Bahia é força hegemônica na principal competição da Mostra de Tiradentes

Por Maria do Rosário Caetano

Em menos de seis meses, a Bahia se constitui, pela segunda vez, como força hegemônica em um festival brasileiro. Em setembro, quatro documentários baianos (“Porfírio do Amaral”, “Neojibá”, “Dorivando Saravá” e “O Canto Infinito do Tincoã”) estiveram na mostra competitiva do Festival In-Edit Brasil. Agora, chegou a vez da terra de Glauber Rocha colocar três filmes na Mostra Aurora, a principal competição do festival de Tiradentes, realizado anualmente, há 24 anos, na histórica cidade do ciclo do ouro de Minas Gerais.

Os três títulos selecionados são “Rosa Tirana”, de Rogério Sagui, “Açucena”, de Isaac Donato, e “Eu, Empresa”, de Leon Sampaio e Marcus Curvelo. Com eles, estarão, na disputa do Troféu Barroco, o mineiro “Kevin”, de Joana Oliveira, o paranaense “A Mesma Parte de um Homem”, de Ana Johann, o catarinense “Oráculo”, de Melissa Dullius e Gustavo Jahn, e o carioca “O Cerco”, da trinca Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spíndola. Como aconteceu no último Festival de Brasília, realizado em dezembro, não há nenhum longa-metragem paulista na principal mostra do festival mineiro.

O regulamento tiradentino – a Mostra Aurora tem curadoria de Francis Vogner dos Reis e Lila Foster – exige que os longas-metragens sejam 100% inéditos e realizações de diretores estreantes (ou que tenham, no máximo, três longas no currículo, contando o que estiver em competição).

A vigésima-quarta edição da Mostra de Cinema de Tiradentes começa nessa sexta-feira, 22 de janeiro, em versão on-line, por causa da pandemia do coronavírus. E prossegue até dia 30. Brasileiros de todas as unidades da federação poderão acessar, gratuitamente, filmes, debates, seminários e homenagens. Serão exibidos 114 filmes, sendo 31 de longa duração e 83 de curta ou média-metragem.

O tema dessa edição da mostra é “Vertentes da Criação”. A homenageada será a cineasta e artista plástica Paula Gaitán, que ano passado conquistou o troféu Olhar de Cinema, no Festival Internacional de Curitiba, com um de seus trabalhos mais recentes, o longa-metragem “Luz nos Trópicos”.

Para marcar a noite inaugural da Mostra de Tiradentes, será exibido o mais recente trabalho de Paula, parceira existencial e artística de Glauber Rocha (1939-1981), o documentário “Ostinato”. O filme é uma reflexão poética sobre a criação musical de Arrigo Barnabé, aliás, ator em “Luz nos Trópicos”. A exibição do novo filme será franqueada ao público após realização do debate “O Percurso de Paula Gaitán”, que contará com a presença da cineasta, que se fará acompanhar, virtualmente, de Arrigo Barnabé, da atriz Clara Choveaux e de seus filhos Ava Gaitán Rocha e Eryk Rocha, ambos cineastas (Ava é, também, cantora). Depois do filme, Arrigo comandará show musical-performático.

Além do debate inaugural e da exibição de “Ostinato”, será realizada Mostra Homenagem a Paula Gaitán, composta com oito títulos: os longas “Diário de Sintra” (sobre os últimos dias de Glauber nesta cidade portuguesa), “Exilados do Vulcão”, “Noite”, “Luz nos Trópicos”, o videoclipe “A Mulher do Fim do Mundo” (de Elza Soares), o curta “Ópera dos Cachorros” e o média-metragem “Se Hace Camino al Andar”, estes dois últimos inéditos.

O conceito da vigésima-quarta edição do festival – “Vertentes da Criação” – dá nome, também, a uma das doze mostras programadas este ano. Farão, neste segmento, sua première mineira (nesse caso não há exigência de ineditismo nacional) os longas paulistas “#eagoraoque”, de Rubens Rewald e Jean-Claude Bernardet, e “Negro em Mim”, de Macca Ramos (parceria com MG, PE, BA e PA), o cearense “Pajeú”, de Pedro Diógenes, o pernambucano “Agora”, de Dea Ferraz, e o mineiro “Entre Nós Talvez Estejam Multidões”, de Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito (parceria com PE). Completam a mostra, três curtas: “República”, de Grace Passô, “Uma Noite sem Lua”, de Castiel Vitorino Brasileiro, e “Filme de Domingo”, de Lincoln Péricles.

Além das mostras Aurora, Homenagem e Temática-Vertentes da Criação, dezenas de filmes estarão à disposição do público nos segmentos Olhos Livres, Foco, Jovem, Panorama, Foco Minas, Cine-Praça, Formação, Sessão da Meia-Noite e Mostrinha (esta destinada ao público infantil). Alguns dos títulos programados, serão debatidos, virtualmente, nos “Encontros com os Filmes”, contando com a presença de diretores, equipes de produção e críticos convidados.

