Noite de prêmios da Mostra festeja Coppola e Makhmalbaf e entrega “Bandeira Paulista” aos premiados

Foto: Renata de Almeida e Francis Ford Copolla © Mario Miranda Filho/Agência Foto

Por Maria do Rosário Caetano

O diretor Francis Ford Coppola, de 85 anos, foi aplaudido de pé ao subir ao palco do Espaço Petrobras, na Cinemateca Brasileira, para receber o Troféu Leon Cakoff. Bem-humorado, ele brincou com Renata Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: “Mas o filme (“Megalópolis”, seu novo e controvertido longa-metragem) nem foi visto, não seria melhor me premiar depois?”.

O prêmio, o elegante Troféu Bandeira Paulista desenhado por Tomie Ohtake, era, claro, destinado à sua consagrada trajetória no cinema, marcada por êxitos como “A Conversação”, a trilogia “O Poderoso Chefão”, “Apocalypse Now” e, também, por “Megalópolis”, que seria exibido a seguir, em três salas, todas lotadas. Renata ponderou: “vi seu filme e adorei”. Ele, então, ainda em tom de brincadeira, comentou: “então, você é quem merece esse prêmio”.

Coppola, ao apresentar seu épico, soma de ficção científica, delírio e frenesi da sociedade do espetáculo, avisou: “Sei que aqui (na Mostra) estão todos os tipos de filmes, feitos com orçamentos bem diversos. O meu é alto (“Megalópolis” custou US$ 140 milhões), mas não fiquem contra ele por isso. Tudo que vocês verão é uma fábula para não se levar inteiramente a sério. Reajam livremente a ele. Se quiserem rir, riam; se quiserem chorar, chorem; extravasem”.

Além de Coppola, o cineasta mais aplaudido da noite foi o iraniano Moshen Makhmalbaf. O público reagiu calorosamente a cada menção ao nome do diretor de “Salve o Cinema” e “Gabbeh”. Ele foi festejado pela secretária do Audiovisual-MinC, Joelma Gonzaga, e pelo cineasta Walter Salles, que subiu ao palco com vários integrantes da equipe de “Ainda Estou Aqui” para receber o Prêmio do Público. O filme foi o escolhido pelos cinéfilos paulistanos como a melhor ficção brasileira desse ano. Walter saudou o iraniano, atualmente radicado na Europa, com o nome original de seu filme mais famoso: “Salaam Cinema”. Que, em 1995, ano do Centenário do Cinema, causou frisson na Mostra paulistana, ao apresentar multidão de moradores de Teerã tentando passar por teste de elenco e ganhar papel em filme makhmalbafiano.

O iraniano integrou o júri da Mostra, ao lado da atriz brasileira Camila Pitanga, da curadora argentina Hebe Tabachnik, do ator português Gonçalo Waddington, do produtor norte-americano Kyle Stroud e do crítico francês Thierry Meranger, da equipe da revista Cahiers du Cinéma.

A cerimônia de premiação da Mostra começou com homenagem a Vladimir Carvalho, que teve uma de suas fotos – sorridente e empunhando uma câmara – exposta no imenso telão do Espaço Petrobras.

O primeiro cineasta premiado na noite do Troféu Bandeira Paulista foi o pernambucano Lírio Ferreira. Ele recebeu o Prêmio Aquisição Netflix por um dos dois filmes que apresentou ao público paulistano – o ficcional “Serra das Almas” (o outro foi o documentário “A Última Banda de Rock”).

O representante da poderosa plataforma de streaming, Gabriel Gurman, avisou que o filme de Lírio será “disponibilizado pela Netflix em 190 países”. E mais, que o premiado do ano passado, o baiano “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges, estreia mundialmente na Netflix dia 5 de novembro, portanto, na próxima terça-feira”.

O nono longa-metragem de Lírio Ferreira se passa na Serra das Almas, em Pernambuco. Um roubo de joias vai reunir antigo grupo de amigos desajustados. O resultado desse encontro será catastrófico. Vigiados por fantasmas do passado, cada um dos “desajustados” terá que “encontrar a própria maneira de ser livre”.

