Otávio Augusto integra elenco de “Notícias da Lua”, filme inaugural do FAM que abraça a causa dos neurodivergentes

Por Maria do Rosário Caetano, de Florianópolis (SC)

O ator Otávio Augusto, de 80 anos, 60 deles dedicados ao teatro, cinema e à televisão, causou frisson na noite de abertura do FAM, o Florianópolis Audiovisual Mercosul.

As salas do circuito Cine Show do Beiramar Shopping, palco do festival, receberam lotação recorde. Até porque houve mobilização da equipe do filme “Notícias da Lua”, de Sergio Azevedo, para que o público neurodivergente (ou “autista”, como lembrou o cineasta) comparecesse. E ele compareceu.

Sergio Azevedo e boa parte de sua equipe, incluindo o protagonista mirim, Davi Burg, integram o espectro neurodivergente. O comando do FAM detalhou, para a plateia, que assistiríamos a uma “sessão acolhedora”. Por isso, determinados procedimentos deveriam ser adotados: as palmas ruidosas deveriam ser substituídas por acenos (silenciosos) de mão e a luminosidade da sala seria diminuída (longe da escuridão exigida por sessões tradicionais).

Otávio Augusto apresentou-se no palco do FAM junto à equipe artística e técnica. Após a exibição do curta, uma ficção de apenas 17 minutos, houve debate. Davi Burg, que interpreta Luã, um menino autista de 10 anos com hiperfoco em astronomia, assistiu a tudo com interesse. Mesmo caso da produtora Betina Azevedo, companheira do diretor-roteirista. Mas nenhum dos dois quis falar, pois estavam muito emocionados.

Otavio Augusto, que interpreta Astor, zelador da escola onde o garoto estuda, e Sergio Azevedo falaram bastante sobre o projeto. A trama parte de perturbação que toma conta de Luã. Depois de visita escolar ao Planetário, ele se inquieta com a frase “o lobo comeu a lua”. Sem entender a linguagem figurada, o menino, apaixonado por astronomia, parte em busca da resolução do mistério. O que teria acontecido com seu astro preferido? Ele teria desaparecido?

Astor, o zelador do colégio, que também ama a ciência e a astronomia, irá ajudar Luã em sua busca. Fingirá ser um astronauta. Tudo chegará a bom termo, pois Luã irá reencontrar a lua. E, assim, solucionar o conflito que surgira no Planetário.

Sergio Azevedo contou que “Notícias da Lua” vem tendo ótima receptividade e já foi convidado para doze festivais. Por isso, ele planeja, agora, transformar a trama do curta em matéria-prima de um longa-metragem, cujo título será “Meu Amigo Astor”. Otávio Augusto fará, claro, parte do novo elenco. E haverá um papel especial para Cristina Mullins.

O cineasta catarinense não conhecia Otávio Augusto. Mas, ao assistir ao filme “Eduardo e Mônica” (Renê Sampaio, 2020), justo no momento em que planejava o roteiro de “Notícias da Lua”, sonhou em convidá-lo para o papel. No filme que adaptou a canção de Renato Russo para as telas, coube a Otávio interpretar Bira, um militar reformado, de rígidos princípios, responsável pela criação do neto Eduardo. O agente do ator foi contatado e o roteiro encaminhado. Otávio leu, gostou e trocou impressões com o cineasta, por via digital.

O filme foi realizado na região de Criciúma. E o paulista (da interiorana São Miguel) Otávio Augusto pôde relembrar os anos iniciais de sua carreira cinematográfica, ocorridos justo em Santa Catarina. Tudo começou com seu primeiro filme (“A Guerra dos Pelados”, de Sylvio Back, 1970). Aqui, ele viveria uma louca aventura — as filmagens de “Prata Palomares”, longa concebido por André Faria e José Celso Martinez Corrêa. Então envolvido visceralmente com o Teatro Oficina, Otávio fez de tudo neste acidentado longa-metragem. Inclusive a assistência de direção. “Passamos uns quatro meses aqui em Santa Catarina, nunca me esqueci das filmagens, realmente muito marcantes”. O filme acabaria interditado pela Censura e só seria liberado em 1979.

