“O Baile das Loucas” reúne formidável elenco de atrizes francesas liderado por Mélanie Thierry e Carole Bouquet
Por Maria do Rosário Caetano
“O Baile das Loucas”, oitavo longa-metragem do francês Arnaud des Pallières, está em cartaz nos cinemas brasileiros. O que chama atenção no filme é seu elenco estelar, no qual brilha a protagonista Mélanie Thierry, secundada por coadjuvantes do porte de Carole Bouquet e Josiane Balasko, ambas do cult “Linda Demais para Você”, Marina Foïs, de “As Bestas”, e as veteranas Yolande Moreau e Dominique Frot.
Em tempo de sensibilidades femininas merecidamente à flor da pele, esse drama histórico francês, coloridíssimo e instigante, dispõe de significativos ingredientes para atrair o público. As mulheres são as protagonistas absolutas. Os homens aparecem em papéis minúsculos.
O tema da loucura, realçado pelo título brasileiro (“O Baile das Loucas”, ao invés do original “Captives”), recebe tratamento dos mais curiosos. Ao invés do sofrimento brutal verificado nas “casas de alienados”, iremos nos deparar com imagens que têm algo de circense. Mas sem cair no banal, pois as “cativas” do La Salpêtrière, separadas segundo a gravidade de seus casos e enclausuradas sob vigilância draconiana, sofrem muito. Um baile anual, à fantasia, permitirá, pelo menos àquelas consideradas “mais tranquilas”, viver momentos de alegria carnavalesca.
Os franceses conhecem bem a história que serviu de matéria-prima a Arnaud des Pallières e à sua co-roteirista Christelle Berthevas. A dupla construiu o filme como um drama inspirado em fatos e personalidades reais. Há um romance, “Bal de Folles”, de Victoria Mas, que foi levado ao cinema, em 2021, com o mesmo nome, pela atriz e diretora Mélanie Laurent. Des Pallières assegura ter engendrado seu projeto antes de ler o livro e assistir à sua adaptação às telas.
As diferenças entre os dois filmes são evidentes. No longa-metragem de Mélanie Laurent, com ingredientes sobrenaturais (lançado pela Amazon Prime), Eugénie, a protagonista, é uma jovem que tem o dom de ouvir e ver os mortos. Quando sua família toma conhecimento desse segredo, resolve interná-la na La Salpêtrière, instituição psiquiátrica dirigida pelo Dr. Charcot (o famoso professor do jovem Sigmund Freud). Que teve suas pesquisas da hipnose como mecanismo de cura de pacientes (as chamadas “histéricas”) registrados no filme “Augustine” (Alice Winocour, 2012).
Em “Captives”, um roteiro original, o ponto de partida não dialoga com o sobrenatural, mas sim, com o folhetim. A bela Fanny (Mélanie Thierry), com seus lábios carnudos e olhos azuis, chega ao La Salpêtrière, voluntariamente. Torna-se interna para tentar descobrir, entre as portadoras de distúrbios mentais, sua mãe.
O famoso hospital parisiense é o principal cenário do filme. Tudo acontece no final do século XIX. Fanny presenciará acontecimentos perturbadores, mas, com ajuda de uma ou outra “captive”, seguirá em sua busca pela mãe. Conviverá com a elegante Hersilie Rouy (Carole Bouquet), pianista internada no La Salpêtrière por irmão que não quis dividir herança familiar com ela. A obsessão da pianista consiste em conseguir papel para registrar suas memórias.
No comando da instituição estão Jabotte (Josiane Balasko) e La Douane (Marina Foïs). A primeira será condecorada com a Legión d’Honneur por seu trabalho junto às 4.500 pacientes do hospício. No “Baile das Loucas”, 150 delas serão selecionadas para figurar em festa à fantasia. A protagonista só tem um objetivo – encontrar sua suposta mãe para fugirem juntas. Entende que a agitação do baile constituirá o momento ideal.
Será Camille, apelidada Camomille (Yolande Moreau), a mãe verdadeira de Fanny? Ela conseguirá deixar a vigiada clínica?
E a pianista Hersilie Rouy conseguirá entregar os originais de seu “livro de memórias” às autoridades francesas, que visitam o La Salpêtrières?
O que se deve registrar é que, no mundo real, os registros dos 15 anos de clausura psiquiátrica da paciente-pianista tiveram efeito prático. O Governo Francês pôs fim à “internação por terceiros”, realizada, na maioria absoluta dos casos, por razões extra-sanitárias. Ali eram amontadas portadoras de males da mente, sim, mas também solteiras grávidas, prostitutas, epiléticas, mulheres indesejáveis, enfim.
O filme de Arnaud des Pallières, diretor do festejado “Michael Koklhaas”, sustenta-se em seu poderoso elenco coral, capitaneado por Mélanie Thierry, por trilha sonora sedutora e por sua curiosa abordagem da loucura. Merece ser visto.
Quem amou o inesquecível “Linda Demais para Você” (Bertrand “Les Valseuses” Blier, 1989) terá o prazer de reencontrar Carole Bouquet (esposa do personagem de Gerard Depardieu) e Josiane Balasko (a amante) juntas outra vez.
Quem se recorda do longa-metragem que Blier realizou em seus tempos mais criativos, memorizou sua principal subversão. Nele, um marido burguês deixava sua esposa belíssima e sofisticada (Bouquet no auge de seus atributos físicos) e a trocava por modesta secretária (Balasko), baixinha e gordinha. Mistérios do amor e do desejo.
Aos 67 anos, a modelo e atriz Carole Bouquet, revelada por Luis Buñuel em “Esse Obscuro Objeto do Desejo” (e que foi Bond girl em “007 – Somente para seus Olhos”), segue bela, elegante e sofisticada. Sua pianista Hersilie enche a tela em suas aparições em “O Baile das Loucas”. E torcemos para que ela consiga o desejado piano de primeira linha e todas as folhas (contrabandeadas) para registrar o que se passa nas entranhas do La Salpêtrière dos tempos do neurologista Jean-Martin Charcot (1825-1893).
O Baile das Loucas | Captives
França, 2023, 119 minutos
Direção: Arnaud des Pallières
Roteiro: Christelle Berthevas e Arnaud des Pallières
Elenco: Mélanie Thierry, Josiane Balasko, Carole Bouquet, Marina Foïs, Yolande Moreau, Dominique Frot, Kenavo, Agnès Berthon, Paméla Ramos, Solène Rigot, Lucie Shang, Elina Lowensohn
Fotografia: David Chizallet
Direção de arte: Laurent Baude
Música: Ben Hassen Mathieu, Martin Wheeler
Montagem: Julie Duclaux e Arnaud des Pallières
Figurino: Nina Avramovic
Distribuição: Imovision