Caminho para o Nada

Sem dirigir um longa desde 1988, com “Iguana – A Fera do Mar”, um filme de aventura grotesco sobre um homem deformado, Monte Hellman, agora quase octogenário, lançou, enfim, no Festival de Veneza de 2010, seu mais novo filme: “Caminho para o Nada”. Volta aguardada por cinéfilos, pode-se dizer, já que Hellman, ainda que durante quase toda sua carreira tenha dirigido apenas filmes de baixo orçamento, em sua maioria filmes de gênero – vários deles estrelados por um ainda desconhecido Jack Nicholson –, tornou-se mítico e cultuado ao realizar alguns filmes fortes e enfáticos da onda contracultural dos EUA nos anos 70, como “Corrida Sem Fim” (1971) e “Galo de Briga” (1974).

Hellman, que começou na escola Roger Corman, dirigindo filmes, como sua estreia, “A Besta da Caverna Assombrada” (1959), e até fazendo segunda unidade, edição, direção de diálogos e outras várias funções ao longo dos anos 60, resolveu dar uma descompassada nos anos 70, ao apresentar obras contundentes, que lhe custaram a carreira como diretor comercial. O fracasso nas bilheterias o levou a outras funções e enormes hiatos na direção. Tanto que, para novas gerações, Monte Hellman talvez seja mais conhecido como produtor executivo de “Cães de Aluguel” (1992), de Quentin Tarantino.

Não é de se espantar então que, ao voltar depois de vinte anos à direção, Hellman opte por um filme difícil, ainda que banal na superfície. O longa de 121 minutos é um jogo com o espectador. O diretor usa nele todo seu conhecimento de fazer cinema barato – com cara de filme barato, parecendo, sem recatos, um policial vagabundo – para fazer uma fábula sobre a imagem e a realidade, ao mesmo tempo em que é reverencial à história do cinema. Em “Caminho para o Nada”, um diretor de cinema filma uma ficção baseada em fatos reais, sobre o assassinato um tanto conturbado de um político na casa dos 60, 70 anos, e de uma jovem, sua amante.

A metalinguagem, no filme, é quase uma brincadeira para o diretor: seja nas diversas citações a filmes, frases emblemáticas que seu personagem-diretor profere, quase como se quisesse se aproximar deles; seja nas diversas intervenções da própria câmera, confundindo o espectador do que é real com o que é ficcional dentro da história de “Caminho para o Nada”. Tal brincadeira questiona o que de fato é real e qual é o poder da imagem. Hellman busca dar um nó no espectador logo no início da projeção, durante os créditos iniciais, assinado por Mitchell Haven, o personagem que é diretor, como se ele tomasse a voz do filme para si. A ideia é sempre confundir o espectador para o que é filme, processo fílmico, e o que é a realidade por trás dos fatos. Por isso, Hellman privilegia os mesmos atores em ambos os casos. É um grande provocador, cutucando o espectador para sair da mesmice. Porque não importa qual seja a realidade – e aí Hellman toma para si a conclusão de “O Homem que Matou o Facínora”, de John Ford, de que se a lenda é mais interessante que os fatos, que se publique a lenda –, importa o que é necessário para o diretor (Haven): o fascínio pela imagem tão bela e sedutora da atriz de seu filme.

Aliás, a obsessão do protagonista de Hellman é uma característica que permeia toda sua obra. Assim como Monte parece obcecado em fazer seus filmes da maneira mais autoral que pode, seus protagonistas todos são obcecados com algo – em “Corrida Sem Fim”, em apostar rachas e em correr livremente pela estrada; em “Galo de Briga”, em ganhar a medalha de ouro de melhor treinador de galos de briga. Mas não é uma obsessão pura e simples, ela é tão corrosiva ao personagem que apenas aquilo importa, nada mais. Essa parece ser a chave para a compreensão de seus filmes e de suas conclusões.

Pois a complexidade do filme de Hellman vai além. Seu “Caminho para o Nada” é todo intrincado, cheio de firulas, de excessos, evidenciando aí a característica do policial vagabundo, que acredita na conspiração e nas múltiplas pistas, todas díspares e dispersas, com uma montagem alternada, confusa, que solta aos poucos possíveis enlaces. Ele faz tudo isso sem que o filme, de fato, ande para frente; não há evolução na trama. Porque o que importa é outra coisa, assim como para seu diretor ficcional. Não são as respostas que ele busca, porque sabe a tarefa ingrata que é essa busca, já que muitas coisas simplesmente não têm resposta – nem tudo tem uma explicação lógica, mínima e detalhada, como muito quer a realidade contemporânea. E nisso, o título original, “Road to Nowhere”, é perfeito. Seu filme aponta, justamente, para lugar nenhum.

Caminho para o Nada (EUA, 2010)
Direção: Monte Hellman
Distribuição: Lume Filmes

 

Por Gabriel Carneiro

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