O Brasil de ontem na dor de hoje
Um filme sobre a época da ditadura militar brasileira. Sem nenhuma cena de tanques, militares ou torturas. Não por acaso, este filme se chama “Hoje”, e fala das sequelas dos anos de chumbo sem utilizar reconstituição de época ou imagem de arquivo. Produzido e dirigido por Tata Amaral, “Hoje” pretende investigar antigos medos e culpas, que parecem jamais morrer, contando exclusivamente uma história que se desenvolve nos dias atuais.
Tudo acontece na dolorida solidão de um apartamento paulistano. Um apartamento revolto por caixas de mudança, paredes vazias e coisas que não funcionam. É para lá que está se mudando Vera (Denise Fraga), uma mulher sofrida e misteriosa que guarda um segredo dos tempos pós-64. Segundo a própria diretora, Vera “viveu durante anos numa espécie de estado de suspensão, sem saber se era viúva ou não. Essa situação do governo brasileiro, de não reconhecer a morte das pessoas, fez com que muita gente ficasse neste estado. Um pai, um marido ou uma mulher não podia se casar de novo porque não era oficialmente viúva ou viúvo. O filho não podia herdar porque na verdade o pai não morreu oficialmente; uma criança não podia viajar sozinha com a mãe porque não tinha a certidão de óbito do pai, nem autorização para viajar”, afirma.
A dor desta condição é a espinha dorsal de “Hoje”. Ao tentar arrumar uma nova casa, a protagonista busca sua própria arrumação interna, vai atrás do sentido de uma vida que é pautada pela presença angustiante da incerteza da morte. O suposto companheiro morto, Luís (o uruguaio César Troncoso, em mais uma marcante interpretação), surge para o espectador com a fluidez e o mistério de um fantasma. Fica-se sem saber o quanto ele realmente está ali, ou o quanto ele é uma projeção dos medos e culpas de Vera. Projeções, aliás, que o filme faz questão de mais tarde tornar palpáveis, graças a um bem elaborado trabalho de criação e direção de arte.
Na base de “Hoje” está a chamada “Lei dos Desaparecidos”, ou seja, a Lei 9.140, que reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e que se propôs a investigar as circunstâncias do desaparecimento de militantes.
Baseado no livro “Prova Contrária”, de Fernando Bonassi, “Hoje” busca discutir o Brasil de hoje, a partir do Brasil daquela época. “Fiz o filme pensando muito na nossa concepção de país que quer ir pra frente, está indo pra frente, é uma democracia cada vez mais próspera, está resolvendo um monte de coisas. Mas para realmente o país caminhar para uma situação de sociedade justa, ele precisa resolver este trauma do passado, esta mácula. Precisa punir os seus criminosos”, finaliza Tata Amaral.
Hoje
(BRA, 82 min., 2011)
Direção: Tata Amaral
Distribuição: H2O Films
Estreia: 19 de abril
Assista ao trailer do filme aqui.
Leia entrevista exclusiva da diretora Tata Amaral.
Por Celso Sabadin