Começa hoje o 40º Festival de Cinema de Gramado

Por questões de dívidas não pagas, o festival de cinema mais badalado do país, que este ano acontece de 10 a 18 de agosto, teve que mudar de organização e de curadoria para não sofrer descontinuação. Na troca de comando do festival, saem os curadores José Carlos Avellar e Sérgio Sanz (à frente do festival por cinco anos), e entram José Wilker, Rubens Ewald e o gaúcho Marcos Santuário. Havia o temor pelo fato de Rubens Ewald Filho ser conhecido como o “mister Oscar”, e por José Wilker, também comentarista da festa da Academia de Hollywood (nas transmissões da Rede Globo), e que ambos fossem sucumbir ao canto das celebridades. Conseguiria o crítico gaúcho, Marcos Santuário, defender um cinema menos comprometido com o mercado nas reuniões da trinca? Esta suspeita animou muitas conversas de bastidores. Mas o trabalho dos curadores optou pelo melhor do cinema brasileiro, buscaram a velha e boa linha que fez o brilho do festival por muitos dos 40 anos que está completando.

Selecionaram bons filmes de jovens realizadores, cheios de ideias e com pouquíssimos astros nos elencos. Há Luana Piovani em “Insônia”, Lima Duarte em “Colegas”, e Jair Rodrigues em “Super Nada”. Os destaques são os atores Irandhir Santos, o portador de síndrome de Down, Ariel Goldman, revelado no documentário “Do Luto à Luta” e agora protagonista de “Colegas”, e o músico André Abujamra que até tirou do relativo ostracismo o pioneiro da axé music, Luiz Caldas. Dentro do Palácio dos Festivais, o cinema continuará reinando soberano. Esta boa seleção também recebeu uma ajudazinha do cancelamento do Festival de Paulínia, que deveria ter acontecido em julho, e onde estariam talvez até metade dos filmes que compõem esta programação.

A marca e estilo de seus diretores em seus primeiros filmes

Na lista dos filmes brasileiros selecionados temos as ficções “Colegas”, de Marcelo Galvão (SP), “Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida”, de Matheus Souza (RJ), ”Insônia”, de Beto Souza (RS), “O que se Move”, de Caetano Gotardo (SP), “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho (PE), “Super Nada”, de Rubens Rewald (SP) e os documentários “Jorge Mautner – O Filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt (RJ), e “Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now!”, de Ninho Moraes e Francisco César Filho. Todos os filmes de ficção são inéditos e apenas “O Filho do Holocausto” foi exibido no Festival de Recife, em abril.

Um dos filmes mais esperados é, sem duvida, “O Som ao Redor”, estreia no longa de ficção de Kleber Mendonça Filho, o jornalista pernambucano que se envolveu com a produção de cinema, e atualmente promete uma carreira autoral, inclusive no exterior. “O Som ao Redor” estreou no Festival de Roterdã em 2011, na Holanda, de onde saiu com o troféu da Federação Internacional de Críticos de Cinema. “Descobri que tinha mais prazer de escrever e de imaginar um filme realista com algumas quebras de ponto de vista, de tom, atmosfera. Percebi também no roteiro que seria um filme muito pessoal, e é essa a única forma que, para mim, existe de se fazer um filme, ou escrever uma boa literatura”, disse o cineasta à Revista de CINEMA.

Kleber Mendonça, de 43 anos, é autor de curtas de imensa qualidade, como “Eletrodoméstica” e “Recife Frio”, e realizou em 2010 o documentário “Crítico”. O cineasta define seu primeiro longa ficcional como “uma crônica brasileira, uma reflexão sobre história, violência e barulho”, integralmente ambientada numa rua de classe média na zona sul do Recife. No elenco, só dois nomes conhecidos, Irandhir Santos e WJ Solha. Na trilha sonora, o craque DJ Dolores, de “Narradores de Javé” e “Os Últimos Cangaceiros”.