A Mostra Olhos Livres, que também tem caráter competitivo, se propõe a apresentar “proposições instigantes do cinema contemporâneo brasileiro”, sem exigir ineditismo. O importante é que os filmes tenham alcançado “alguma repercussão prévia” (seja nacional ou internacional). Os selecionados são o gaúcho “Irmã”, de Luciana Mazeto e Vinícius Lopes, o goiano “Amador”, de Cris Ventura (parceria com MG), o carioca “Subterrânea”, de Pedro Urano, o mineiro “Nũhũ yãg mũ yõg hãm: Essa Terra é Nossa!”, do quarteto Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero, o cearense “Rodson ou (Onde o Sol Não Tem Dó)”, do trio Cleyton Xavier, Clara Chroma e Orlok Sombra, e o baiano “Voltei!”, de Ary Rosa e Glenda Nicácio (a dupla de “Café com Canela” e “Ilha”).

Em “live” sobre a primeira edição virtual da Mostra de Cinema de Tiradentes, sua diretora geral, Raquel Hallak, lembrou que “ano passado, em janeiro, realizamos edição presencial, menos de dois meses antes da pandemia do coronavírus”. Quem imaginaria que, um ano depois, todos os festivais estivessem realizando edições 100% on-line. Raquel admitiu que, em todas as equipes que realizam festivais, Brasil afora, houve um grande aprendizado. E vaticinou: “creio que todos as mostras e festivais brasileiros preservarão um segmento virtual”. Ou seja, mesmo com o aguardado fim da pandemia, “os festivais serão mistos – presenciais e virtuais”. A maior conquista – destacou – “foi a possibilidade de mostrar os filmes em todas as regiões brasileiras”, o que deu crescimento exponencial às plateias de cada evento.

A diretora da Mostra Tiradentes contou que sua equipe se preparou para montar um Cine Drive-in, forma segura de exibição de filmes, já que os espectadores estariam protegidos dentro de seus automóveis. Mas, depois de análise mais detalhada, optou-se por edição 100% virtual. E, registre-se, o público não perderá a fruição do tradicional segmento “Cine-Praça”, que fazia a alegria dos moradores e turistas que acorriam, em grande número, a Tiradentes. Como diz o nome dessa mostra, ela acontecia (e voltará a acontecer, quando a epidemia for debelada) na maior praça da cidade, sob a luz das estrelas.

O Cine-Praça terá versão, excepcionalmente, virtual, com um conjunto de “títulos que buscam diálogo popular e imediato” com seus frequentadores. Os escolhidos desse ano são o cearense “Swingueira”, do quarteto Bruno Xavier, Roger Pires, Yargo Gurjão e Felipe de Paula (parceria com BA), o paranaense “Mirador”, de Bruno Costa, os cariocas “Sementes: Mulheres Pretas no Poder”, de Éthel Oliveira e Júlia Mariano, “Mulher Oceano”, de Djin Sganzerla (parceria com SP) e “Todas as Melodias”, documentário de Marco Abujamra sobre o cantor e compositor Luiz Melodia.

Ao invés de enxugar sua edição em tempo de epidemia, a Mostra de Tiradentes criou mais uma atração: a Sessão da Meia-noite. Dois longas-metragens de terror – o capixaba “O Cemitério das Almas Perdidas”, de Rodrigo Aragão, e o paulista “Skull – A Máscara de Anhangá”, de Kapel Furman e Armando Fonseca – serão mostrados aos noctívagos.

79 filmes de curta-metragem foram distribuídos pelas mostras Foco (onze títulos), Panorama (26), Foco Minas (nove), Temática (três), Cine-Praça (treze), Formação (nove), Jovem (três) e Mostrinha (cinco).

Na noite de entrega dos prêmios aos melhores filmes da Mostra Tiradentes, será exibido o longa “Valentina”, de Cássio Pereira dos Santos, nascido de Patos de Minas, no Alto Paranaíba, e radicado em Uberlândia, no Triângulo Mineiro. O filme de Cássio, formado em Cinema pela UnB (Universidade de Brasília), é protagonizado pela youtuber trans Thiessa Woinback, que atua ao lado da paranaense Guta Stresser e do mineiro Rômulo Braga. Entre os estreantes, além de Thiessa, destaque para Ronaldo Bonafro, que interpreta o maior amigo da protagonista.

 

24ª Mostra de Cinema de Tiradentes
Data: 22 e 30 de janeiro, em formato on-line, com programação gratuita pelo site www.mostratiradentes.com.br
Durante nove dias, serão exibidos 114 filmes
A Mostra promove, também, debates, rodas de conversa e Encontro com os Filmes (todos com transmissão ao vivo), além de exposição virtual, oficinas e shows.

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