A sobrevivência dos Funcines

Foi na França, por meio dos Sofica (Sociétés de financement de l’industrie cinématographique et de l’audiovisuel), criados em 1985, que Thierry Peronne aprendeu a enlaçar finanças e imagens. Mas é no Brasil que ele vê esse casamento render frutos surpreendentes. “Ao criar um mercado que não existia, a lei da TV Paga mostrou para todos os players as reais possibilidades do setor. Ganhei mais dinheiro em três anos trabalhando com televisão do que em 30 anos trabalhando com cinema”, diz o diretor-presidente da Investimage Asset Management, gestora do Investimage1 Funcine (Fundo de financiamento da indústria cinematográfica nacional).

No início deste ano, o Investimage injetou R$ 9 milhões em private equity em três produtoras, Oca, Glaz e BossaNova. Até o fim de 2015, o fundo deve colocar outros R$ 5 milhões no audiovisual. “Sem dúvida, a TV paga tem sido fundamental para o mercado, mas a verdade é que o audiovisual como um todo está crescendo. Mesmo o mercado de exibição tem avançado”, pontua Peronne, citando o grupo exibidor Cinesystem, que recebeu um investimento em private equity em 2014, e, de maneira mais ampla, a revolução tecnológica.

“Temos aquisições importantes acontecendo no mundo todo. Você também vê grandes movimentos na França e na Inglaterra”, assinala. “Se isso acontece é porque, hoje, temos telas em todos os lugares e formatos e, para ocupar todo esse espaço, precisamos de conteúdo. Há, além disso, o avanço do branded content. É natural que, nesse contexto, os investidores se interessem pelo audiovisual.”

Complexidade do mercado brasileiro dificulta sucesso dos Funcines

Peronne acompanha a relação entre o mercado financeiro e o cinema brasileiro desde os primeiros flertes. Ele participou, inclusive, do trabalho de regulamentação dos Funcines, criados por lei em 2003 e novamente regulamentados em 2006 – quando estabeleceu-se que era possível abater do imposto de renda 100% do valor aplicado na compra de cotas. À época, a possibilidade de se transferir recursos incentivados no mercado financeiro soou como algo irresistível. O tempo mostrou, porém, que o formato não só não era irresistível como era pouco atraente.

“De fato, o Funcine não pegou. Os que estavam atuando tinham muitas dificuldades e isso foi afastando os interessados”, admite. Questionado sobre as razões para a falta de interesse do mercado de capitais no cinema, Peronne cita, entre outras coisas, a própria lógica do audiovisual brasileiro: “O cinema tem uma agência estatal no meio e o mercado de capitais não está acostumado a isso. Cada investimento feito, precisa ser autorizado pela Ancine e, às vezes, o tempo da agência não é o tempo dos investidores”.

É preciso levar-se em conta, além disso, que o incentivo só pode ser usado por empresas tributadas pelo lucro real dentro do teto de 3% do imposto de renda e que o mecanismo “concorre” com a Lei Rouanet. “Na prática, é muito difícil conseguir captar. O fundo Anima [dedicado a animação] queria captar R$ 40 milhões e captou R$ 7 milhões”, exemplifica Peronne. “O que me parece é que os Funcines se manterão tendo como cotistas uma ou, no máximo, duas empresas. Por quê? Porque dessa maneira é possível, ao menos, ter um retorno de marketing.” É esse o caso do Investimage, que tem recursos do BNDES- e da Caixa Seguros.

Produtoras precisam se estruturar para diminuir entraves

Outra dificuldade que não pode ser desconsiderada é a estrutura das empresas de audiovisual do país, ainda não suficientemente maduras em termos de governança. A despeito da crescente profissionalização e dos números atrativos, trata-se de um setor que, para os padrões dos investidores, é excessivamente arriscado e enigmático – faltam ao setor, por exemplo, parâmetros mais claros para a análise de resultados.

Antes de fazer o aporte na Oca, na Glaz e na BossaNova, Peronne analisou mais de 50 empresas. “O problema ainda são os números”, diz. “Um fundo sempre compra o futuro e, quando entra, já prepara sua saída. Nossa saída, por exemplo, deve se dar em cinco ou sete anos.” Até lá, o plano é erguer a maior empresa de produção de conteúdo do hemisfério sul e também a primeira a fazer um IPO (Initial Public Offering), ou seja, abrir seu capital. Para que isso aconteça, é necessário que alcancem um faturamento da ordem de R$ 300 milhões ou R$ 400 milhões por ano.

 

Por Ana Paula Sousa

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