“Dois Papas” enfrenta “1917” e novo filme de Ken Loach na disputa pelo Bafta

Por Maria do Rosário Caetano

“Dois Papas”, o novo filme de Fernando Meirelles, ocupa importantes postos na disputa pelo Bafta, o Oscar inglês, promovido pela Academia Britânica de Artes do Cinema e TV. Vai disputar a estatueta de melhor filme britânico com um peso-pesado, “1917”, de Sam Mendes, e com o novo filme de Ken Loach, “Você Não Estava Aqui”. Completam a lista a cinebiografia de Elton John, “Rocketman”, de Dexter Fletcher, o documentário “For Sama”, de Edward Watts e Wadd Al-Kateab, e com “Bait”, de Markin Jenkin.

“1917”, o épico de guerra dirigido pelo britânico Sam Mendes, grande vencedor da 77ª edição do Globo de Ouro, não enfrentará “Dois Papas” nas duas categorias em que o filme do brasileiro Fernando Meirelles se apresenta forte: melhor ator coadjuvante (Anthony Hopkins) e melhor roteiro adaptado (o script do dramaturgo neozelandês Anthony McCarten terá, porém, que derrotar o sólido roteiro de “O Irlandês”, o épico de Martin Scorsese, e o do festejado “Coringa”, vencedor do Festival de Veneza).

Meirelles acha que, se “Dois Papas” tem alguma chance, é nesta categoria (melhor roteiro). Já as chances de Jonathan Pryce, intérprete do Papa Francisco, são pequenas, pois o favoritismo de Joaquin Phoenix, o dilacerado Coringa, é total.

Já as chances de Sir Anthony Hopkins, um dos atores mais festejados da Inglaterra, como coadjuvante, existem (embora se aponte Brad Bitt como franco favorito, por seu desempenho em “Era uma Vez… em Holywood”, de Quentin Tarantino).

O Bafta, este ano, está pagando caro por ter escolhido vinte atores brancos para as categorias protagonista e coadjuvante. A paixão pelas louras de olhos claros levou os britânicos a indicarem Scarlett Johansen, por dois filmes, a melhor atriz e a melhor coadjuvante. E Margot Robbie, coadjuvante em “O Escândalo” (sobre um predador sexual da Fox News) e “Era uma Vez… em Hollywood” (no qual ela interpreta Sharon Tate, a jovem esposa de Polanski). Ignorou até o latino Antonio Banderas (de “Dor e Glória”, no qual interpreta o alter-ego de Pedro Almodóvar). O filme rendeu a Palma de Ouro, em Cannes, ao ator malaguenho.

A Academia Britânica promete democratizar seu quadro de associados. Afinal, ele se apresentou, desta vez – e de forma paroxística – por demais anglo-saxão. Os britânicos farão o que fez seu modelo, a poderosa Academia de Hollywood? Afinal, a instituição estadunidense começou a admitir, em números significativos, associados vindos de outros continentes (asiáticos, latinos, europeus, inclusive do Leste). Fica a questão.

O que se sabe, e a imprensa noticiou, é que a atriz, compositora e cantora Cynthia Erivo, do drama black “Harriet”, negou convite para cantar na cerimônia do Bafta, dia dois de fevereiro próximo, no Royal Albert Hall. Se aceitasse, ela estaria passando pano para aliviar a exclusão de não-brancos pelos que escolhem os finalistas e vencedores da estatueta londrina.

Causa estranheza a ausência de “Nós”, o filme black de Jordan Peele, com elenco negro e roteiro de grande engenhosidade. E com dois jovens e promissores atores: a bela Lupita Nyong’o e Winston Duke. O Globo de Ouro, pelo menos, abriu espaço para o divertido (e bagaceira) “Meu Nome é Dolemite”, com Eddy Murphy em notável interpretação. E também para “Harriet”, já que a inglesa Cynthia Erivo foi indicada a melhor atriz de drama e pela melhor canção original (“Stand up”).

Britânicos, australianos e neo-zelandeses, por expressarem-se no mesmo idioma da poderosa e hegemônica indústria audiovisual dos EUA, unem de tal forma suas indústrias cinematográficas, que tornam quase impossível ver grandes diferenças nos nomes indicados para as principais categorias de seus prêmios anuais.

