Olhar de Cinema mostra 77 filmes de invenção a partir de Curitiba

Por Maria do Rosário Caetano

A décima edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba será inaugurada nessa quarta-feira, 9 de outubro, com o longa “O Dia da Posse”, de Allan Ribeiro. Até 14 de outubro, quando serão entregues os prêmios e exibido o longa “Nós”, de Letícia Simões, o público espalhado por todo território brasileiro poderá assistir, on-line, a 77 filmes de curta, média e longa-metragem. Os ingressos custam cinco reais e já estão à venda.

Como há finas iguarias nos diversos segmentos competitivos e informativos do Olhar de Cinema, o espectador deve ficar antenado e agir com rapidez. Se quiser assistir ao novo filme de Júlio Bressane – “Capitu e o Capítulo” – urge que adquira sua entrada. Mesmo caso de “O Bom Cinema”, ensaio documental de Eugenio Puppo. Afinal, há limite de acessos concertados com cada produtor. E cada filme será exibido por apenas 24 horas.

“O Dia da Posse”, convidado inaugural do Olhar de Cinema, é o terceiro longa do carioca Allan Ribeiro, diretor de “Esse Amor que nos Consome” e “Mais do que Eu Possa me Reconhecer”. Nesse novo filme, o cineasta mostra Brendo, que alimenta o desejo de ser presidente do Brasil. Enquanto esse dia não chega, ele estuda Direito, faz vídeos para as redes sociais, sonha com novas conquistas e se imagina, durante a pandemia do coronavírus, como participante de um reality show.

A baiana Letícia Simões, realizadora de “Nós”, título convidado para encerrar o Olhar de Cinema, foi premiada no festival curitibano com seu segundo longa, “Casa”. Antes, ela, que é também poeta, realizara ensaio documental sobre o escritor paraense Dalcídio Jurandir (1909-1979), de título cativante – “O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva”. Para realizar “Nós”, Letícia propôs – via classificados de jornal – a seguinte questão: “Se você não se identifica com o lugar onde nasceu e de alguma forma cria sobre isso, me escreva”. O anúncio possibilitou encontros com seis artistas radicados em Berlim. Diretora e seus “personagens” falam de identidade, território e imigração.

Júlio Bressane volta a dialogar com Machado de Assis, a seu modo, tão único e inventivo. Quem assistiu a seu instigante “Brás Cubas” (1985) – aberto com sequência antológica (um microfone percorre o esqueleto de um narrador defunto) – pode imaginar o que nos trará em seu trigésimo-quarto longa-metragem, “Capitu e o Capítulo”.

Que ninguém espere uma adaptação de “Dom Casmurro”, romance que forma com “Quincas Borba” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas” a trilogia máxima do Bruxo do Cosme Velho. O inquieto Bressane não percorreu caminhos similares aos de Paulo Cezar Saraceni em “Capitu” (1968). Como registra Leonardo Bomfim, no catálogo do Olhar de Cinema, “se os vermes não sabem nada sobre os textos que roem, Bressane tem intimidade com os seus sabores e faz da obra de Machado de Assis uma companheira inesgotável”. E mais: o que veremos é “uma dança ensaística ritmada por uma singularidade de estilo: a brevidade de capítulos que expandem a figura do narrador e apresentam, na personalidade incisiva de Capitu e nas respostas titubeantes de Bentinho, uma redefinição dos duos habituais da filmografia desse eterno abre-alas do cinema de invenção”.

Outro biscoito fino presente na programação do festival curitibano é “O Bom Cinema”, quinto longa documental de Eugenio Puppo. Depois de mergulhar na vida de um pequeno e aprazível município potiguar (“São Miguel do Gostoso”), nos problemas de sentenciados (“Sem Pena”) e nas trajetórias dos criadores de “A Margem” (“Ozualdo Candeias e o Cinema”) e de “Alma Corsária” (“Carlos Reichenbach – Relatório Confidencial”), Puppo nos surpreende com a beleza visual de “O Bom Cinema”.

E o que é o “bom cinema”? Aquele que agrada ao público? Ou aos críticos? Às autoridades de plantão? Ao poder religioso?

Com ironia e ambiguidade, Puppo toma de empréstimo conceito retirado de encíclica papal, que pregava a difusão de um cinema saudável, capaz de nutrir os fieis espalhados pelo Catolicismo por cinco continentes.

Depois de assistirmos a esse filmensaio de instigantes beleza e poesia, saberemos que, para Puppo, “o bom cinema” foi (é) aquele realizado por cineastas trangressores como Carlão Reichenbach, Rogério Sganzerla, João Callegaro, José Mojica Marins, Maurice Cappovilla, Ozualdo Candeias, Andrea Tonacci, Sérgio Person, José Agripino de Paula e João Silvério Trevisan.

O cineasta paulistano, em sua arqueologia de imagens, recorrerá a filmes seminais do chamado “Cinema Marginal” (Carlão prefere a expressão “Pós-Cinema Novo”): “O Bandido da Luz Vermelha”, “Documentário”, “As Libertinas”, “Audácia”, “O Profeta da Fome”, “À Meia-Noite Encarnarei em teu Cadáver”, “Hitler do Terceiro Mundo”, “Orgia, o Homem que Deu Cria”, “Blá Blá Blá”, “Zézero”, entre outros.