O segundo prêmio da noite foi atribuído a outra produção brasileira – “Malu”, de Pedro Freire – pelo Projeto Paradiso. O filme, que estreia nessa quinta-feira, 31 de outubro, receberá suporte para sua distribuição no circuito exibidor brasileiro. A Malu ficcional foi ao palco buscar o troféu. Ou seja, a personagem encarnada pela atriz mineira Yara de Novaes, protagonista absoluta e iluminada de roteiro urdido pelo próprio diretor para evocar os anos finais e desesperadores de sua mãe, a atriz Malu Rocha (1947-2013).

Dividida em três blocos – Prêmios do Júri Oficial (Mostra Novos Realizadores), Prêmios do Público e Prêmios da Crítica – a cerimônia prosseguiu, sem contratempos e célere. Com discursos rápidos (exceção para o interminável agradecimento da pernambucana Marianna Brennand, de “Manas”).

Walter Salles, Marcelo Rubens Paiva e Luiz Galina, de “Ainda Estou Aqui”, escolhido pelo público como melhor ficção brasileira © Edu Tarran

Os brasileiros agradeceram seus troféus no palco, emocionados. Os estrangeiros que não estavam presentes (alguns já haviam regressado e a seus países ou não puderam comparecer) enviaram seus agradecimentos por via digital.

Três breves discursos, em especial, chamaram atenção do público. Dois por via digital. Um de corpo presente. O primeiro materializou-se no politizado, potente e sintético discurso do cineasta haitiano Raoul Peck (“Eu Não Sou seu Negro”, indicado ao Oscar), que fez jus ao Troféu Humanidades. Ele não pôde estar em São Paulo, mas “mandou ver” com discurso sobre a condição do homem negro no mundo e as consequências nefastas do colonialismo. Esse ano, os cinéfilos paulistanos assistiram ao novo filme do haitiano — “Ernest Cole: Achados e Perdidos”.

O segundo discurso, também via digital, foi proferido por Jia Zhang-Ke. Premiado pela Crítica, por seu vigoroso “Levados pelas Marés”, o cineasta chinês registrou sua imagem portando óculos escuros. E, com gentileza e calma, depois de agradecer ao prêmio, justificou: “uso óculos escuros, porque estou editando meu novo filme e o excesso de luminosidade provocou hipersensibilidade nos meus olhos”.

O terceiro discurso, presencial, foi feito pelo brasileiro Michel Coeli, premiado com “Sinfonia da Sobrevivência”, sobre trágicos e ameaçadores incêndios no Pantanal matogrossense. Ele contou que seu documentário foi produzido de “forma independente e na raça”. Para, em seguida, citar o fecho do breve agradecimento de Jia Zhang-Ke: “não sei como não tive minha vista afetada”. No caso, pelo fogo que fez arder o Pantanal, santuário ecológico do Centro-Oeste brasileiro.

O júri Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) premiou o documentário “Intervenção”, primeiro longa solo de Gustavo Ribeiro, codiretor de “Todos os Paulos do Mundo” (sobre o ator Paulo José). Produzido por Mathias Mariani e pelas irmãs Beatriz e Elisa Bracher (do Instituto Galo da Manhã), “Intervenção” acompanha, ao longo de quatro anos, o cotidiano de moradores de duas favelas. Os moradores lutam pela urbanização do espaço, mas sua reivindicação desagrada à parte mais valorizada do bairro. Sob o slogan “Não no meu Quintal”, os abastados resistem às benfeitorias destinadas aos favelados.

Ao agradecer a láurea, o documentarista arrancou risadas do público e bronca bem-humorada de Renata Almeida. Isto porque ele revelou um segredo, ao contar que, em 1993, portanto 20 anos atrás, foi monitor na Mostra, atuando no (desaparecido) Cine Vitrine. Embora soubesse que, como monitor, não poderia assistir aos filmes — tinha outras funções a desempenhar —, ele sempre arrumava um jeito de estar na plateia das últimas sessões. Ao que Renata contrapôs: “por favor, monitores da Mostra, não repitam o procedimento do Gustavo Ribeiro” (risos).

Os integrantes da imprensa especializada, aquela que cobre o festival paulistano, atribuíram o Prêmio da Crítica (para filmes dirigidos por veteranos ou estreantes não-inéditos) ao brasileiro “Manas” e ao chinês “Levados pelas Marés”. O primeiro — ponderou Marianna Brennand em seu longo agradecimento — aborda a exploração sexual de menores na Ilha do Marajó, mas o faz mostrando “tema violento, mas sem trazer a violência (para a tela)”.

