“Salomé”, “Tesouro Natterer”, “Mar de Dentro” e “Via Sacra” são os grandes vencedores do Festival de Brasília
Foto: Equipe de “Salomé” © Humberto Araújo
Maria do Rosário Caetano
O drama queer pernambucano “Salomé”, de André Antônio, temperado com tiradas de humor e sequência de sexo explícito, conquistou o Troféu Candango de melhor filme da quinquagésima-sétima edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Foi, também, o eleito pelo público e pela crítica. Veio do mesmo estado, Pernambuco, o curta-metragem premiado pelo júri oficial, “Mar de Dentro”, de Lia Letícia.
Na Mostra Brasília, dedicada ao cinema candango e promovida pela Assembleia Legislativa do DF há 26 anos, os vencedores foram o longa documental “Tesouro Natterer”, de Renato Barbieri, pré-indicado ao Oscar por ter vencido o Festival É Tudo Verdade, e “Via Sacra”, de João Campos, que disputou o Troféu Kikito em Gramado, quatro meses atrás.
“Suçuarana”, o road movie existencial da dupla Clarissa Campolina e Sérgio Borges, também obteve significativo reconhecimento do júri oficial. Somou cinco troféus Candango, dois deles destinados à sua atriz-protagonista (Sinara Teles) e a direção de fotografia (Ivo Lopes Araújo).
Ruy Guerra, que dirigiu, em parceria com Luciana Mazzotti, o convulsivo “A Fúria”, fecho de sua Trilogia dos Fuzis, recebeu o Prêmio Especial do Júri e o Troféu São Saruê, espécie de Prêmio Panda contemporâneo, atribuído pelo jornal Correio Braziliense ao “momento mais luminoso do festival”. O Panda foi criado por Carlão Reichenbach (1945-2012), na década de 1990, para festejar instantes mágicos do cinema brasileiro. Um antídoto para aquele momento em que nosso audiovisual vivia o pesadelo da Era Collor.
O longa brasiliense “Pacto da Viola”, de Guilherme Bacalhao, rendeu a seu protagonista — o ceilandense Wellington Abreu — o Candango de melhor interpretação masculina. Finalmente, o incansável “ator e palhaço”, que fez carreira no teatro e chegou ao cinema pelas mãos de Adirley Queirós, tem seu talento reconhecido na principal mostra do mais longevo festival brasileiro. E Wellinton está em ótima companhia, já que o craque Carlos “Marte 1” Francisco foi eleito o melhor ator coadjuvante, por “Suçuarana”.
O troféu Candango de melhor coadjuvante feminina coube a Renata Carvalho, atriz trans que causou sensação (e foi vítima de forças obscuras) por sua montagem de “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”.
Os dois vencedores do Júri Popular causaram surpresa. Os aplausos do público ao ousado “Salomé” foram contidos. Aliás, o público brasiliense, tido como o mais politizado e participante do país, não mostrou, esse ano, arrebatamentos similares aos verificados em outras edições.
Os aplausos dirigidos ao documentário candango “A Câmara”, de Tiago Aragão e Cristiane Bernardes — registro da atuação de (algumas) integrantes da Bancada Feminina na Câmara dos Deputados — foram muito discretos.
Dois filmes causaram sensação em suas sessões na Sala Vladimir Carvalho do Cine Brasília, o infanto-juvenil “Manual do Herói”, de Fáuston Silva, e “A Fúria”, de Guerra e Mazzotti.
O candango “Manual do Herói” mobilizou a maior plateia do festival. Só no palco o realizador ceilandense colocou 55 integrantes de sua equipe. A sessão, dentro da Mostra Brasília, terminou com muitos aplausos. E celulares apontados para o telão do cinema, no qual estava o QR code necessário ao exercício do voto digital e popular. Havia consenso de que o filme de Fáuston tinha ao menos um prêmio garantido. Deu zebra. Restou o troféu Câmara Legislativa do DF para o melhor ator, atribuído ao jovem Eduardo Gabriel Ydiriuá.
Os aplausos ao fecho da Trilogia dos Fuzis, exibido na sexta e último noite da mostra competitiva brasileira, foram significativos. A sessão do longa carioca, aliás, começou com algo nunca visto na história do festival: Ruy Guerra, de 93 anos, participante da competição, foi aplaudido de pé pelo público. E, em projeção aberta, parcelas desse mesmo público aplaudiu os momentos mais transgressivos do corpo-a-corpo estabelecido (pelo cineasta e equipe) com o transe político dos anos Bolsonaro.