Em estado de voragem criativa, Puppo escavará imagens (sequências) raras e instigantes. Uma delas mostra trabalhadores instalando, num “bosque de azevinho”, as letras monumentais de Hollywood(land). Noutra, uma freira ministra aula a atentas criancinhas. Em momento de espanto, veremos o Papa Pio XII, que tanto exaltou a importância no cinema na educação de fieis, caminhando rumo a seu automóvel. Um motorista o aguarda. Quando Sua Santidade se aproxima da porta já aberta, o condutor se ajoelha e faz o sinal da cruz.

E o que essas imagens têm a ver com o filme de Eugenio Puppo?

Tudo. Afinal, o ponto de partida de “O Bom Cinema” é a Escola São Luiz, criada por padres jesuítas, para formar profissionais dedicados ao audiovisual. Depois de promissora experiência em Belo Horizonte, onde o Padre Edeimar Massotti criara, em 1961, escola de Cinema ligada à PUC-MG, religiosos paulistanos repetiram o gesto na capital paulista.

Carlão Reichenbach estava, em 1967, entre os 100 vestibulandos que buscavam vaga na instituição. Aprovado, tornou-se colega de Ana Carolina, João Callegaro, Carlos Ebert, entre outros. Para relembrar a Escola São Luiz e os filmes ligados primeiro a ela, depois à Boca do Lixo, Puppo somou quatro vozes: a de Carlão Reichenbach, a mais recorrente, a de Rogério Sganzerla e a de Callegaro (os três cineastas) e a do pesquisador e professor Hélio Gagliardi. O próprio Carlão lembra que “a maioria dos 40 alunos preferiu dedicar-se a outras atividades, inclusive à crítica cinematográfica. Fomos poucos, muito poucos, os que se profissionalizaram, uns quatro”.

Ao fazer o vestibular para ingresso na Escola São Luiz, Carlão, mente fervilhante que era, pretendia tornar-se roteirista. Mas as conversas e vivências com os colegas fizeram brotar o desejo de fazer filmes. Ele engajou-se no projeto coletivo de “As Libertinas” (1968) e não parou de dirigir até sua morte, em 2012. Escreveu, sim, muitos roteiros para seus próprios filmes, mas nunca os seguia à risca. “Já no meu episódio de ‘As Libertinas’, joguei o roteiro fora no segundo dia”.

Para Carlão, “o Cinema Novo foi o mais importante movimento cinematográfico do país e sabia disso”, mas seu projeto perdeu o sentido com o recrudescimento do regime ditatorial e “seus filmes tornaram-se cada vez mais herméticos”. A Geração São Luiz e a que brotaria na Boca do Lixo, “tomadas pelo desencanto político e sem nenhuma certeza”, chegavam com seu espírito transgressor, para provocar, avacalhar. “O que o Tropicalismo fez na Música e o teatro de agressão nas Artes Cênicas, nós, os chamados ‘Marginais’ fizemos no Cinema”.

Sganzerla não fica atrás em suas provocações: “Nós queríamos mudar a cabeça das pessoas. O Cinema Novo entrou em conluio com a ditadura e fez a Embrafilme, que nos recusou, nos boicotou”. Ele não frequentou a São Luiz (“nunca frequentei escola de cinema”). Formou-se na crítica cinematográfica e na cobertura de festivais como Cannes e Pésaro. Nunca foi assistente de direção. E antes do estouro do “Bandido” só realizara um curta-metragem (“Documentário”, 1966).

Na edição deste ano, a décima, o Olhar de Cinema não apresentará uma de suas mais tradicionais mostras: a de Clássicos. Mas tão logo, superada a pandemia do coronavírus, retome suas atividades presenciais, o festival curitibano voltará a colocar grandes tesouros da história do cinema em diálogo com a produção contemporânea.

Na área reflexiva, debates e seminários somar-se-ão a workshops sobre ofícios cinematográficos. E, pela primeira vez, o Olhar de Cinema somará forças com o Projeto Paradiso, iniciativa filantrópica do Instituto Olga Rabinovich. A instituição investe em formação profissional e geração de conhecimento com programas de bolsas, mentorias, cursos, seminários e estudos para profissionais do audiovisual.

No domingo, 10 de outubro, às 16h, no canal do Youtube do Olhar de Cinema, será exibida a peça-filme “Os Negociantes”, de Murilo Hauser, adaptação de texto original de Joël Pommerat. Na sequência acontecerá palestra do realizador sobre “Adaptações literárias para meios audiovisuais”. O encontro abordará o processo criativo da obra e refletirá sobre as interseções possíveis entre as linguagens teatrais e audiovisuais.

