Festival Imovision apresenta 14 longas europeus em 75 cinemas espalhados por todo país

Foto: “Emmanuelle”, de Audrey Diwan

Por Maria do Rosário Caetano

A primeira edição do Festival de Cinema Europeu Imovision chega, nessa quinta-feira, a 75 cinemas espalhados por 35 cidades das cinco regiões brasileiras. Mas sua sede oficial é a cidade de Niterói, onde o organizador do evento, o distribuidor e exibidor franco-brasileiro Jean-Thomas Bernardini, mantém o circuito que tornou-se a menina dos seus olhos – a Reserva Cultural. Trata-se de conjunto de cinemas integrado ao Caminho de Niemeyer, série de edificações desenhadas pelo arquiteto e criador de Brasília, Oscar Niemeyer.

A opção pelo circuito da terra de Araribóia não significa que o Reserva Cultural niteroiense seja o coração financeiro do circuito de Bernardini. Esse papel é desempenhado pela Reserva Cultural paulistana, plantada no número 900 da Avenida Paulista. Como o complexo de Niterói dá vistas para as belezas da Baía da Guanabara e já recebeu Gérard Depardieu, entre outros astros franceses, ele encanta turistas e locais. Por isso, e pelo apoio da Prefeitura Municipal, fez-se palco privilegiado do nascimento do novo festival.

O espaço causa encanto por sua vizinhança. Afinal, integrar o Caminho de Niemeyer o aproxima do Museu de Arte Contemporânea, o MAC, que Niemeyer criou como se fosse um disco voador de concreto, pairando sobre as águas atlânticas.

Das 75 salas programadas pelo festival, quatro (Niterói, São Paulo, Brasília e Salvador) sediarão debates com integrantes da delegação, composta de seis membros. Eles permanecerão em solo brasileiro (dessa quinta-feira-feira até a próxima quarta, 30 de abril), para debater algumas das 14 produções oriundas de seis nações — França (com cinco títulos), Itália (com dois), Alemanha, Grécia, Noruega e Suíça, com um cada (ver “Filme a Filme”, abaixo).

Entre os cineastas que vieram prestigiar o festival destaca-se a francesa Audrey Diwan, que aqui chega recomendada pelo Leão de Ouro de Veneza. Ela o recebeu por seu filme mais famoso – “O Acontecimento”, baseado em livro de Annie Ernaux, Prêmio Nobel de Literatura.

Feminista juramentada, a diretora desembarcou em nosso país para – vejam só! – apresentar “Emmanuelle”. Sim, um remake do drama erótico que causou furor, mundo afora, em 1974. Naqueles tempos, em que não havia internet e a nudez era rara em “cinemas de família”, a atriz holandesa Sylvia Kristel (1952-2012) causou espécie nos moralistas. E alimentou o olhar de milhares de marmanjos. O filme fez tanto sucesso que deu origem até a uma pornochanchada brasileira, chamada “Emmanuelle Tropical” (Jota Marreco, 1977).

Em encontro com a imprensa, Audrey Diwan deixou claro que seu filme traz “outro olhar”, outra perspectiva sobre as transgressões amorosas de Emmanuelle. No filme original, a bela mulher ia parar em Bangoc, na Tailândia, onde vivia experiências sexuais com homens e mulheres. No filme atual, Emmanuelle, encarnada pela francesa Noémi Merlant, vai, a trabalho, a Hong Kong, e senhora de seu destino, vive as experiências sexuais que deseja viver. É realmente senhora de seus prazeres.

Audrey Diwan, diretora de “Emmanuelle”

Além de Diwan, a França se faz representar por dois diretores – Morgan Simon, que inspirou-se em sua própria mãe para contar a história de uma mulher de 52 anos, que redescobre o prazer de viver, e Frédéric Farrucci, com um filme de título déjà vu – “O Último dos Moicanos”.

OK, todo mundo conhece o famoso longa-metragem de Michael Mann (1992), protagonizado pelo britânico Daniel Day-Lewis. O que teria levado Farrucci a repetir nome tão atrelado ao imaginário do espectador?

Quem assistir ao filme, entenderá. A trama se passa na Córsega, ilha mediterrânea francesa, e antagoniza um criador de ovelhas (disposto a tudo, para defender seu chão) à máfia corsa.

Com arma de fogo, um ancinho ou uma pedra, o pastor lutará, como o “último moicano”, contra especuladores imobiliários ocupados em transformar sua ilha natal numa verdadeira “Costa do Concreto”. O ator Alex Manenti, que causou furor em “Os Miseráveis” (Ladj Ly, 2019, finalista ao Oscar), arrasa na pele do pastor que ama sua ilha e suas cabras.