Otávio Augusto na sessão de abertura do FAM

Já as filmagens de “Notícias da Lua” foram tranquilas. E Otávio Augusto pôde improvisar e praticar o gênero que mais gosta e que o consagrou — a comédia. O público de TV, por exemplo, nunca há de esquecer-se do vampiro Oswaldo Mattoso, o Matosão, da novela “Vamp”, pois ele era (pasmem!) banguela. Onde já se viu um vampiro com um só dente pontudo?

Pois o ator propôs a brincadeira à equipe do folhetim global e ao autor Antônio Calmon. Todos toparam a parada maluca. E — milagres da comédia — o Matosão alcançou imensa repercussão. Em especial, junto às crianças e aos jovens. O vampiro banguela tornou-se um dos personagens mais lembrados da novela. Para a alegria do ator, que gosta de atuar em dramas, mas não esconde seu apreço por criaturas engraçadas.

No cinema, um dos momentos mais lembrados de Otávio Augusto se deu no filme “Boleiros, Era Uma Vez no Futebol”, de Ugo Giorgetti (1998). Juntos, os dois fariam um total de seis longas-metragens. O primeiro foi “Festa” (1988), vencedor do Festival de Gramado, no qual interpretava um maître. Depois viria “Sábado” (1994), e ele seria escalado para viver um agente funerário. O terceiro, o mais lembrado por seus fãs, seria “Boleiros”. Depois viriam “O Príncipe”, “Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos” e “Uma Noite em Sampa”.

“Até hoje” — lembrou o ator — “espectadores, principalmente aqueles que amam o futebol, comentam comigo que nunca se esqueceram do juiz-ladrão criado por Giorgetti”. Aliás, “reforço que foi criado, nas não inventado, pois o diretor-roteirista inspirou-se em juiz de existência real, do tipo que chamamos de  ‘juiz-gaveta’. Aquele que levava grana para que determinado time vencesse. Se um pênalti fosse cobrado e convertido, ele inventava um jeito para que a cobrança fosse repetida, alegando razão inexistente”.

Otávio Augusto conta que nunca interpretou um protagonista na TV, mas no teatro e no cinema, sim. Com “Mar de Rosas”, de Ana Carolina, foi premiado no Festival de Toronto. Brilhou em “Bendito Fruto”, de Sergio Goldenberg, ao lado de Zezé Barbosa e Vera Holtz, e em “Doces Poderes”, de Lúcia Murat. Aliás, ele sempre fez questão de impregnar seus personagens de muita humanidade. E, se possível, de altas doses de ironia. Pois adora fazer rir.

Por isso, seus desempenhos, mesmo de personagens coadjuvantes, costumam encher a telinha da TV, o telão dos cinemas e os palcos. Seu último espetáculo teatral — “A Tropa” — permaneceu oito anos em cartaz. “Interpretei um militar da reserva, internado num hospital, que recebe a visita de quatro filhos, um deles, um empresário investigado por corrupção, o outro um dentista militar, uma jornalista em crise profissional e um jovem usuário de drogas. Excursionamos por muitos cantos desse nosso país. Nos aguardem, pois estamos pensando em nova montagem”.

Em conversa com o público do FAM sobre sua trajetória, o apresentador Ed Soul perguntou a Otávio Augusto se ele teria algum conselho a dar a jovens aspirantes à carreira de ator. A resposta foi objetiva: “Nenhum”. E justificou: “quem quer ser ator sabe o que deve fazer. Se preparar, saber cantar, dançar, sapatear, fazer mímica. Infelizmente, não temos uma boa escola de mímica no Brasil. Uma falha grave. Por sorte temos uma boa escola de circo”.

Ao contar história vivida em seus tempos no Teatro Oficina, Otávio Augusto deixou subtendido um conselho a aspirantes ao ofício que o ocupa há seis décadas: saber improvisar:

— Quando montamos “Galileu, Galilei”, no Teatro Oficina, eu estava contracenando com Cláudio Corrêa e Castro, o Galileu. Houve um imprevisto no cenário e eu tive que me virar, contornar aquele imprevisto, para não impedir o trabalho do Cláudio. Minha profissão exige isso. A gente se expõe muito. E temos sempre que fazer o melhor.

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