Gramado também vai ser a estreia de Caetano Gotardo, de 31 anos, com “O que se Move”, que iniciou no cinema no projeto coletivo “Desassossego”. Gotardo realizou “O que Se Move” com a produtora (e também coletivo) Filmes do Caixote, mas com a produção da experiente Sara Silveira, da Dezenove Filmes, e com a montagem de Juliana Rojas e Marco Dutra, diretores do longa “Trabalhar Cansa”, um dos filmes do Caixote. “Juliana e Marco acompanharam o projeto desde o argumento, sendo interlocutores muito importantes para o desenvolvimento do filme”, afirma o cineasta. Gotardo define “O que se Move” como “um filme narrativo”, que, a exemplo dos curtas que ele dirigiu, “incorpora uma certa pesquisa de linguagem em sua construção da narrativa, sempre a partir dos personagens e das situações”. Por isto, atribui-se “grande importância à ideia da experiência do tempo, do instante presente, pela qual passam os personagens e que se reflete na linguagem do filme”.

Matheus Souza, de 23 anos, é o mais jovem da competição, mas “Eu Não Faço a Menor Ideia do que eu Tô Fazendo com a Minha Vida” (sobre uma jovem que não sabe que carreira seguir) é seu segunda longa-metragem. Matheus estreou no longa há quatro anos, com a comédia “Antes do Fim”, quando tinha 19 anos e era aluno da PUC-Rio. O filme, feito no curso de cinema e rodado dentro da universidade, ganhou fama e distribuição. Tornou-se um dos queridinhos da imprensa carioca e amigo de Domingos Oliveira. Matheus continua muito bem humorado: “Meus dois filmes se aproximam da temática jovem, geracional, e no foco e cuidado com os diálogos. Ao mesmo tempo, busco explorar o tema por um prisma diferente (e o número de citações pop diminuiu radicalmente). Se no primeiro longa concentrei 90% das cenas em um casal, neste segundo, lido com dezenas de personagens. Há uma maior preocupação com a estética também, mas continuo sendo um diretor bem mais ou menos”.

Rubens Rewald, doutor em Ciências da Comunicação pela USP, onde é professor de cinema, concorre aos Kikitos com seu segundo longa-metragem “Super Nada”, sua estreia solo, visto que seu filme anterior, “Corpo”, foi codirigido por Rossana Foglia. No filme, Rewald promove um encontro entre os personagens de Marat Descartes, grande ator da Companhia do Latão, e Jair Rodrigues. “Sim, o nosso grande canto Jair Rodrigues, em sua quase estreia no cinema. Já que, em 1968, ele fez participação no “Jovens prá Frente”, de Alcino Diniz, último trabalho do Oscarito”, comenta Rewald. Segundo ele, este filme novo é mais linear em termos temporais, que “Corpo”. Mas o realizador continua investindo “na pesquisa de complexidade e ambiguidade dramática”, de forma que “o espectador esteja sempre levantando novas hipóteses sobre a trama e os personagens”. No centro da narrativa está Guto (Marat Descartes) que se espelha no decadente, mas ainda carismático, Zeca (o personagem entregue ao “não-ator” Jair Rodrigues).

Marcelo Galvão, de 38 anos, vai mostrar em Gramado “Colegas”, seu quinto longa-metragem, um road movie que tem no documentário “Do Luto à Luta”, de Evaldo Mocarzel, uma de suas fontes de inspiração. Mas o cineasta, que antes dirigiu filmes quase caseiros como “Quarta B”, “Lado B – Como se Fazer um Longa sem Grana no Brasil”, “Rinha”, e o policial “Belini e o Demônio”, lembra que sua vontade de trabalhar com jovens down veio muito antes de ser diretor. “Afinal, passei grande parte da minha infância convivendo com um tio down e sempre fui apaixonado pelo jeito como ele enxergava o mundo”, disse Galvão. O jovem Ariel Goldman, agora num filme de ficção, contracena com elenco numeroso, no qual figuram Leonardo Miggiorin, o CQC Marco Luque, Christiano e Theodoro Cochrane, Otávio Mesquita, Thogun, Theo Werneck, Nill Marcondes, Amélia Bittencourt, Juliana Didone, Daniele Valente e Maytê Piragibe.