Os cinco candidatos a melhor filme selecionados pelo Bafta devem, com certeza, figurar na lista de nove ou dez finalistas da Academia de Hollywood (anúncio nesta segunda-feira, 13 de janeiro). São eles: “1917”, “O Irlandês”, “Coringa”, “Era uma Vez… em Hollywood” e o coreano do sul “Parasita”, a sensação internacional do ano.

O festejado longa de Bong Joon-ho está, também, e neste caso como franco favorito, na lista de candidatos a melhor filme estrangeiro do Bafta, junto com o espanhol “Dor e Glória”, de Pedro Almodóvar, o francês “Retrato de uma Jovem em Chamas”, de Céline Sciamma, o chinês (parceria com os EUA) “A Despedida”, de Lulu Wang, e o documentário “For Sama”, produzido na Síria e dirigido por um inglês Edward Watts (em parceria com Wadd Al-Kateab).

O apreço do Bafta por este filme é notável. Tanto que “For Sama” figura, também, na lista de cinco finalistas a melhor documentário, concorrendo com “Diego Maradona”, de Asif Kapadia (o mesmo de “Amy” e “Senna”), “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar, “Apollo 11”, de Tood Miller, e “Privacidade Hackeada”, de Karem Amer e Jehane Noujaim. Incrível: os britânicos não deram a mínima para o documentário-sensação da temporada (o europeu “Honeyland”, de Tamara Kostevska e Ljubomir Stefanov, vindo da Macedônia do Norte).

No terreno da animação, a presença de Hollywood se faz sentir. Entre os quatro indicados, um é britânico “Shaun, o Carneiro Aliens”, e outro, parceria entre Espanha e Inglaterra (“Klaus”, de Sergio Pablos). Os outros dois são “Frozen 2” e “Toy Story 4”. Inexplicável, num prêmio europeu, a ausência da mais bela e autoral das animações ibéricas, “Buñuel en el Laberinto de las Tortugas”, de Salvador Simó.

Na disputa pelo Bafta-categoria filme britânico, há que se destacar “Rocketman”, por representar a vertente mais badalada do cinema inglês contemporâneo: as cinebiografias (ou narrativas derivadas) de astros do rock. O êxito planetário de “Bohemian Rhapsody”, sobre a vida de Freddy Mercury, badaladíssimo no Oscar do ano passado e com público que beirou o bilhão de dólares, contaminou os produtores. Vide “Yesterday”, de Danny Boyle (sobre inglês de origem indiana que se faz passar por autor e intérprete das canções dos Beatles) e “A Música da minha Vida”, de Gurinder Chada, no qual um paquistanês radicado na Inglaterra, devoto admirador de Bruce Springton sonha conhecer o roqueiro norte-americano.

Seguem, abaixo, os principais concorrentes ao Bafta e depoimento de Fernando Meirelles, diretor de “Dois Papas”, sobre sua relação com o cinema britânico. O filme, que trouxe o cineasta brasileiro de novo à disputa por prêmios internacionais, é produção inglesa realizada em parceria com Brasil, Argentina e EUA, via Netflix.

Nunca é demais lembrar que Meirelles teve – e tem – na Inglaterra, seu mais fiel parceiro. Foi lá que “Cidade de Deus”, recebido a pedradas no Brasil, triunfou junto ao público e à crítica (incluindo importante ensaio de Ismail Xavier, de grande repercussão nos meios artístico-culturais londrinos). Foi lá que o diretor de “O Jardineiro Fiel” (Oscar de atriz coadjuvante para Rachel Weisz), encontrou parceiros para muitos dos filmes que realizaria a seguir.

FERNANDO MEIRELLES E A PARCERIA COM INGLATERRA

Minha relação com os ingleses começou quando fui convidado pelo produtor Simon Channing Willians, sócio e produtor do Mike Leigh, para dirigir “O Jardineiro Fiel”. Conheci-o, por acaso, tomando café com amigo comum num bar, embaixo de sua pequena produtora no Soho. 

O filme já tinha uma produtora, a Tracey Seaward, que fazia e faz os filmes do Stephen Frears. Topei. No Quênia, a Tracey acabou se casando com o diretor de arte Mark Tidesly, que faz todos os filmes do Dany Boyle, entre outros. Este adorável casal entrou para a minha lista de melhores amigos. Ela é a produtora e ele o diretor de arte de “Dois Papas”. Agora, ambos estão nos créditos do novo “Star Wars”, o Mark fez o último “James Bond”, depois do trabalho nos “Papas”. Brinco que se venderam, mas ambos estão muito dentro da cena do cinema independente inglês e foi através deles que conheci diretores e atores que admiro. 