Os 77 filmes de curta, média e longa-metragem que compõem o Olhar de Cinema 2021 estão divididos em sete mostras: Competitiva, Novos Olhares, Outros Olhares, Olhares Brasil, Exibições Especiais, Mirada Paranaense e Foco (esta dedicada ao cineasta palestino Kamal Aljafari). Um registro: “Um Verão Incomum”, o mais novo longa deste realizador, terá, no festival brasileiro, sua première latino-americana.

 

MOSTRA COMPETITIVA (longas-metragens)

. O Sonho do Inútil, de José Marques de Carvalho Jr. (Brasil, 72’)
. Rio Doce, de Fellipe Fernandes (Brasil, 89’)
. Rolê – Histórias dos Rolezinhos, de Vladimir Seixas (Brasil, 82’)
. Conferência, de Ivan Tverdovskiy (Rússia, 129’)
. Estilhaços (Esquirlas), de Natalia Garayalde (Argentina, 70′)
. O Protetor do Irmãos, de Ferit Karahan (Turquia, Romênia, 85’)
. Sonhos de Damasco (Damasco Dreams), de Emilie Serri (Canadá, 83’)
. Um Céu Tão Nublado (Un Cielo Tan Turbio), de Álvaro F. Pulpeiro (Colômbia, Espanha, Inglaterra, 83’)
. Zinder, de Aïcha Macky (Alemanha, França, Nigéria, 82’)

MOSTRA COMPETITIVA (curtas-metragens)

. A Máquina Infernal, de Francis Vogner dos Reis (Brasil, 30’)
. Chão de Fábrica, de Nina Kopko (Brasil, 24’)
. Tereza Josefa de Jesus, de Samuel Costa (Brasil, 7’)
. Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui, de Érica Sarmet (Brasil, 25’)
. Meu Tio Tudor, de Olga Lucovnicova (Bélgica, Hungria, Moldávia, Portugal, 20’)
. Ouça a Batida das Nossas Imagens, de Maxime e Audrey Jean-Baptiste (Bélgica, 16’)
. Saúde, de Tatiana Chistova (Polônia, Rússia, 31’)
. Sob a Máscara Branca: o Filme que Haesaerts Poderia Ter Feito, de Matthias De Groof (Bélgica, 9’)
. Tecidos Brancos, de Moly Kane (França, Senegal, 20’)
. Vikken, de Dounia Sichov (França, 27’)

MOSTRA FOCO (longas e curtas do cineasta palestino Kamal Aljafari)

. Um Verão Incomum (Un Unusual Summer, 2021, 80’)
. O Telhado (Al Sateh, 2006, 63’)
. Porto da Memória (Minaa Al Zakira, 2009, 70’)
. Recordação (Istiaada, 2015, 62’)
. Visit Iraq (2003) – curta
. Balconies (2007) – curta
. Long Way From Amphioxus (2019) – curta

OLHARES BRASIL (longa-metragem)

. Subterrânea, de Pedro Urano (2021, 83’)
. Mirador, de Bruno Costa (2021, 95’)
. O Bem Virá, de Uilma Queiroz (2020, 79’)
. Carro Rei, de Renata Pinheiro (2021, 99’)
. Nñhu Yãg Mu Yog Hãm: Essa Terra é Nossa!, de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero (2020, 70’)

OLHARES BRASIL (curtas-metragens)

. Belos Carnavais, de Thiago B. Mendonça (2020, 16’)
. A Guerra de Michael, de Gregório Gananian e Daniel Tagliari (2020, 17’)
. As Vezes que Não Estou Lá, de Dandara de Morais (2020, 25’)
. Colmeia, de Maurício Chades (2021, 15’)
. Palavra Grande, de Manoela Ziggiatti (2021, 12’)
. Quando Chegar a Noite, Pise Devagar, de Gabriela Alcântara (2021, 22’)

MIRADA PARANAENSE (longas)

. Bia Mais Um, de Wellington Sari (2021, 71’)
. Ursa, de William de Oliveira (2021, 70’)

MIRADA PARANAENSE (curtas)

. A Busca do Eu e do Silêncio, de Giuliano Robert (2021, 20’)
. Anamnese, de Tiago Lipka (2021, 14’)
. Aquela Mesma Estação, de Luiz Lepchak (2020, 21’)
. Elas São o meu Início, de Jessica Quadros (2021, 20’)
. Marcha de uma Liberdade Roubada, de Laís da Rosa Coelho (2020, 17’)
. Meu Coração é um Pouco Mais Vazio na Cheia, de Sabrina Trentim (2020, 10’)
. Retrato Falado, de Luiz Bonin e Oda Rodrigues (2021, 14’)
. Segunda Natureza, de Milla Jung (2021,12′)

 

X Olhar de Cinema
Data: 6 a 14 de outubro, em versão on-line. Para todo território brasileiro.
Os filmes serão disponibilizados diretamente no site do festival: www.olhardecinema.com.br. Nesse mesmo endereço o público poderá adquirir os ingressos para os 77 filmes da programação. Preço unitário: R$5,00. As sessões são sujeitas a lotação e os filmes poderão ser vistos apenas dentro de seu dia de exibição, das 6h da manhã até às 5h59 do dia seguinte.

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