Os porquês do sucesso de “Tropa de Elite 2”

O produtor James Darcy, da Zazen Produções, descreve nesta entrevista exclusiva à Revista de CINEMA os principais passos que levaram “Tropa de Elite 2”, de José Padilha, ao patamar máximo do cinema nacional, como o filme brasileiro mais visto nos últimos 30 anos; fala sobre a mudança no foco da produção, com a captação de dinheiro na iniciativa privada, e da distribuição. Distribuído em 700 salas e com um plano de marketing estratégico, incluindo a internet e empresas de consultoria, o filme faturou mais de R$ 100 milhões e um público que ultrapassou os 10 milhões de ingressos.

“Tropa de Elite 2” mostrou que a indústria audiovisual brasileira não precisa ser financiada apenas com editais e incentivos fiscais. A marca “Tropa de Elite” atraiu empresas que nunca haviam feito patrocínio ao cinema nacional, como a Net, de TV a cabo, a Samsung, Brahma e Unimed. James Darcy garante, enchendo a boca: “‘Tropa de Elite 2’ foi o melhor investimento do ano de 2010 no Brasil”. Será um exemplo a ser seguido por outras produtoras?

Nascido nos Estados Unidos em 1971, James veio com a família para o Brasil aos seis anos de idade. Formou-se em Administração de Empresas, trabalhou no setor financeiro (Arthur Andersen S/C e Banco Pactual S/A) e industrial (Continac S/A), e foi parar na Conspiração Filmes em 2002, como gerente de marketing e comercial. Em 2005 passou a trabalhar com José Padilha e Marcos Prado na Zazen Produções, dedicando-se ao financiamento das produções, negociação de contratos de distribuição e estratégia de marketing dos filmes da produtora, em especial “Tropa de Elite” (2007) e “Tropa de Elite 2” (2010), ambos de José Padilha. James destaca nesta entrevista o planejamento, as estratégias e o marketing que fizeram do último “Tropa” a maior bilheteria do cinema nacional das últimas décadas.

Revista de CINEMA – Antes da primeira filmagem de “Tropa de Elite”, poucas empresas anunciantes atentaram para o sucesso do filme. Muitas achavam que não se tratava de um bom negócio. Como se deu esse processo no segundo longa da série?
James Darcy – A questão é mais complexa e vai além de simplesmente associar a marca a um filme violento. A maioria das empresas, ao patrocinar um projeto, busca criar elos entre a identidade de sua missão corporativa e os valores e questões abordados em determinado projeto. Mesmo com todo o sucesso de “Tropa de Elite”, a conquista de patrocinadores para o “Tropa de Elite 2” foi árdua e as negociações levaram um bom tempo. Eu diria até mais do que imaginávamos. Além de reunir os parceiros do primeiro filme, nosso objetivo era mostrar para empresas que nunca haviam patrocinado um projeto audiovisual que o cinema é um ótimo meio para divulgação de marcas. O resultado final é que a Claro, CSN, Riachuelo e Hotéis Marina continuaram no segundo filme da série e empresas como NET, Unimed e Samsung fizeram sua “estreia” nas telonas. Complementado a lista de patrocinadores estão Brahma e Cinpal, que já patrocinaram outros filmes, mas não estavam no primeiro longa.

Revista de CINEMA – “Tropa de Elite 2” foi financiado com incentivo fiscal e com investimento privado, não é? Você poderia explicar brevemente o financiamento e a viabilização comercial do longa, orçado em R$ 14,5 milhões?
James Darcy – A maior parte do orçamento foi financiada com investimento privado, pois além de se fazer um grande filme, o objetivo era mostrar ao mercado financeiro que o cinema, além de ser uma ótima diversão, pode também ser um ótimo negócio. Nesse sentido, “Tropa de Elite 2” era o projeto perfeito. Aliado ao fato de ser a sequência de um dos maiores fenômenos da cinematografia nacional, a distribuição independente contribuiria para a maximização das receitas. Como investidores privados estão acostumados com planos de negócios bem elaborados e transparência em toda operação, fizemos questão de apresentar um projeto sólido e cuja operação seria auditada do início ao fim. Sendo assim, escolhemos a Dikaios para nos ajudar no plano de negócios e a Deloite para auditar todo o processo.

Revista de CINEMA – Em janeiro de 2011 vocês puderam realmente calcular e distribuir os lucros. Na virada do ano já se esperava um retorno de cerca de 200%.
James Darcy – Bom, por questões de confidencialidade não podemos divulgar qual foi a rentabilidade do filme, mas o que podemos garantir é que “Tropa de Elite 2” foi o melhor investimento do ano de 2010 no Brasil.

