“Pacarrete”, “Três Verões” e “Sertânia” despontam como favoritos à vaga brasileira no Oscar

Por Maria do Rosário Caetano

Três filmes já despontam como franco favoritos na disputa por vaga brasileira ao Oscar internacional – o cearense “Pacarrete”, de Allan Deberton, o carioca “Três Verões”, de Sandra Kogut, e o baiano “Sertânia”, de Geraldo Sarno.

Como muita água ainda vai rolar até a realização da festa hollywoodiana, atrasada por causa da pandemia do Covid-19, outros filmes irão, com maior ou menor alarde, entrar no páreo. Caso de “Alice Júnior”, do paranaense Gil Baroni, “Febre”, da carioca Maya Da-Rin, “Casa de Antiguidades”, do paulista João Paulo Miranda, e “Narciso em Férias”, de Renato Terra e Ricardo Calil. Este, embora seja um documentário, poderá habilitar-se. Afinal, ano passado, um longa documental, o macedônio “Honeyland”, foi escolhido como um dos cinco postulantes ao Oscar de melhor produção internacional.

Por causa da pandemia, o calendário do Oscar sofreu imensas alterações. A maior de todas refere-se à data. A cerimônia de premiação deixa sua data tradicional (o mês de fevereiro), para, ano que vem, acontecer no longínquo dia 25 de abril. E como o mercado exibidor (salas de cinema presenciais) sofre paralisia que já dura seis meses, os filmes lançados até dezembro – inclusive e principalmente no streaming – serão aceitos pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (AMPAS). E, claro, por sua congênere verde-amarela, a ABCAA (Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais).

Paulo Mendonça, vice-presidente da ABCAA, lembra que os produtores de longas-metragens interessados em disputar a vaga brasileira ao Oscar internacional, conhecido até o ano passado como Oscar estrangeiro, poderão inscrever-se até o último dia desse ano (31 de dezembro).

“A diretoria da ABCAA, uma organização da sociedade civil” – conta Mendonça – “ainda não definiu a data de reunião da Comissão Especial de Seleção”, aquela que efetuará a escolha, independente de qualquer instância do Governo Brasileiro. Já foi o tempo em que o Ministério da Cultura (que nem existe mais) se incumbia de tal tarefa.

“Nesse momento” – antecipa o vice-presidente –, “estamos desenvolvendo a plataforma na qual serão alojados todos os filmes inscritos, respeitando os mais rigorosos critérios de segurança”. Portanto, “com acesso exclusivo aos membros da Comissão de Seleção”. E mais: “estamos criando o aplicativo através do qual os produtores poderão fazer, remotamente, a inscrição de seus filmes”.

E quais são os critérios para a aceitação de inscrições?

Paulo Mendonça responde: “os critérios são aqueles definidos na Regra 13 da AMPAS (disponível no site da Academia), que resumidamente diz estarem habilitados a concorrer: 1 – filmes com data agendada de lançamento impossibilitada de ser cumprida por conta da pandemia e tiver sido lançado por uma plataforma de streaming tradicional, e 2 – filmes que tenham sido lançados em cinema comercial pelo período mínimo de uma semana”. Detalhe importante, no caso brasileiro: “pode ser um cine drive-in, desde que registrado pela Ancine e que haja comercialização de ingressos”.

A comissão de seleção do candidato brasileiro ao Oscar será presidida pela jovem cineasta Viviane Ferreira, que dirige a APAN (Associação de Profissionais do Audiovisual Negro). Nascida na Bahia, Viviane está radicada no Rio de Janeiro, onde mantém a produtora Odun Filmes. É autora do curta-metragem “O Dia de Jerusa”, que deu origem a seu primeiro longa, de mesmo nome. Com ela, estão os produtores cariocas Renata Magalhães, Clélia Bessa, Leonardo Monteiro de Barros e Roberto Berliner (também diretor), e os fotógrafos (também cariocas) Affonso Beato e Lula Carvalho. O time completa-se com a diretora Laís Bodanzky e o produtor Rodrigo Teixeira, ambos atuantes no mercado paulista. Para a suplência, foram designados dois cineastas paulistanos (André Ristum e Toni Venturi).

Por que a comissão ficou totalmente concentrada em profissionais do eixo Rio-São Paulo? Contando com nove integrantes, não haveria espaço para um nordestino, ou mineiro ou um pernambucano? Ou, ainda, um represente do Sul ou Centro-Oeste?

Paulo Mendonça apresenta a justificativa da Academia Brasileira: “a formação da Comissão é feita através de votação dos associados em candidatos que se credenciaram voluntariamente a integrá-la”. Tal procedimento “possibilita a obtenção de uma imponderável representatividade”. Com intuito “de garantir a pluralidade e diversidade” à Comissão, a Academia “se reserva o direito da indicação de quatro membros convidados para integrar o colegiado”.

“Gostaríamos muito” – assegura Mendonça – “que profissionais de outras regiões, já que o quadro de associados é majoritariamente de São Paulo e Rio, se fizessem presentes no nosso quadro de associados. Nossa associação é aberta a todos os profissionais do cinema e do audiovisual (inclusive críticos cinematográficos)”. Por isso, “estamos trabalhando em um programa de flexibilização associativa e de aproximação de entidades de classe de todo o país”.