O gaúcho Beto Souza, de 48 anos, vai representar o RS na competição com “Insônia” uma “comédia romântica com um foco nos jovens”, com produção de Beto Rodrigues, da Panda Filmes. Beto dirigiu “Netto Perde sua Alma”, com codireção de Tabajara Ruas, “Cerro do Jarau” e “ Enquanto a Noite Não Chega”. No elenco de “Insônia”, estão o “galã dos pampas”, Leonardo Machado, e Luana Piovani. O argumento é de Marcelo Carneiro da Cunha, autor do delicioso livro que deu origem a “Antes que o Mundo Acabe”, de Ana Luiza Azevedo. A trilha sonora é do gaúcho Leo Henkin.

Os destaques latinos, documentários e curtas

Na disputa pelo Kikito latino, o uruguaio-brasileiro César Charlone (diretor de fotografia de “Cidade de Deus”) disputa o Kikito de melhor filme latino com “Artigas, la Redota”, seu segundo longa ficcional. Seu primeiro filme, “O Banheiro do Papa”, triunfou na Serra Gaúcha, recentemente. Charlone vai disputar com os chilenos “Leontina”, de B. Peters, e “Calafate-Zoológicos Humanos”, de Hans Mulchi Bremer, com o filme argentino “Diez Veces Venceremos”, de Cristian Jure, e o cubano “Vinci”, de E. Rodriguez.

Dos documentários em competição, “Jorge Mautner – O Filho do Holocausto”, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, participou da mostra competitiva do festival Cine PE, em abril. O paulista “Futuro do Pretérito – Tropicalismo Now!”, de Ninho Moraes (codireção de Francisco César Filho), faz parte de nossa prolífica safra de documentários melômanos, assim como o filme de Bial e Heitor, que vem biografando craques da música popular e mapeando movimentos artísticos, como a MPB, Tropicália, o samba, a era dos festivais. A estrela de “Tropicalismo Now!” é o cantor e “ator” André Abujamra. Coube a ele mobilizar artistas para um show protagonizado por amantes contemporâneos da Tropicália, realizado em clima ritualístico no Teatro Oficina. “Abu”, criativo trilheiro de muitos filmes brasileiros, convocou cantores dos mais diversos; o baiano Luiz Caldas e a paulista Suzana Salles somam-se a Marcos Bowie, Madalena Bernardes, Melina Mulazani e Alexandre Nero.

A história do visionário Jorge Mautner, cantor, compositor e agitador cultural, é o foco do segundo longa-metragem de seus dois diretores, Pedro Bial e Heitor D’Alincourt. Bial, de 54 anos, estreou no cinema em 1999 com o longa ficcional “Outras Estórias”, baseado em contos de Guimarães Rosa. Passados 13 anos, voltou ao set, na companhia de D’Alincourt, 44, codiretor do documentário “Saudações Tricolores”, sobre o Fluminense, e parceria com André Barcinski. O fruto deste encontro foi o filme musical. O destaque é o depoimento da filha de Mautner, a diretora de novelas (“Cordel Encantado”) Amora Mautner, que sofreu horrores nas escolas de sua infância por causa do seu nome.

Catorze curtas vão disputar o troféu Kikito. Um deles, o bem humorado “Di Melo – O Imorrível” causou furor em Recife, sobre o pernambucano Di Melo, cantor de um disco só nos anos 70 e redescoberto recentemente. Outro, “Piove, il Film di Pio”, é sobre Pio Zamuner, diretor dos doze últimos filmes de Mazzaropi, com direção de Thiago Brandimarte Mendonça. A cineasta Juliana Rojas, que ano passado foi a Cannes com “Trabalhar Cansa”, volta ao formato curta e está na competição com “O Duplo”. No elenco, Sabrina Greve e Gilda Nomacce.

