Cinemateca Brasileira apresenta panorama de 22 filmes realizados entre 1964 e 1972 em Praga e Bratislava
Foto: “Pássaros, Órfãos e Tolos”, de Juraj Jakubisko
De 21 de maio a 1 de junho, a Cinemateca Brasileira apresenta a mostra Tchecoslováquia Proibida, um panorama dos “filmes do cofre”, como ficaram conhecidas as obras banidas no país após a invasão soviética no ano de 1968. Além de filmes, a programação conta com a exposição “A Primavera de Praga (1968)”, que aborda a atmosfera da liberalização política, social e cultural da década de 1960 da antiga Tchecoslováquia Comunista e as atividades reformistas, ocorridas no país a partir do final de 1967. Serão oferecidas também duas atividades de formação com a pesquisadora Dra. Klára Trsková: a masterclass “Tchecoslováquia Proibida: cinema, censura e conservação de filmes no contexto histórico do Leste Europeu”, na Cinemateca Brasileira, e um curso que aprofundará o tema, no CINUSP, cinema da USP.
Com narrativas subversivas, satíricas e sombrias, produzidas entre 1964 e 1972, período de grande efervescência cinematográfica nos territórios tchecos e eslovacos, a programação destaca clássicos consagrados e raridades inéditas no Brasil, dirigidas por nomes como Miloš Forman, Věra Chytilová, Juraj Jakubisko e Dušan Hanák.
O cinema da Tchecoslováquia é um capítulo à parte na explosão dos Novos Cinemas dos anos 1960. No início da década, entre Praga (atual Tchéquia) e Bratislava (atual Eslováquia), uma nova geração de diretores ganha corpo com uma coleção de filmes inovadores que rapidamente atraem olhares de todo o mundo. No fenômeno conhecido localmente como o “milagre do filme tchecoslovaco”, surgem no mapa do cinema internacional diretores como Štefan Uher, Miloš Forman, Jaromil Jireš, Juraj Jakubisko, Věra Chytilová, Evald Schorm, Jan Neměc, entre muitos outros.
Todos compartilham a mesma formação – os estudos na FAMU, lendária escola pública de cinema fundada em 1946, ainda nos primeiros suspiros socialistas pós-Segunda Guerra Mundial – e uma condição de criação privilegiada: ao longo da década de 1960, houve um processo de descentralização da produção cinematográfica do país (com núcleos produtores comandados por intelectuais, escritores e roteiristas) que possibilitou uma diversidade alucinante de realizações. No socialismo tchecoslovaco dos anos 1960, havia estrutura, excelência de formação, financiamento e liberdade. Nenhum outro “novo cinema” pôde emergir de um contexto tão inspirador. Quando ocorreu a chamada Primavera de Praga, em 1968, consagração das boas vibrações do “socialismo com a face humana” da política do chefe de estado Alexander Dubček, a Nova Onda já estava consolidada. Entre realizações ousadas de inclinação surrealista, comédias catárticas, dramas maduros, animações delirantes e documentários criativos, o cinema da Tchecoslováquia destacava-se nos principais festivais do mundo e em premiações estrangeiras – o país ganhou duas estatuetas no Oscar, celebração da indústria dos Estados Unidos, entre 1965 e 1968.
As complexidades políticas do país influenciaram a produção de filmes naqueles anos, mas o grande evento transformador ocorreu em agosto de 1968: a invasão das tropas do Pacto de Varsóvia que abortou os desejos da Primavera. No cinema, o impacto foi praticamente imediato. Os arroubos ousados da geração “milagrosa”, que naquele momento experimentava uma intensa radicalização estética e temática, foram interrompidos em pleno vôo. Toda a estrutura que favorecia a criatividade dos diretores foi destituída. Muitos cineastas e roteiristas ficaram anos sem a permissão para filmar. Interditou-se, até os anos 1990, a circulação de dezenas de filmes, incluindo títulos que ainda não haviam sido exibidos.
A programação completa da mostra pode ser conferida em cinemateca.org.br.
Masterclass Tchecoslováquia Proibida: cinema, censura e conservação de filmes no contexto histórico do Leste Europeu
A masterclass abordará o fenômeno dos “filmes do cofre”, produzidos na então Tchecoslováquia, ou seja, das obras cinematográficas que, após a invasão do país pelos soviéticos em agosto de 1968, foram proibidas de serem exibidas nos cinemas, transmitidas na televisão ou até mesmo divulgadas publicamente.
Muitos desses filmes, inacessíveis a espetadores até 1989, tornaram-se símbolos da resistência artística. Assim, a masterclass fornece uma visão geral da censura na indústria cinematográfica tchecoslovaca, em particular após o período da chamada Primavera de Praga, caraterizada pela liberalização política, social e cultural e posteriormente derrubada pela invasão em 1968.
No início, será apresentado o sistema centralizado de produção, realização e distribuição de filmes existente na época. Em seguida, serão projetados trechos de filmes banidos, destacando as razões para tal censura – desde enredos considerados subversivos até a perseguição política de seus diretores, roteiristas ou atores.
Além disso, será discutido como o fenômeno dos filmes do cofre reflete as tensões entre a arte e o poder político, e qual foi o papel do Arquivo Nacional do Cinema (Národní filmový archiv – NFA) na preservação dos filmes politicamente desfavoráveis. A masterclass será proferida em português.
Klára Trsková, Ph.D. (*1992), formada pela FAMU (Faculdade de Cinema da Academia de Artes Cênicas de Praga) e pela Faculdade de Letras da Universidade Carolina de Praga, trabalha como curadora no Arquivo Nacional de Cinema da República Tcheca em Praga. Sua tese de doutorado teve como enfoque a representação de mecanismos de opressão na literatura africana escrita em português. Curatorialmente, interessa-se pelo cinema da América Latina, da África Subsaariana e do sudeste da Ásia. Gosta de explorar as relações culturais do período internacionalista na Tchecoslováquia antes de 1989, dedicando-se à programação de ciclos de filmes estudantis e de minorias nacionais e também a temas relacionados com gênero e feminismo.
Exposição A Primavera de Praga (1968)
A exposição “A Primavera de Praga (1968)” aborda a atmosfera da liberalização política, social e cultural − inclusive na área de cinema – da década de 1960 da antiga Tchecoslováquia Comunista e as atividades reformistas, ocorridas no país a partir do final de 1967. Relata também a pressão antirreformista da União Soviética sobre a nova direção do Partido Comunista da Tchecoslováquia (liderado por Alexander Dubček), a invasão do país pelas tropas do Pacto de Varsóvia (em 21 de agosto de 1968) e suas consequências, (tanto a nível nacional quanto internacional).
A exposição será acompanhada por fotos de autoria de Oldřich Škácha que apresentam os momentos significativos da vida e o trabalho de Václav Havel, último presidente da Tchecoslováquia e o primeiro presidente da República Tcheca, desde a sua atividade política como escritor e dissidente durante as décadas de 1970 e 1980. Destacam-se os registros emocionantes das manifestações na Praça Venceslau, em Praga, em novembro de 1989, nas quais Václav Havel teve papel fundamental. Conhecido já muito antes da Revolução de Veludo, Havel tornou-se um dos personagens mais notáveis da oposição ao regime comunista, ganhando respeito também fora do país como um defensor dos direitos humanos, da paz e da liberdade de expressão.
Pingback: news-1747840142492-16471 – News Conect Inteligencia Digital