“A Natureza do Amor”, que derrotou pesos-pesados no César de melhor filme estrangeiro, estreia no Brasil
Por Maria do Rosário Caetano
“A Natureza do Amor”, tradução brasileira para o filme quebecoise “Simple Comme Sylvain”, chega às telas brasileiras nessa quinta-feira, 25 de abril, envolto em questão intrigante: o que tem o filme da diretora e roteirista Monia Chokri de tão bom a ponto de conquistar o Prêmio César, o “Oscar francês”, de melhor produção estrangeira?
O que o levou a derrotar concorrentes peso-pesado como o italiano “Rapto”, de Marco Bellocchio, o finlandês “Folhas de Outono”, de Aki Kaurismaki, o japonês “Dias Perfeitos”, de Wim Wenders, e o blockbuster autoral “Oppenheimer”, de Christopher Nolan (EUA)?
Naquele mês de fevereiro — a Academia Francesa entrega seus troféus duas semanas antes antes da Cerimônia do Oscar —, “Oppenheimer” já havia disparado em todas as apostas como franco favorito às principais estatuetas de Hollywood.
Na festa do César, em Paris, a canadense Monia Chokri até se desculpou, na presença do cineasta britânico, homenageado com um César Especial por sua trajetória: “Eu sinto muitíssimo, Sr. Nolan”.
“Simple Commme Sylvain”, afinal, merecia derrotar seus quatro concorrentes?
De forma alguma. Suas qualidades estéticas – que existem e são dignas de nota – não estão à altura do drama histórico do mestre Bellocchio, nem do cativante-desconcertante filme de Kaurismaki, nem do delicado longa de Wenders. Nem do épico atômico de Nolan.
Houve ‘brodagem’ na premiação da comédia erótico-feminista de Monia Chokri?
Houve, sim. Primeiro, “A Natureza do Amor” nem deveria estar na competição de “melhor filme estrangeiro”, por tratar-se de coprodução entre o Canadá e a França, coassinada por uma das grandes grifes do cinema do país dos Lumière, a MK2 (Marin Karmitz e filhos). O filme é falado em francês, pois a trama se passa em Montreal, no Quebec, e numa casa de campo nos arredores da capital francófona do país bilingue.
Segundo: se o filme é encantador, ousado no erotismo (num tempo em que o cinema anda muito papai-e-mamãe) e conta com ótimos atores, nem por isso apresenta um quinto que seja das inovações emprestadas à comédia pelo inquieto Aki Kaurismaki (“Folhas de Outono”), nem a complexidade temática de Bellocchio (“Rapto” nos intriga com a ação da alta hierarquia da Igreja Católica, que arranca uma criança da seio de família judia, para catequizá-la segundo os preceitos cristãos).
Feitas estas considerações, fica no ar a questão: mesmo assim vale a pena ver “Simple Comme Sylvain”?
Sim. As mulheres vão gostar bastante, pois sua protagonista, Sophia, professora de Filosofia, é uma personagem cheia de nuances, senhora da estória, razão de ser do filme. Tanto que Monia Chokri, também atriz (intérprete da amiga mais próxima da protagonista, mãe de filhos ruidosos), emprestou à personagem a sua própria idade (uma mulher madura, de 41 anos).
Sophia, interpretada pela bela e carismática Magalie Lépine-Blondeau, oriunda da trupe cinematográfica do inquieto Xavier Dolan, vive, passados dez anos, aquele momento de modorra conjugal com o pouco-charmoso marido Xavier (Francis William Rhéaume), também ele um intelectual. O casal se reúne, com frequência, com diversos amigos, para falar de temas cotidianos, de arte, política etc.
A vida da professora de Filosofia, que vive estudando, com seus alunos, conceituações do amor (segundo Platão, Wittgenstein ou Espinosa), vai sofrer profunda reviravolta quando ela for ao encontro do empreiteiro encarregado de reformar casa de campo recém-adquirida.
O rapaz, o que dá título ao filme (“Simples Como Sylvan”), é um homem de beleza arrebatadora, viril, rústico, caipira e, mesmo sendo fã do cantor Michel Sardou (um militante da direita francesa), irresistível. Ele citará, de cor (romântico e aliciador) os versos de “La Première Fois qu’on s’Aimera”), megassucesso de Sardou para a apaixonada Sophia.
Ela viverá com Sylvain, novas, frequentes e tórridas noites de amor. E se apaixonará. Só conseguirá pensar no rapaz, que nada tem do refinamento intelectual de seu grupo, que veste roupas espalhafatosas e nunca ouviu falar nem na “Dama das Camélias”.
Os contrastes só fazem se acentuar. Ela vem de berço rico, tem ideias progressistas (defende os imigrantes, o meio ambiente, abomina a pena de morte). Sylvain Tanguy (Pierre-Yves Cardinal, também vindo da trupe de Xavier Dolan), trabalhador braçal, apaixona-se loucamente pela professora casada. Quarentona, ela é cobrada pelos sogros, idosos, que esperam ao menos um neto. A sogra até lembra que as novas gerações assumem a maternidade-paternidade já bem entrada nos anos.
O que deve fazer Sophia? Largar o marido vindo de seu meio social e intelectual? Ela o faz.
Entregar-se de corpo e alma ao caipira simpático e dono de eletrizante potência sexual? Ela se entrega.
E o faz depois de receber alertas, digamos, contundentes. Para a mãe, Sophia justifica o desempenho erótico-irresistível do novo parceiro-proletário. Ela o vê como consequência de sua (dele) origem espanhola. Povo latino, caliente. A mãe contra-ataca: não se esqueça que os espanhóis são sanguinários, fizeram a Inquisição.
Os amigos e amigas sugerem que ela não idealize os trabalhadores. Afinal, eles andam dando seus votos a candidatos de extrema-direita. Vem o contra-argumento: não há extrema direita no Quebec.
Nada parece deter a paixão de Sophia por Sylvain. E ele, depois de crise de ciúme e de sumiço perturbador, volta com anel nupcial e um cenográfico pedido de casamento.
Ela vai contrair novo matrimônio? Eis a questão. Estamos diante de comédia romântica, na qual mulher encontra parceiro em tudo diferente dela e supera tais diferenças para viver apoteótico happy end?
Só vendo o filme de Monia Chokri para saber. A narrativa dura quase duas horas, que correm céleres pela tela, sem tempos mortos. E banhada com saborosas doses de bom-humor. E diálogos enxutos e espertos. Mas “A Natureza do Amor”, que participou da mostra Un Certain Régard, do Festival de Cannes, ano passado, é apenas um bom filme, sem ousadias ou originalidade. E de final inesperado. Não para as feministas.
A Natureza do Amor | Simple Comme Sylvain
Canadá-França, 2023, 110 minutos
Direção e roteiro: Monia Chokri
Elenco: Magalie Lépine Blondeau, Pierre-Yves Cardinal, Francis-William Rhéaume, Monia Chokri, Steve Laplante, Marie Ginette Guay, Micheline Lanetôt, Guillaume Laurin, Mathieu Baron, Lubna Playoust, Johanna Toretto, Jordan Arseneault
Fotografia: André Turpin
Direção de arte: Kimberley Thibodeau
Trilha sonora: Émile Sornin
Montagem: Pauline Gaillard
Figurino: Guillaume Laflamme
Produção: Nancy Grant, Sylvain Corbeil
Distribuição: Imovision