O único filme da competição de longas brasileiros ignorado pelo júri oficial foi o amazonense “Enquanto o Céu Não me Espera”, de Christiane Garcia. O drama, ambientado em modesta casa-sítio tomada pelas águas amazônicas, terá novas chances. Nesse exato momento, ele disputa o Troféu Coral do Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana. Junto com “Manas”, de Marianna Brennand, ele foi selecionado para a competição Opera Prima (filmes de diretores estreantes) do maior festival de cinema de expressão hispano-e-luso-americana do mundo. Os laureados com os Prêmios Coral serão conhecidos no domingo, 15 de dezembro.
Confira os premiados:
LONGA-METRAGEM BRASILEIRO
. “Salomé” (PE), de André Antônio – melhor filme do Júri e do Público, Prêmio Abraccine, roteiro (André Antônio), atriz coadjuvante (Renata Carvalho), direção de arte (Maíra Mesquita) , trilha sonora (Mateus Alves e Piero Bianchi). Prêmio Canal Like
. “Yõg Ãtak: Meu Pai, Kaiowá” (MG) – melhor direção (Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luisa Lanna)
. “Suçuarana” (MG), de Clarissa Campolina e Sergio Borges – melhor atriz (Sinara Teles), coadjuvante (Carlos Francisco), fotografia (Ivo Lopes de Araújo), montagem (Luiz Pretti), edição de som (Pablo Lamar)
. “Pacto da Viola” (DF), de Guilherme Bacalhao – melhor ator (Wellington Abreu)
. “A Fúria”, de Ruy Guerra e Luciana Mazzotti (RJ) – Prêmio Especial do Júri ao cineasta Ruy Guerra, Prêmio São Saruê-Correio Braziliense (melhor momento do Festival)
CURTA-METRAGEM BRASILEIRO
. “Mar de Dentro” (PE), de Lia Letícia – melhor filme, direção, Prêmio Zózimo Bulbul (Apan)
. “Javyju – Bom Dia” (SP), de Kunha Rete e Carlos Eduardo Magalhães – Júri popular
. “E seu Corpo é Belo” (RJ), de Yuri Costa – melhor ator (João Pedro Oliveira), direção de arte (Caroline Meirelles), Kiko Ferraz e Ricardo Costa (edição de som)
. “Mãe do Ouro” (MG) , de Maick Hannder – melhor atriz (Calandréia Ribeiro), fotografia (Fernanda Sena)
. “Descamar” (DF), de Nicolau – melhor roteiro (Nicolau)
. “Confluências”, de Dácia Ibiapina – melhor montagem (Cristina Amaral), Premio Ação Afirmativa do Codipir (Conselho Distrital de Promoção da Igualdade Racial)
. “Kabuki” (SC), de Tiago Minamisawa – melhor trilha sonora (Ruben Feffer e Gustavo Kurlat), Prêmio Abraccine, Prêmio Canal Brasil
. “Dois Nilos” (RJ), de Samuel Lobo e Rodrigo de Janeiro – menção honrosa, Prêmio Zózimo Bulbul especial.
MOSTRA BRASÍLIA
. “Tesouro Natterer”, de Renato Barbieri – melhor filme, roteiro (Andrea Fenzl, Victor Leonardi, Renato Barbieri, Neto Borges e Rodrigo Borges), trilha sonora (Márcio Vermelho e Pedro Zopelar)
. “A Câmara”, de Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão – Júri popular
. “Nada”, de Adriano Guimarães – melhor direção, direção de arte (Maíra Carvalho, Marcus Takatsuka e Nadine Diel), edição de som (Guile Martins e Olívia Hernández)
. “Via Sacra”, de João Campos – melhor filme, atriz (Gleide Firmino)
. “Manequim”, de Danilo Borges e Diego Borges – Júri popular (curta)
. “Manual do Herói”, de Fáuston Silva – melhor ator (Eduardo Gabriel Ydiriuá)
. “Xarpi”, de Rafael Lobo – melhor fotografia (Emília Silberstein)
. “A sua Imagem na minha Caixa de Correio”, de Silvino Mendonça – melhor montagem (Silvino Mendonça)
. Menção Honrosa do Júri – Para Juliana Drummond pela excepcional performance nas apresentações da Mostra Brasília
MOSTRA CALEIDOSCÓPIO (Brasil)
. “Filhas da Noite” (PE), de Henrique Arruda e Sylara Silvério – melhor filme
. “Topo” (SP), de Eugenio Puppo – Prêmio Especial do Júri
PRÊMIOS CPCB
. “Barreto, Fotógrafo das Lentes Nuas” (RJ), de Miguel Freire – Prêmio Prêmio Marco Antônio Guimarães, do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro (por seu trabalho de memória e arquivo do nosso audiovisual)
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