A AMPAS realizará a reunião de sua Comissão de Seleção nos primeiros meses de 2021, de forma virtual, através da plataforma Zoom.

Quais são os trunfos dos três filmes que mais se destacaram, até o momento? São muitos. “Pacarrete” se apresenta como o título com maior torcida e já causou furor em dezenas de festivais brasileiros e alguns internacionais. A seu favor conta com história universal (uma bailarina idosa e tida como louca, que sonha em montar “O Lago dos Cisnes” na festa de aniversário de sua cidade), uma atriz em estado de graça (Marcélia Cartaxo), sedutora proposta de diálogo aberto com o musical norte-americano (e com citações a “Crepúsculo dos Deuses” somada a humor almodovariano) e, o que constitui seu maior trunfo – uma trilha sonora descoladíssima. Mais internacional, impossível.

Confiram os hits da trama debertoniana: Tina Turner (“We Don’t Need Another Heroi”), Charles Trenet (“Douce France”), Román Perez-Freire (“Ay, Ay, Ay”, com Orquestra de Paul Muriat), John Gummoe (“Ritmo da Chuva”, em francês, com Sylvie Vartan), composições clássicas de Tchaikovsky e Saint-Saëns. E o cearense Belchior (“Coração Selvagem”).

O maior rival de “Pacarrete” é “Três Verões”. O filme também tem uma história universal. Uma empregada de família rica (e corrupta) vê-se envolvida pelas falcatruas dos patrões e tem que se virar, em mansão situada num paraíso do Brasil atlântico, com problemas de várias ordens. Incluindo os cuidados com um senhor bem idoso e de saúde frágil (no caso, o pai do responsável pelas falcatruas). A protagonista é a carismática Regina Casé, em mais um desempenho notável (da mesma grandeza da doméstica de “Que Horas Ela Volta?”). A favor do filme há o fato de ser dirigido e protagonizado por uma mulher. Em tempos de MeToo, um trunfo. Mas “Pacarrete”, convenhamos, é mais sintético e bem-resolvido (em ritmo e envolvimento) que “Três Verões”.

“Sertânia” é um sopro de juventude na trajetória de um veterano, o cineasta Geraldo Sarno (81 anos). O filme, um “nordestern” onírico, sem deixar de ser político e social, vem conquistando corações e mentes. Iniciou sua trajetória na Mostra de Tiradentes e vem causando frisson em festivais dedicados à pesquisa de linguagem. Já arregimentou time de defensores dos mais ativos e militantes. No meio da cinefilia brasileira, desconhecer “Sertânia” é estar totalmente out.

Sarno começa seu filme com um cangaceiro, Gavião, seu protagonista (Vertin Moura), arrastando-se pelo sertão pedregoso. Ele foi baleado e está em seus estertores. Em clima onírico (muitas vezes chegando ao pesadelo), Gavião vai rememorar a história de seus pais, o drama do Conselheiro e sua Canudos, sua infância e juventude, a experiência como operário em São Paulo, o regresso ao sertão e a entrega ao banditismo cangaceiro. A fotografia, do cubano-brasileiro Miguel Vassy, é de beleza arrebatadora. Os enquadramentos renovam e estimulam nosso olhar.

“Sertânia” é um acerto de contas de Sarno com sua trajetória de documentarista (o seminal “Viramundo”) e diretor de filmes de ficção como “Coronel Delmiro Gouveia”, primeiro vencedor do Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana. Pela trama onírica evocada pelo agonizante Gavião passam fragmentos do documentário social e político brasileiro, até nos conduzir a encontro do jovem cangaceiro com o empresário Delmiro Gouveia em território de mortos (lembremos que Sarno meteu-se com almas de outro mundo em “O Último Romance de Balzac”).

A favor do filme estão sua beleza plástica, seu imenso amor pelo cinema (mesmo que inserções metalinguísticas não se mostrem muito orgânicas) e a força de atração do cangaço. Pesa contra ele uma narrativa por demais fragmentada e inquieta. Hollywood, todos sabemos, ama o cinema narrativo, com personagens bem desenhadas e, se possível, complexas.

O cineasta baiano-paranaense Aly Muritiba faz questão de destacar a força de um quarto candidato: “Alice Júnior”. Para, em seguida, enumerar o que considera os trunfos do filme de Gil Baroni: “ele esteve em um dos três festivais mais importantes do mundo, o de Berlim, e foi aplaudido de pé. Foi exibido em uma dezena de festivais nos EUA e conquistou prêmios em alguns deles”. No Brasil – prossegue – “Alice Júnior foi exibido nos festivais de Brasília e do Rio, nos quais recebeu prêmios. É um filme jovem e pop, protagonizado por uma atriz adolescente e trans”. Para arrematar: “chegou a hora do #TravestiNoOscar”.

Os argumentos do diretor de “Para minha Amada Morta” e “Ferrugem” têm sua força aliciadora. Mas, há que se ponderar, “Alice Júnior” é um comédia juvenil cativante, mas às vezes rasa, com excesso de efeitos pop e televisivos. A sorte está lançada.

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