Da Grécia vieram o diretor Alexandros Avranas e a atriz Eleni Roussinou. Os dois representam o filme “Síndrome da Apatia” (“Quiet Life”). Na conversa com a imprensa, o diretor não negou fogo. Como os irascíveis realizadores da “Nova Onda Grega”, deu a entender que seu país é “o inferno do inferno”. Mas falou, com imenso interesse, sobre a série “Os Outros”, que Lucas Paraíso escreveu para a Rede Globo e mobilizou elenco notável, liderado por Adriana Esteves.

Da Suíça, vem “o mais brasileiro dos helvéticos”, Georges Gachot. Ele fala português, é louco por MPB e conhece nosso cinema. Instado a citar algum filme brasileiro, retido em sua memória, foi cirúrgico: “Cinema, Aspirinas e Urubus”, pequena maravilha criada pelo pernambucano Marcelo Gomes.

Gachot realizou quatro filmes no Brasil – “Maria Bethânia” (2005), “Nana Caymmi em Rio Sonata” (2010), “O Samba”, com Martinho da Vila (2014), e “Onde Está Você, João Gilberto?” (2018). Dessa vez, ele foi dar com os costados nos EUA, em busca da história de Errol Gardner (1921-1977), o jazzista que Nelson Freire tanto admirava.

Georges Gachot, diretor de “Misty, A História de Errol Gardner”

Voltemos no tempo e lembremos o documentário “Nelson Freire” (João Moreira Salles, 2003). Nele, o pianista brasileiro falava de seu encanto ao deparar-se com o mix de alegria e prazer, que banhava os olhos de Gardner, quando ele tocava. Pois, com imagens impressionantes, colhidas em arquivos estadunidenses e internacionais, Gachot desenhará fascinante retrato do artista que chorava de alegria e êxtase ao dedilhar seu piano. E que morreu aos 55 anos, percorrendo palcos internacionais e trabalhando sem descanso.

Tom Tykwer, o diretor do badalado “Corra, Lola, Corra!” e da série “Berlim Babilônia”, representa a Alemanha no Festival Europeu. E o faz com novo (e polêmico) filme, “A Luz”. Desde o cult movie dedicado à acelerada Lola, que ele não emplaca sucesso similar. Até sua versão do best seller “Perfume – A História de um Assassino” causou dissabores (embora haja quem aprecie o filme).

Jean-Thomas Bernardini, em encontro com a imprensa e ao lado de seus convidados internacionais, lamentou que filmes europeus, capazes de conquistar imensas plateias em seus países de origem, mobilizam exíguas quantidade de espectadores em solo brasileiro.

Por isso, com a Prefeitura de Niterói na retaguarda, organizou o Festival de Cinema Europeu e fez questão de trazer cinco diretores, uma diretora e uma atriz para apresentar seus filmes e realizar debates com o público cinéfilo.

“Não investimos, nesse primeiro festival” — avisou —, “em um núcleo histórico”, pois, “queríamos destacar e valorizar a diversidade e a força do cinema europeu contemporâneo”.

Que o diálogo com o passado se estabeleça nas futuras edições. Este ano, Bernardini e sua equipe perderam a chance de homenagear o centenário do Wojciech Jerzy Hass (1925-2000), diretor de “Manuscrito de Saragoça”, um dos cult mais festejamos pelos cinéfilos poloneses.

Confira os filmes selecionados:

DA NORUEGA

. “Dreams”, de Dag Johan Haugerud (Noruega, 2025, 110 minutos) – O filme escandinavo encerra a trilogia “Sex Love Dreams” do realizador norueguês e chega ao Brasil recomendado pelo Urso de Ouro, que lhe foi outorgado pelo júri do último Festival de Berlim. A Imovision já lançou os dois primeiros filmes de Haugerud. As histórias são independentes, cada filme tem seus próprios personagens e tramas. No laureado “Dreams”, a protagonista, Johanne, registra, num caderno, intensa descoberta erótica. Ela está profundamente atraída por sua professora de francês. A situação se torna complicada quando mãe e avó da personagem têm acesso aos registros. De início, elas ficam horrizadas com os detalhes contidos no caderno. Mas acabarão encantadas com a fina escrita da jovem.

dreams
“Dreams”, de Dag Johan Haugerud

DA FRANÇA

. “Emmanuelle”, de Audrey Diwan (2025, 107 minutos)
Releitura do clássico erótico realizado em 1974. A cineasta debaterá seu filme com o público paulistano, no Reserva Cultural, nesse sábado, após a sessão das 20h45.

