Trilogia norueguesa sobre sexo, amor e sonhos revela Johan Haugerud como nova estrela do cinema nórdico

Por Maria do Rosário Caetano

A conquista do Urso de Ouro no Festival de Berlim, em fevereiro último, direcionou a luz dos refletores para a figura de Dag Johan Haugerud, bibliotecário que assumiu novos ofícios, primeiro, o de escritor e, depois, o de diretor de projetos audiovisuais. Agora sexagenário, e com o Urso dourado outorgado a “Dreams” (fecho de sua Trilogia Norueguesa) na estante, o realizador entra para o primeiro time do cinema contemporâneo nórdico. Seu Urso de Ouro foi, inclusive, referendado pelo Prêmio Fipresci (Federação Internacional de Críticos de Cinema). E as atenções voltaram-se, também, para “Sex” (foto) e “Love”, os outros dois títulos da trilogia.

Os brasileiros verão os três filmes do escritor-cineasta graças à ação de Jean-Thomas Bernardini, o franco-brasileiro que comanda a Imovision. A distribuidora lança, nessa quinta-feira, 3 de abril, “Sex” e “Love”. Depois, em data a definir, “Dreams”, o laureado na Berlinale.

Registre-se, aqui, que Bernardini não saiu correndo atrás de “Sex” e “Love” depois do triunfo de “Dreams”. Os três filmes foram comprados no mercado do Festival de Veneza. Dois deles participaram da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro do ano passado. Portanto, quase quatro meses antes da consagração do filme nórdico com um dos troféus mais disputados dos festivais internacionais.

O distribuidor e exibidor, responsável pelo Circuito Reserva Cultural, é um cinéfilo apaixonado pelo cinema de arte e ensaio e tem o cinema europeu como celeiro de suas escolhas. Tanto que, no final desse mês de abril (de 24 a 30), ele promoverá o Festival de Cinema Europeu em cidades brasileiras, lideradas por Niterói, onde a Imovision programa o belo Circuito Reserva Cultural – Caminho de Niemeyer. O conjunto de salas está incrustado em centro cultural criado pelo maior dos arquitetos brasileiros e forma “caminho” turístico, que vai dar no MAC, Museu de Arte Contemporânea, um apaixonante “disco voador” aterrissado em águas atlânticas.

A programação do Festival Europeu ainda não foi divulgada, mas dá para arriscar: “Dreams” deve ser um dos títulos programados, já que haverá filmes da Noruega!, Alemanha, França, Itália, Grécia, Suíça, Islândia e Ucrânia.

“Sex”, longa-metragem que abre a Trilogia (não se preocupem, pois um não depende do outro), é fascinante. Reúne dois protagonistas, trabalhadores braçais, que limpam chaminés. Ambos mantêm casamentos heterossexuais. Mas, um dia, um deles exercia seu ofício, quando foi convidado pelo dono da casa para sessão de sexo homossexual. Ele topou e gostou. Até gozou, saberemos mais tarde.

O outro limpador de chaminé não chegou às vias de fato com parceiro masculino, mas vem sonhando com uma espécie de divindade erótica, corporificada na estampa do astro britânico Davi Bowie. E, nos sonhos, ele, o sonhador, é uma mulher.

Com sutileza e ótimos diálogos, Haugerud nos levará a refletir, junto com seus personagens, sobre questões de gênero, identidade, amor, sexualidade e desejos os mais recônditos.

A mulher do limpador de chaminé, o que fez sexo com parceiro masculino, entra em parafuso. Não entende o ato do marido, chora sem parar e insiste em conhecer todas os detalhes do que se passou. Sente-se traída. O marido argumenta que foi algo casual, jamais uma traição, pois não envolveu sentimentos amorosos. O argumento não convence a companheira.

A dupla mora numa casa confortável, tem um bom padrão de vida (o contraste entre trabalhadores braçais e gente rica, na Escandinávia, está anos luz adiante dos padrões do Terceiro Mundo). O filme acompanha, também com imenso interesse, a vida do limpador de chaminé que sonha com Davi Bowie. De quem, jura, nem é fã. Ele canta em um coral e tem um filho de 13 anos, que se julga medíocre por não estar entre os primeiros da classe (sua média é oito!).

Num dos melhores momentos do filme, pai e filho vão a um consultório médico, pois o menino está com dores fortes na mão. O pai, por sua vez, é instigado a cuidar de dor nas costas. Juntos, eles haviam carregado, em ato de generosidade, carga muito pesada.

A médica que os atende, de forma inesperada, contará incrível história de dois parceiros homoafetivos. Uma história que envolve tatuagem e o nome do arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright. Um dos protagonistas da narrativa é um psicólogo gay (depois de vermos “Love” concluiremos que já o conhecíamos). O outro, um arquiteto, como Wrigth.

Se “Sex” se passa no meio dos trabalhadores braçais, “Love” tem protagonistas mais intelectualizados — uma médica oncologista, um geólogo, um enfermeiro e um psicólogo. E tem, na água e numa barca, elementos de grande importância. A embarcação transporta solitários (ou não!) em busca de relacionamentos casuais. Com a ajuda, como convém aos nossos tempos, de dispositivos digitais.

O câncer também será essencial à trama urdida, com muita sutileza, por Haugerud. A médica atende a pacientes com tumores cancerígenos na próstata, que exigem tratamento pesado. E cirurgia. Saberemos que tal procedimento desarranjará zona de prazer erógeno em relações homossexuais.

O enfermeiro, que é gay, criará profunda relação com o psicólogo, travado e fixado em suas dores, desde que o câncer de próstata o afetou. E a médica, quarentona e celibatária, seguirá seu caminho atendendo a novos pacientes. Mas terá que decidir se assumirá relacionamento matrimonial com o geólogo, que assegura amar, acima de tudo, a filha e terrenos de complexas formações geológicas.

Quando os filmes de Haugerud começam, nos sentimos incomodados. Parecem muitos falados. Literários. À medida que os personagens e suas tramas vão se engrenando, esquecemos que tanto “Sex” quanto “Love”, com duas horas de duração (cada), se escoram na palavra, mais que nas imagens. São tão fascinantes, reveladores e envolventes, que já estamos seduzidos, acumpliciados. Atores formidáveis ajudam, claro, a dar vida aos personagens do escritor-cineasta.

A pequena Escandinávia, com seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), garantido por alta taxação dos ricos, continua fazendo jus ao grande cinema de Dreyer, Bergman e Lars von Trier. Haugerud, diretor de poucos longas-metragens, é um talento no qual os cinéfilos e o público mais exigente devem prestar a devida atenção.

 

Sex
Noruega, 2024, 119 minutos, primeiro filme da trilogia norueguesa
Direção: Dag Johan Haugerud
Elenco: Jan Gunnar Røise, Thorbjørns Harr, Anne Marie
Distribuição: Imovision

Love
Noruega, 2014, 118 minutos, segundo filme da trilogia norueguesa
Direção: Dag Johan Haugerud
Elenco: Andrea Bræin Hovig, Tayo Cittadella Jacobsen, Marte Engebrigtsen, Thomas Gullestad, Lars Jacob Holm
Distribuição: Imovision

Dreams
Noruega, 2025, fecho da trilogia, vencedor do Festival de Berlim
Direção: Dag Johan Haugerud
Distribuição: Imovision
Data de lançamento por se definir.

 

FILMOGRAFIA
Dag Johan Haugerud (Noruega, 1964)

2025 – “Dreams”
2024 – “Sex”
2024 – “Love”
2019 – “Nossas Crianças”
2012 – “I Belong”

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