica. E as manifestações de apoiadores em defesa de sua libertação se apresentam modestas. Já foram bem mais vigorosas.

O cineasta australiano Ben Lawrence realiza seu filme em registro observacional. Não recorre a “cabeças falantes”, nem aparece em cena. Só ouvimos, em alguns momentos, sua voz questionadora, que chega a colocar o pai de Assange em situação embaraçosa. O documentarista faz perguntas que o velho australiano não quer responder. E não responde. Elas ficam postas para que o espectador tire suas próprias conclusões.

O mesmo se passa com repórteres (inclusive da BBC) que colocam perguntas duras para a companheira de Assange, irmã do coprodutor do documentário, Adrian Devant. Ele, em parceria com Gabriel Shipton, irmão mais novo de Assange, assina o projeto.

Embora o filme faça parte da campanha de defesa da libertação do editor do Wikileaks, ele não escamoteia a complexidade da luta empreendida pela família. Vale lembrar que a situação de Assange só piorou depois dos sete anos vividos dentro da Embaixada do Equador, em Londres. Está isolado na Penitenciária de Belmarsh há mais de três anos.

Em 2010, ano da revelação dos documentos que causaram tanta fúria nas autoridades norte-americanas, Julian Assange, nascido em três de julho de 1971, tinha 39 anos e fartos cabelos. Agora, aos 52, vê o tempo passar, com cabeleira rala e longe dos filhos. Se sua pena for dura (podendo chegar a 175 anos), ela será sinônimo de prisão perpétua.

Resta ganhar tempo e esperar que o documentário sensibilize novos apoiadores para o editor do Wikileaks. E que, assim, Assange possa voltar para sua Ithaca (a ilha-lar de Odisseu, o protagonista da Odisseia de Homero). Esteja ela na sua Austrália natal, num país europeu, asiático ou latino-americano. Quem sabe no México, famoso por sua hospitalidade. Mas Assange pode querer viver a léguas e léguas dos EUA.

 

Ithaka: A Luta de Assange
Austrália e Inglaterra, 2021, 106 minutos
Direção e roteiro: Ben Lawrence
Produção: Adrian Devant e Gabriel Shipton
Participação: John Shipton, Stella Moris, Ai Weiwei, Vivienne Westwood, Nils Melger e John Pilger
Fotografia: Niels Ladefaged
Música: Brian Eno
Montagem: Karen Johnson
Distribuição: Pandora Filmes

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