Seriados ousados e os arcos longos e complexos

No Brasil de hoje, temos completa hegemonia de um tipo de série, as de formato fixo e sem arcos longos. Analisando as séries americanas, podemos ver que há um grande público interessado e ávido por outros modelos que ainda não produzimos.

As séries de TV dramáticas trabalham com dois tipos de arcos numa temporada: o curto é a trama que se “resolve” no episódio e o longo é a que terá seu desfecho no final temporada. Basicamente, elas se dividem em dois tipos: séries de formato fixo ou não. Fixos são os que, em cada episódio, tem os mesmos componentes, citando “Lei e Ordem”: crime, investigação, julgamento, invariavelmente, nessa ordem, com pouquíssimas exceções.

Elas compõem a maioria da grade da TV aberta dos EUA, voltada para o grande público e atraindo as maiores audiências, e abdicam de uma curva longa para trabalhar com ganchos entre uma temporada e outra. “House”, “Chicago Fire”, “C.S.I.” são exemplos disso; no final da temporada, ocorre uma situação envolvendo um personagem principal que será resolvido no começo da outra temporada.

As de formato fixo têm maior dificuldade em conseguir trabalhar com uma curva longa, raras exceções conseguiram inovar criando curvas longas. “24 Horas” é um dos exemplos mais bem sucedidos. Conseguiu criar um formato fixo que trabalhou com uma curva longa e uma por episódio de forma brilhante. Sem fazer juízo, é claro, que existem séries que não têm curva longa e mesmo assim fazem sucesso. “Lei e Ordem” é o maior exemplo disso, durou 20 temporadas sem ter uma curva longa.

E tem as que não seguem os formatos, são as que se aproximam do romance na literatura, com tramas que vão caminhando por episódio. Muitas dessas têm se destacado, fidelizando os espectadores, conseguindo trabalhar com um arco longo muito bem elaborado.

Elas, geralmente, passam na TV paga, voltadas para um público específico, gozam de uma maior liberdade criativa e, assim, conseguem desenvolver uma trama com curva longuíssima, que pode envolver várias temporadas, mas que terá um desfecho, mesmo que durem 7 ou 8 temporadas. “Game of Thrones” é o exemplo mais radical. Na primeira cena da série, define que o grande conflito será a batalha contra os “caminhantes”. Desenvolve tantas tramas paralelas, que a primeira batalha real contra os “caminhantes” acontece apenas na quinta temporada.

Essas séries partem de alguns pressupostos durante a criação:

• Temáticas pesadas e polêmicas, dramaturgia e cinematografia mais complexa. “The Shield”, influenciado por “Família Soprano”, trouxe como protagonista uma equipe policial corrupta, que, na mesma proporção que soluciona casos de segurança pública, se envolve em esquemas de corrupção cada vez maiores. Essa dualidade entre o bem praticado e as consequências dos atos corruptos foi o que tornou a série uma das melhores séries policiais de todos os tempos, e foi exatamente isso que faltou em “Breaking Bad”.

• O espectador entende. Essas séries não subestimam o espectador, abandonando a máxima de que ele irá deixar de assistir se não estiver entendendo a trama. Não há mais tanta redundância nas tramas, o espectador, em algum momento, irá entender o que está acontecendo na trama ou, então, irá buscar em outros meios (comunidades, fóruns etc…). Matthew Weiner, criador de “Mad Men” que trabalhou como roteirista e produtor em “Família Soprano”, disse em uma entrevista que uma das máximas da série era deixar o espectador entender o significado das cenas apenas no desfecho do episódio ou até da temporada.

• O desafio de criar episódios interessantes em si. Utilizando-se de uma dramaturgia cheia de nuances, mudanças de pontos de vista, multiplot, jogo de informação com o espectador, cenas fortes e personagens marcantes. “Homeland”, por exemplo, faz um jogo fascinante com o espectador, mudando a cada episódio a quantidade de informação que o espectador tem da trama geral. Além disso, mistura muito bem o que cada personagem sabe sobre a trama geral e o que ele vai revelar naquele momento, criando um suspense que prende a atenção do espectador.

Existem outros aspectos que poderiam ser citados, mas o grande questionamento é: por que, no Brasil, não se faz séries sem formato fixo nesses moldes?

Na hora de se vender séries, muitos produtores e executivos declinam ideias polêmicas, alegando que certos temas o público brasileiro não aceita. Isso não é verdade, o público não aceita quando é gratuito, sem propósito, como um oposto maligno de um merchand social que as novelas fazem. A premiadíssima “Mad Men” trata de racismo, homofobia, machismo, alcoolismo, assédio sexual, inserindo cenas fortíssimas como a masturbação de uma menina de 10 anos em um ambiente em que todos fumam a exaustão.

O que falta, realmente, é coragem de arriscar e produzir uma série voltada para um público específico, que tenha liberdade criativa e que irá criar um universo que atrairá uma grande quantidade de fãs. Uma série ousada que possa servir de marco, como “Cidade de Deus” foi para o cinema nacional.

 

Por Marcos Takeda e Newton Cannito, roteiristas

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