O novo filme de Jia Zhang-Ke, diretor de “Still Life”, premiado no Festival de Veneza, retoma seu imenso e complexo retrato das grandes transformações ocorridas na China continental.

Um dos mais importantes cineastas do mundo contemporâneo, o realizador (tema de ótimo documentário de Walter Salles) registra 20 anos de profundas mudanças processadas na China, em sua transição do comunismo mao-tsetunguiano para um mix de capitalismo de Estado e socialismo.

Com elenco liderado por Zhao Tao (musa e companheira do cineasta) e Li Zhubin, “Levados pelas Marés” constrói complexo inventário ao somar imagens feitas no tempo presente e registros do passado. Estes retirados de sobras de filmes como “Plataforma” (2000) e, principalmente, de sua obra-prima “Still Life – Em Busca da Vida” (2006), poderoso registro dos estragos afetivos e estruturais causados pela gigantesca hidrelétrica das Três Gargantas.

Marianna Brennand foi premiada por “Manas”, melhor filme brasileiro pela crítica © Edu Tarran

As escolhas do público não trouxeram surpresas. Em especial, as do segmento brasileiro. A melhor ficção – “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles – causou frisson no festival. Havia gente na fila às sete horas da manhã (sim, da manhã!) para compra de ingressos para as duas únicas sessões noturnas oferecidas ao público. E o que os espectadores viram – a história de Eunice Paiva e seus cinco filhos, abalados pela dolorosa perda do esposo e pai Rubens Paiva, torturado e morto pela ditadura militar – arrancou lágrimas e elogios calorosos.

A escolha de “3 Obás de Xangô”, de Sérgio Machado, escolhido como melhor documentário, era barbada. O filme, muito criativo e bem-editado, capta a alma de um Brasil feliz, fincado na amizade de três artistas baianos – Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé. A plateia que lotou o CineSesc saiu em estado de graça.

Ao buscar, no palco do Espaço Petrobras, o Troféu Bandeira Paulista, o produtor Diogo Dahl tentou ganhar tempo à espera do diretor Sérgio Machado, ausente, pois muito ocupado com o lançamento de “Arca de Noé”, sua estreia na animação (o filme chega aos cinemas semana que vem). Renata Almeida, uma mestre-de-cerimônia atenta ao passar do tempo, avisou a ele que a espera era impossível. Havia outros prêmios a entregar e um filme (“Megalópolis”, de 138 minutos) muito aguardado pela multidão.

Diogo Dahl lembrou, então, que muitos o desencorajaram a produzir o documentário, argumentando tratar-se de “registro de tema do século passado”. Que havia, “no tempo presente, temáticas mais candentes e urgentes”. Ele persistiu. As qualidades estéticas do filme e os prêmios que vem recebendo (melhor documentário no Festival do Rio e agora do público da Mostra) confirmam o acerto da dupla baiano-carioca.

As escolhas internacionais do público brasileiro premiaram o jordaniano “O Caso dos Estrangeiros”, de Brandt Andersen, como melhor ficção internacional, e o dinamarquês “Balomania”, de Sissel Morell Dargis, como melhor documentário. Este filme levou ao palco dois brasileiros – Rafael Prado e Guilherme de Melo, moradores de favelas paulistanas. Eles agradeceram em nome da diretora de “Balomania” e a apresentaram como “uma dinamarquesa que veio ao Brasil, para aqui realizar seu documentário”. E que “o fez, sem preconceitos, mostrando pessoas perseguidas por amarem construir balões gigantes movidos por ar quente”.

Se, em tempos de crise climática e incêndios florestais, o balonismo é visto como grave ameaça à fauna e à flora, no filme, os aficcionados, de ação clandestina, são vistos como “artistas de rua”, que “trazem alegria às suas comunidades, enquanto evitam ameaças governamentais e fogem da polícia”. E mais: a diretora Sissel Morell Dargis compartilha “sua iniciação na irmandade dos balões” e vê “essas criações como ato de redenção social e sonho coletivo”.

O jordaniano “O Caso dos Estrangeiros”, dirigido por ativista dos Direitos Humanos, o estadunidense Brandt Andersen (nesse que é seu primeiro longa-metragem), tem elenco liderado pelo astro afro-francês Omar Sy (“Intocáveis”). A narrativa acompanha refugiados que lutam pela sobrevivência em condições as mais adversas.