Stephen Daldry acabou produzindo seu filme brasileiro, “Trash”, na O2 Filmes. “360”, que dirigi, também foi uma produção inglesa, mas este com a turma da produtora do Michael Winterbotton. Na verdade, estas turmas se misturam. 

O Mark fez muitos filmes do Michael. O fato é que por estes filmes acabei conhecendo e trabalhando com muita gente por lá. Quando vou a uma festa nos EUA conheço pouca gente, na Inglaterra me sinto mais enturmado. Por alguma razão, a turma lá gostou muito de “Cidade de Deus”, então sou bem aceito. 

“Dois Papas” concorre a melhor filme inglês no Bafta, porque de fato foi uma produção inglesa. Convidei a Tracey e com ela veio grande parte do time que fez o “Jardineiro Fiel”, uma espécie de família que às vezes se reúne em projetos. Nunca fiz nenhum filme em Hollywood ou com produção norte-americana, embora leia sempre que já fiz isso. 

Não consideraria passar um tempo em Los Angeles e já recusei projetos por ter que fazer isso, mas consideraria passar um tempo em Londres.

 

Confira os finalistas do Bafta:

Melhor filme

. O Irlandês (EUA)
. Parasita (Coreia do sul)
. 1917 (Inglaterra)
. Coringa (EUA)
. Era uma Vez… em Hollywood (EUA)

Melhor diretor

. Martin Scorsese (O Irlandês)
. Bong Joon-ho (Parasita)
. Sam Mendes (1917),
. Todd Phillips (Coringa)
. Quentin Tarantino (Era uma Vez…em Hollywood)

Melhor atriz (protagonista)

. Renée Zellweger (Judy, Além do Arco-Iris)
. Scarlett Johansen (História de um Casamento)
. Saoirse Ronan (Adoráveis Mulheres)
. Charlize Theron (O Escândalo)
. Jessie Buckley (As Loucuras de Rose)

Melhor ator (protagonista)

. Joaquin Phoenix (Coringa)
. Jonathan Pryce (Dois Papas)
. Adam Driver (História de um Casamento)
. Taron Egerton (Rocketman)
. Leonardo DiCaprio (Era uma Vez… em Hollywood)

Atriz coadjuvante

. Laura Derm (História de um Casamento)
. Scarlett Johansen (Jojo Rabbit)
. Florence Pugh (Adoráveis Mulheres)
. Margot Robbie (O Escândalo)
. Margot Robbie (Era uma Vez…em Hollywood)

Ator coadjuvante

. Anthony Hopkins (Dois Papas)
. Brad Pitt (Era Uma Vez…)
. Al Pacino (O Irlandês)
. Joe Pesci (O Irlandês)
. Tom Hanks (Um Lindo Dia na Vizinhança)

Melhor roteiro adaptado

. Anthony McCarten (Dois Papas)
. Steven Zaillian (O Irlandês)
. Todd Phillips e Scott Silver (Coringa)
. Greta Gerwig (Adoráveis Mulheres)
. Taika Waititi (Jojo Rabbit)

Melhor roteiro original

. Bhong Joon-ho (Parasita)
. Quentin Tarantino (Era uma Vez…)
. Noah Baumbach (História de um Casamento)
. Rian Johnson (Entre Facas e Segredos)
. Fogel, Halpern, Haskins e Silberman (Fora de Série)

Melhor estreia de um diretor, produtor ou roteirista britânico

. Álvaro Delgado-Aparício, diretor e roteirista, por Retablo (Inglaterra/Peru)
. Waad Al-Kateab e Edward Watts, por For Sama (Inglaterra e Síria)
. Alex Holmes, diretor de “Maiden”
. Harry Wootliff, roteirista e diretor de “Only You”
. Mark Jenkin (diretor e roteirista) e Byers & Waite (produtores), por “Bait”

Melhor elenco

. Nina Gold, por “Dois Papas”
. Sarah Crowe, por “The Personal History of David Copperfield
. Shayna Markowitz, por “Coringa”
. Victoria Thomas, por “Era uma Vez…”
. Douglas Abiel e Francine Maisler, por “Histórias de um Casamento”

Estrela revelação

. Awkwafina
. Jack Lowden
. Kaitlyn Deever
. Kelvin Harrison Jr
. Michael Ward

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