Revista de CINEMA – As receitas ainda podem aumentar com o desempenho do filme no exterior. Como essa fase vem sendo planejada?
James Darcy – No dia 8 de outubro o filme foi lançado no Brasil. No dia 11 de outubro o presidente da IM Global desembarcou no Rio com o firme propósito de representar “Tropa de Elite 2” no mercado internacional. Ao levá-lo do hotel até a cabine fechada do Severiano Ribeiro, bolamos um percurso que passaria em frente aos cinemas de rua. Ele ficou impressionado com as filas, assistiu ao filme e em menos de dez dias o deal estava fechado, e em conjunto definimos a estratégia de lançamento internacional do filme: marcar presença em festivais relevantes para em seguida negociá-lo nos principais mercados. Pouco mais de um mês depois, durante a AFM (American Film Market), “Tropa de Elite 2” já havia sido vendido para países como França, Alemanha, Suíça e Portugal, onde o lançamento está marcado para o inicio de março.

Revista de CINEMA – Como você avaliaria a participação do “Tropa 2” em Berlim?
James Darcy – O “Tropa de Elite 2”, por decisão do José Padilha e do Marcos Prado, foi exibido fora da competição oficial, pois o objetivo era aumentar as ofertas para territórios como Reino Unido, Espanha, Itália e México, que ainda estavam livres e nos quais o desempenho do primeiro filme foi muito acima das expectativas. Como as negociações ainda estão em andamento, isso demonstra que em Berlim o saldo foi positivo. Sem contar que todas as seções estavam lotadas e mais uma vez o filme foi calorosamente aplaudido.

Revista de CINEMA – A estrutura criada pela Zazen para lançar o “Tropa 2” era dividida em marketing, faturamento e programação, não é? Como foi isso? Qual foi a participação de Marco Aurélio Marcondes?
James Darcy – A estrutura de distribuição era uma só, que se interligava, pois estávamos todos no mesmo barco. O sucesso do marketing refletia no sucesso da programação e vice-versa e o faturamento era uma consequência natural do resultado do trabalho de marketing e programação. Marco Aurélio e eu formamos uma bela dupla onde cada um tinha suas responsabilidades. Ele a de fazer a programação e negociação com os exibidores e eu de cuidar da estratégia de comunicação, do marketing e do orçamento de lançamento do “Tropa de Elite 2”. É lógico que durante todo o processo havia uma grande sinergia entre nós.

Revista de CINEMA – Você poderia dizer qual foi o montante investido pela Zazen Produções em ações de marketing para promover a segunda versão de Tropa de Elite?
James Darcy – O valor investido foi proporcional à grandeza do filme, entretanto, em momento algum ficamos acima da média de R$ 6,3 mil por cópia em marketing e ações promocionais. O planejamento de mídia foi minucioso (mídia TV, impressa, exterior, online e mobile) e cada compra de espaço publicitário era muito bem negociado. Além do investimento feito pela Zazen, estimulamos patrocinadores do “Tropa de Elite 2” a realizar ações por conta própria associando suas marcas ao filme. Esse tipo de iniciativa nos ajudou bastante a ampliar a divulgação – e a um custo praticamente zero.

Revista de CINEMA – E como o marketing contribuiu para o enorme sucesso do filme?
James Darcy – Todo grande sucesso comercial, seja de um filme ou de outro bem/serviço qualquer, está relacionado a uma eficiente e eficaz estratégia de marketing e comunicação. No caso do “Tropa de Elite 2”, segmentamos os públicos que almejávamos atingir (fãs de “Tropa de Elite”, fãs de Capitão Nascimento, público “informal” de “Tropa de Elite”, movie goers e classes C, D e E) e definimos as mídias mais adequadas para atingir cada um destes segmentos.

Revista de CINEMA – Vocês apostaram alto na mídia online. É verdade que o “Atividade Paranormal” foi usado como um exemplo?
James Darcy – Outros filmes americanos já vêm usando bastante a mídia online para cativar o público, e o exemplo do “Atividade Paranormal”, uma produção independente, nos deu a certeza de que devíamos seguir por este caminho. Um dos meios onde o primeiro filme foi mais visto, mesmo que de forma ilegal, foi na web. Além disso, vimos que em diversas redes sociais havia comunidades relacionadas ao “Tropa de Elite” e seus personagens. Isso nos mostrava que existia um público considerável a ser atingido pela mídia online. Sendo assim, nossos objetivos com a comunicação online foram despertar o fã adormecido, fidelizar o público e finalmente provocar uma mobilização em torno do filme e de sua data de lançamento.