. “O Último Moicano”, de Frédéric Farrucci (2024, 83 minutos)
O diretor integra a delegação francesa que participa de debates em quatro cidades brasileiras (Niterói,  São Paulo, Brasília e Salvador). Nesse sábado, às 18h, ele estará na Reserva Cultural para trocar ideias com o público, após a exibição do filme.

. “Entre Nós, o Amor”, de Morgan Simon (2024, 97 minutos)
Com a atriz ítalo-francesa Valeria Bruni-Tedeschi e o jovem Félix Lefebvre. O cineasta, que está no Brasil, debaterá seu longa-metragem, nesse domingo, às 17h30, na Reserva Cultural, na Avenida Paulista. O filme, conforme ele relatou em conversa com a imprensa, é uma homenagem à própria mãe. “Muitas mulheres” – refletiu – “pensam que a vida acaba aos 50 anos. Isso não é verdade”. Em seu longa-metragem, Simon acompanha a vida de Nicole, de 52. Ela mora num conjunto habitacional suburbano na companhia de Serge, seu filho de 19. O rapaz não aguenta a convivência com a mãe, desempregada e endividada. Para piorar, ela perde o talão de cheques e o cartão de crédito. Suas rugas se aprofundam. Chega o Natal e algo pode acontecer. E trazer esperanças à angustiada cinquentona.

. “Brincando com Fogo”, dirigido pelas irmãs Delphine e Muriel Colin (2024, 119 minutos)
No centro da trama, está Pierre, um pai solteiro de 50 anos, interpretado pelo grande ator Vincent Lindon. Ele vive com seus dois filhos, Louis, o caçula, que está prestes a sair de casa para estudar em Paris. Fus, o mais velho, vive cada vez mais recluso e acaba se envolvendo com grupos de extrema direita. Aliando-se, para profundo desgosto do pai, a forças retrógradas, em tudo opostas aos ideais paternos. A relação de amor e ódio entre os dois se processará, até que uma tragédia chegue para mudar tudo.

. “Monsieur Aznavour”, de Medhi Idir (2024, 133 minutos)
Com Tahar Rahim, de “O Profeta”, que dá vida ao cantor francês, de origem armênia (1924-2018). Cinebiografia que mostra o artista, conhecido internacionalmente, desde sua infância humilde, pois filho de refugiados, até a glória. O compositor e cantor deixou legado de 1.200 canções, gravadas em diversos idiomas.

DA ITÁLIA

. “Em Qualquer Lugar, a Qualquer Hora”, de Milad Tangshir (2024, 85 minutos)
Drama social inspirado em “Ladrões de Bicicleta” (Vittorio De Sica, 1948), o mais seminal dos filmes do Neo-Realismo italiano. O protagonista do novo longa, um imigrante, necessita de uma bicicleta para trabalhar. Mas não tem dinheiro para comprá-la. Tentará adquirir uma de segunda mão.

. “Ópera! Canção para um Eclipse”, de Paolo Gep Cucco e Davide Livermore (2024, 106 minutos)
Recriação livre e contemporânea da ópera “Orfeu e Eurídice”, contando em seu elenco com o francês Vincent Cassel e a almovariana Rossy de Palma. Um tiro mortal interrompe o casamento de Eurídice, lançando Orfeu em mergulho no reino de Hades (representado pelo Grand Hades Hotel) em busca da mulher amada. Em sua jornada, ele cruzará o caminho de diversos personagens, “embalado por canções que transcendem a própria morte”.

DA ALEMANHA

. “A Luz”, de Tom Tykwer (2025, 165 minutos)
O diretor germânico está no Brasil e nesse sábado, às 14h, após a exibição do filme, participará de debate com o público paulistano, no Reserva Cultural. Diretor revelado internacionalmente com o eletrizante “Corra, Lola, Corra!” (1998), ele seguiu carreira somando sucessos e fracassos (um destes, “Paraíso”, filmagem de roteiro deixado por Kieslowski). A série “Berlim Babilônia” (2017), que o teve como um de seus criadores e diretores, causou sensação no streaming. A nova aventura de Tykwer, de 59 anos, programada pelo Festival Europeu, dura quase três horas e dialoga, em certa medida, com o “Teorema” de Pasolini. A família Engels, germânica com o parceiro de estudos de Karl Marx, encontra-se em processo de desintegração. Em silêncio, seus integrantes mal se relacionam. Vivem rotina desprovida de afeto. Até que Farrah, uma empregada recém-chegada da Síria, vem trabalhar na casa deles. Misteriosa e enigmática, ela se torna o centro silencioso da casa. Um a um, todos se aproximam dela. Nenhum deles sabe que ela os escolheu.