Quatro nomes com grandes serviços prestados ao cinema serão homenageados este ano. Da Argentina virá Juan José Campanella, detentor do Oscar de melhor filme estrangeiro com “O Segredo dos seus Olhos”. Campanella receberá o Kikito de Cristal, destinado a grandes nomes do cinema de língua espanhola. Betty Faria receberá o troféu Oscarito. O Troféu Cidade de Gramado vai para Eva Wilma. E o Troféu Eduardo Abelim será entregue a Arnaldo Jabor.

Filmes brasileiros selecionados de longa-metragem

Colegas (2012) – SP
99’ – 35mm/Digital
Direção: Marcelo Galvão
Classificação: livre
Sinopse: Colegas é um road movie que trata de forma poética coisas simples da vida, através do olhar de três jovens com Síndrome de Down.
Produtora: Gatacine Produções
Elenco: Ariel Goldenberg, Breno Viola, Rita Pokk, Lima Duarte

Eu Não Faço a Menor Ideia do que Eu Tô Fazendo com a Minha Vida (2011) – RJ
90’ – 35mm/Digital
Direção: Matheus Souza
Sinopse: Clara não faz a menor ideia do que está fazendo com a sua vida. Um jovem rapaz a incentiva a fazer experiências práticas para descobrir do que realmente gosta.
Produtora: Zeugma Produções
Elenco: Rodrigo Pandolfo, Clarice Falcão, Leandro Hassum, Daniel Filho, Nelson Freitas

Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now! (2011) – SP – Documentário
76’15” – 35mm/Digital
Direção: Ninho Moraes e Francisco César Filho
Classificação: livre
Sinopse: Um documentário lítero-musical, que mixa entrevistas com show de André Abujamra, intervenções artísticas e atores em pequenos esquetes.
Produtora: Anhangabaú Produções
Elenco: Alice Braga, Gero Camilo, Carlos Meceni e Helena Albergaria

Insônia (2007) – RS
91’ – 35mm/Digital
Direção: Beto Souza
Classificação: 12 anos
Sinopse: Cláudia, por ter perdido a mãe aos seis anos de idade e por morar com um pai genial, vê-se obrigada a amadurecer muito cedo.
Produtora: Panda Filmes
Elenco: Lara Rodrigues, Luana Piovani, Daniel Kuzniecka, Nicolas Condito

Jorge Mautner – O Filho do Holocausto (2011) – RJ
93’ – 35mm/Digital
Direção: Pedro Bial e Heitor D’Alincourt
Sinopse: A história de Jorge Mautner, o visionário que previu e realizou a paisagem mais exuberante da música e cultura brasileiras. Com a participação de Nelson Jacobina, Domenico Lancelotti, Pedro Sá, Kassin, e Berna.
Produtora: Canal Brasil

O que se Move (2012) – SP
97’ – 35mm/Digital
Direção: Caetano Gotardo
Classificação: 14 anos
Sinopse: Três núcleos familiares, em três diferentes situações, precisam lidar com mudanças súbitas em suas vidas, envolvendo alguma perda ou um reencontro.
Produtora: Dezenove Som e Imagens
Elenco: Wandré Gouveia, Rômulo Braga, Henrique Schafer, Cida Moreira

© Heloisa Passos

O Som ao Redor (2012) – PE
131’ – 35mm/Digital
Direção: Kleber Mendonça Filho
Classificação: 16 anos
Sinopse: A vida numa rua de classe média na zona sul do Recife toma um rumo inesperado após a chegada de uma milícia que oferece paz de espírito e segurança particular.
Produtora: CinemaScópio
Elenco: Irandhir Santos, Gustavo Jahn, Maeve Jinkings, WJ Solha, Clébia Souza

Super Nada (2012) – SP
94’ – 35mm/Digital
Direção: Rubens Rewald
Classificação: 14 anos
Sinopse: Guto é um ator que sonha em ser grande. Seu ídolo é Zeca, comediante de TV, embora velho e decadente. Seus caminhos se cruzam e a sorte de Guto parece mudar.
Produtora: Confeitaria de Cinema
Elenco: Marat Descartes, Jair Rodrigues, Clarissa Kiste, Denise Weinberg, Lygia Descartes

© Marcos Camargo

 

Confira a programação completa aqui.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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