Revista de CINEMA – Como vocês mantiveram o interesse dos internautas pelo filme durante toda a fase de produção e de lançamento?
James Darcy – Mantivemos o interesse dos internautas alimentando-os constantemente de informações sobre a produção e sempre tentando preservar ao máximo a história que seria contada. O blog foi ao ar no dia 21 de janeiro, quando realizamos a coletiva de imprensa anunciando o início das filmagens. A partir de então, tivemos um profissional da equipe da Belemcom dedicado a alimentar o blog. Ele ia praticamente todos os dias ao set, filmava, tirava fotos e entrevistava a equipe e o elenco. Em seguida, e dentro de um cronograma estabelecido, postávamos matérias no blog. Para você ter uma ideia, em determinado momento tínhamos material para alimentar o blog durante dois meses sem a necessidade de mais entrevistas. Além disso, realizamos diversas promoções no blog – uma delas, feita pelo Twitter, tinha como prêmio acompanhar um dia das filmagens de “Tropa de Elite 2”.

Revista de CINEMA – O blog de “Tropa de Elite 2” não tinha exposição de marcas, mas estava aberto a parcerias. Como isso funcionava?
James Darcy – Essa decisão foi devida ao fato de querermos preservar o internauta da exposição excessiva de marcas. O que fizemos foi divulgar parceiros e patrocinadores de maneira inteligente dentro dos textos que eram publicados. Entretanto, quando subimos o “site oficial” do filme colocamos as marcas de todos na primeira página.

Revista de CINEMA – Você tem ideia de quais foram os números registrados pelo blog Tropa de Elite 2 (www.tropa2.com.br/blog) nas redes sociais?
James Darcy – Desde o dia em foi ao ar (21 de janeiro de 2010) até semana passada registramos mais de 1,4 milhões de visitas ao blog. Os vídeos que postamos no canal TROPA 2 no Youtube tiveram mais de 3,8 milhões de views.

Revista de CINEMA – Grosso modo, como é feita a divisão de receita de um filme exibido nos cinemas? E por que a Zazen decidiu distribuir o filme, algo inédito para um longa com o tamanho e as expectativas do “Tropa 2”?
James Darcy – No modelo tradicional, do preço do bilhete, metade fica com o exibidor, que repassa o saldo para a distribuidora que retém a taxa de distribuição, depois abate o custo do P&A (prints and advertising) e finalmente repassa o saldo para o produtor. A decisão de fazer a distribuição independente foi motivada por questões financeiras e ideológicas. Por se tratar de “Tropa de Elite”, o risco era consideravelmente menor, pois, como você disse, era um filme com grandes expectativas. Além de maximizar as receitas, com a eliminação de um intermediário, queríamos mostrar que existe um novo caminho viável para a distribuição de grandes filmes no Brasil.

REVISTA DE CINEMA – As atitudes tomadas em relação ao problema da pirataria surtiram efeito?
James Darcy – Certamente. O plano de segurança funcionou enquanto esteve sob nosso controle. Prova disso é que o filme só se tornou acessível para a pirataria quando o mesmo foi disponibilizado para o público em DVD e Blu-Ray. Mantivemos nossa atuação na segurança do filme, mas sempre nos perguntamos: o que leva alguém, que não terá qualquer retorno comercial, a se dar ao trabalho de perder horas na frente de um computador para colocar o filme na rede? Só pode ser um “espírito de porco” que acha que com isso ganhará status perante os internautas. Não só adotaremos tais medidas nas próximas produções da Zazen, como estamos à disposição para orientar as demais produtoras sobre como evitar tal problema.

REVISTA DE CINEMA – Como vem sendo planejado o lançamento do DVD e Blu-ray de “Tropa de Elite 2”? Como combater a pirataria nessa etapa?
James Darcy – Em home vídeo, o “Tropa de Elite 2” também teve um lançamento inovador. Disponibilizamos o Blu-ray para o varejo e locadoras e o DVD somente para as locadoras. Essa estratégia residiu no fato de querermos contribuir para os negócios das locadoras, que vinham se deteriorando em escala geométrica nos últimos anos em virtude da concorrência desleal da pirataria. No que se refere ao Blu-ray, o preço de venda final ao consumidor era de R$ 29,90. Ao praticar um preço bem abaixo da média para um lançamento, nosso objetivo era estimular a compra do produto oficial e, por outro lado, contribuir para o aumento do parque de tocadores Blu-ray no Brasil. Tomamos todo cuidado durante o processo de produção dos Blu-rays, que foi avaliado e acompanhado pela nossa equipe de segurança. Entretanto, quando o filme chega ao público é inevitável a pirataria. Nesse caso, nossa única esperança é que os consumidores se conscientizem de que a pirataria não afeta apenas os produtores, mas também alimenta outros tipos de crime.

REVISTA DE CINEMA – Em sua opinião, o que o cinema brasileiro pode aprender com o exemplo do “Tropa de Elite 2”?
James Darcy – Acredito que “Tropa de Elite2” mostrou que a indústria brasileira não precisa ser financiada somente com incentivos fiscais e que grandes filmes podem ser lançados de forma independente no Brasil.

 

Por Julio Bezerra

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