“A Luz”, de Tom Tykwer

DA SUÍÇA

. “Misty, A História de Errol Gardner”, de Georges Gachot (2025, 93 minutos)
O cineasta debaterá seu filme com o público paulistano, nesse sábado, às 14h30. Gachot, apaixonado pelo Brasil e sua música, fala português.

DA GRÉCIA

. “Síndrome da Apatia”, de Alexandros Avranas (2024, 93 minutos)
O cinema grego voltou aos festivais internacionais, década e meia atrás, chamando atenção, por seus filmes “esquisitos”. E encontrou em Yorgos Lanthimos, hoje radicado na Inglaterra, sua figura símbolo. Avranas foi um dos seletos integrantes da “Nova Onda Grega”, com seu filme “Miss Violence”, de 2013. Ele está no Brasil, para participar do Festival Europeu, na companhia da atriz Eleni Roussinou, que desempenha papel coadjuvante em “Síndrome da Apatia”. Na conversa com os jornalistas paulistanos, a dupla derramou simpatia. Mas ele fez questão de definir seu país, a helênica e milenar Grécia, como “o inferno do inferno”. Em compensação, quando foi instado a indicar um filme brasileiro, surpreendeu a todos. Georges Gachot indicou “Cinema, Aspirinas e Urubus”. Audrey Diwan, “Aquarius”, Frédéric Farruci, “Bacurau”, e Morgan Simon, “Baby”. O escolhido da dupla grega foi a série “Os Outros”, da TV Globo. “Assistimos à primeira temporada e gostamos muito”. Mas “já sabemos que a segunda não resultou tão boa”. O novo filme de Avranas (“Quiet Life”) aborda síndrome que nós brasileiros desconhecemos, a da Apatia, mas que ele garante ser visível na Escandinávia. No caso, a Suécia, que ambienta o filme. É naquele país que um casal russo, Sergei e Natalia, e suas duas filhas pequenas, tentam obter o direito de asilo. Com a negativa das autoridades, uma das filhas, Katja, entra em “coma” (acusada pela Síndrome da Apatia). No material de divulgação do filme, ficamos sabendo que “Quiet Life” inspira-se em “fato real” e que, “na Suécia, 700 crianças já foram diagnosticadas com essa condição, sem causas definidas”.

DA ISLÂNDIA

. “Quando a Luz Arrebenta”, de Rúnar Rúnarsson (2024, 80 minutos)
O cinema islandês costuma nos brindar com paisagens brancas, pois cobertas de neve, e muitas ovelhas. A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o circuito Reserva Cultural são as mais constantes vitrines dos filmes produzidos no país. Que situa-se próximo ao Círculo Polar Ártico e é marcado pelo isolamento, pelo fogo dos vulcões e pela neve onipresente. Qualquer guia turístco nos revela dado impressionante sobre a Islândia: só 1,5% de seu território conta com árvores. O diretor Rúnarsson tem 48 anos e quatro de seus longas passaram pela Mostra (ou salas do Reserva): além de “Quando a Luz Arrebenta”, “Vulcão, de 2011, “Pardais” (2015) e “Ecos” (2019, este premiado pelo Júri Jovem de Locarno). O filme programado pelo Festival Europeu mostra a jovem Una, em processo de luto. Ela guarda um terrível segredo, enquanto tenta dar seguimento à sua vida. Só que as coisas não andam bem. Ela não consegue expressar suas emoções, tem dificuldade de relacionar-se com os que estão em seu entorno. Até que, num dia de verão, com a luz brilhando, “ela se depara com o amor e a amizade”. Mas, também, “com a tristeza e a beleza”.

DA UCRÂNIA

. “Você é o Universo”, de Pavlo Ostrik (2024, 112 minutos)
O filme é apresentado como mistura de drama e comédia, ambientado em futuro próximo. O cosmonauta ucraniano Andriy Melnyk transporta lixo nuclear em um cargueiro para Calisto, a lua abandonada de Júpiter. Durante vôo de rotina, a Terra explode. O cosmonauta escapa das consequências da explosão. Ele se torna o único sobrevivente do universo, até que Catherine, uma francesa, o chama de uma estação espacial distante. Para encontrá-la, ele enfrentará os mais difíceis obstáculos.

 

Festival de Cinema Europeu Imovision
Data: 24 a 30 de abril
Programação: 14 filmes vindos de nove países
Local: sessões em 75 cinemas de 35 cidades
Ingressos: adquiridos pelo site Ingresso.com. Para quem quiser maratonar, o Reserva Cultural de SP e o de Niterói criaram o Passaporte Reserva, que dará direito a seis sessões do festival pelo valor de quatro ingressos.

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