O júri oficial analisou 16 filmes e atribuiu três prêmios. Por contar com tão farta massa crítica, os jurados resolveram dividir o prêmio de melhor ficção e de melhor documentário entre quatro filmes.

O caboverdiano “Hanami”, de Denise Fernandes, e o estadunidense “Familiar Touch”, de Sarah Friedland, foram eleitos como as melhores ficções. No terreno documental, triunfaram o palestino “No Other Land”, de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham (solidário e corajoso coletivo palestino-israelense), filme que vem somando prêmios por onde passa e é forte candidato ao Oscar, e “Sinfonia da Sobrevivência”, do brasileiro Michel Coeli.

Para a criativa e atrevida animação australiana “Memórias de um Caracol”, coube o prêmio de melhor direção (Adam Elliot). Em seu agradecimento, via digital, o animador utilizou sua protagonista – a menina Grace Prudel, feita de massa de argila – para falar de sua alegria com o reconhecimento brasileiro. O filme, se justiça houver nesse mundo, será um dos finalistas ao Oscar de melhor longa de animação. Afinal, trata-se de obra única, ousada, de humor cortante. E para jovens e adultos espertos e inquietos.

Denise Gonçalves, nascida em Lisboa há 34 anos, no seio de família de imigrantes cabo-verdianos, vive atualmente na Suíça. Seu longa de estreia, filmado integralmente na Ilha do Fogo, mostra a menina (depois adolescente) Nana, criada pela avó, pois sua mãe, Nia, deixou o país (vale lembrar que o arquipélago africano soma 500 mil habitantes e tem 1,5 milhão de filhos na diáspora). Quando Nana for acometida por febre alta, ela será enviada ao pé do vulcão para ser curada. Lá, encontrará um mundo que soma realidade e sonho.

O prêmio de “Familiar Touch” foi recebido pelo distribuidor franco-brasileiro Jean-Thomas Bernardini, da Imovision, que vai lançar o filme no mercado brasileiro. Ele contou que um integrante de sua equipe viu o filme num festival internacional e apaixonou-se por ele, recomendando que o comprasse o mais rápido possível. O que foi feito. “Vejam que o júri concordou com nossa escolha”, brincou.

O filme norte-americano centra-se na figura de Ruth Goldman, idosa portadora de demência, que vive em residência assistida. Ela, que foi uma exímia cozinheira, mantém-se distante de todos. Até redescobrir o prazer de cozinhar e reviver tempos de sua juventude. O filme rendeu o prêmio de melhor atriz a Katleen Chalfant (a Ruth) e à diretora Sarah Friedland, em mostras paralelas do Festival de Veneza (Horizonte e Leão do Futuro).

Confira os premiados:

Competição Novos Diretores

. “Hanami”, de Denise Fernandes (Cabo Verde, Suíça, Portugal) e “Familiar Touch”, de Sarah Friedland (EUA) – melhor ficção (ex-aqueo)
. “No Other Land”, de Basel Adra, Rachel Szor, Hamdan Ballal e Yuval Abraham (Palestina-Noruega) e “Sinfonia da Sobrevivência”, de Michel Coeli (Brasil) – melhor documentário (ex-aqueo)
. “Memórias de um Caracol”, de Adam Elliot (Austrália, animação) – melhor direção

Prêmios do Público

. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles – melhor ficção brasileira
. “3 Obás de Xangô”, de Sérgio Machado – melhor documentário brasileiro
. “O Caso dos Estrangeiros”, de Brandt Andersen (Jordânia) – melhor ficção internacional
. “Balomania”, de Sissel Morell Dargis (Dinamarca-Espanha) – melhor documentário

Prêmio da Crítica

. “Manas”, de Marianna Brennand (PE-PA) – melhor filme brasileiro
. “Levados pelas Marés”, de Jia Zhang-ke (China) – melhor longa internacional
. “Intervenção”, de Gustavo Ribeiro – Prêmio Abraccine para filme brasileiro de jovem diretor (até segundo longa)

Outros Prêmios

. “Serra das Almas”, de Lírio Ferreira (Brasil) – Prêmio Aquisição Netflix
. “Malu”, de Pedro Freire (RJ) – Prêmio Paradiso de Apoio à Distribuição
. “Hanami”, de Denise Fernandes (Cabo Verde, Suíça, Portugal) – Prêmio Brada (Coletivo de Diretoras de Arte do Brasil) para a direção de arte (assinada por Mathé)

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