Atriz Camila Amado morre no Rio aos 82 anos

Por Maria do Rosário Caetano

Camila Amado, que morreu nesse domingo, 6 de junho, de câncer no pâncreas, não protagonizou nenhum grande filme. Mas em todos os longas-metragens que participou – e foram quase 30 – fez de seus desempenhos algo notável. Foi assim em “O Casamento”, adaptação de Arnaldo Jabor para livro de Nelson Rodrigues. Coube a ela o papel de Noêmia, secretária que prestava serviços ao protagonista, o empresário Sabino (Paulo Porto), pai de Glorinha (Adriana Prieto). Como acontece em tantas narrativas rodriguianas, o pai mantém febril desejo incestuoso pela filha.

Noêmia, amante apaixonada de Sabino, faz tudo pelo patrão. Para desafogar suas mágoas, o empresário, perturbado pela proximidade do casamento (dentro de 48 horas) da linda filha de 18 anos, faz sexo com a secretária. Mas ao invés de chamá-la “Noêmia!”, sussura por “Glorinha!!!”. O amor servil da secretária não aplaca os desejos do pai incestuoso. Por esse trabalho, desmedido e quase insano, Camila Amado conquistou o Kikito de melhor atriz coadjuvante, no Festival de Gramado, em 1976.

A atriz brilhou, também, em “Amélia” (Ana Carolina, 2000), no qual interpretou Oswalda, uma caipira, que vive com a irmã Francisca (Myriam Muniz) e uma agregada, Mara Luíza (Alice Borges), num sítio num grotão de Minas Gerais. Um dia, elas recebem carta de outra irmã, Amélia (Marília Pera), que vive na França, onde desempenha a função de camareira da atriz Sarah Benhardt (1844-1923). Como a diva parisiense fará temporada no Brasil, Amélia sugere às irmãs que se mudem para o Rio de Janeiro e exerçam, enquanto Sarah estiver no Brasil, a função de costureiras e bordadeiras dos trajes dela. Só que, ao chegarem a (então) capital brasileira, as três rudes interioranas saberão que a irmã Amélia morreu. O filme, um dos melhores de Ana Carolina, mostrará o embate entre a sofisticada Sarah Bernhardt (representada pela atriz francesa Béatrice Agemin), son entourage e as três caipiras mineiras.

Camila Amado forma com Myriam Muniz e Alice Borges um trio inesquecível. Pena que o filme não tenha alcançado o sucesso merecido. Depois de registrar muitas sequências com Marília Pera (1943-2015), diva brasileira festejada internacionalmente por causa da prostituta Suely, de “Pixote, a Lei do Mais Fraco” (Babenco, 1981), Ana Carolina acabou fazendo de Amélia, uma “presença ausente”. Ou seja, na montagem final, Amélia mal aparecia. Marília Pera ficou furiosa e – digamos – uma espécie de “energia negativa” impregnou-se nesse filme notável, inteligente, instigante. Que não aconteceu junto ao público, nem provocou o debate que seu inventivo roteiro propunha.

Camila Amado, mesmo octogenária, seguia ativa e atuante no cinema e na TV. Deixa um filme inédito – o documentário “Zimba”, de Joel Pizzini, sobre a trajetória de Zbigniew Ziembinski (1908-1978), ator e diretor polonês que migrou para o Rio de Janeiro e aqui revolucionou, na década de 1940, nosso teatro com “Vestido de Noiva”. Portanto, com uma peça de Nelson Rodrigues. Como Camila remontou “Vestido de Noiva”, sob direção do próprio Ziembinski, ela foi convidada por Pizzini a participar de seu longa documental.

“Zimba”, com lançamento previsto para o próximo ano, fica pois como o réquiem da grande atriz, diretora e educadora Camila Amado. No terreno da ficção, o último trabalho dela se deu em “Chacrinha: O Velho Guerreiro” (Andrucha Waddington, 2018), transformado em minissérie na Rede Globo. À frente do elenco – incorporando o apresentador da “Buzina do Chacrinha” – Stepan Nercessian, com quem Camila foi casada por 13 anos (de 1974 a 1987).

Filha da educadora Henriette Holanda Amado e de um dos criadores da TV Educativa, Camila tinha na família políticos importantes (como Camilo de Holanda, que governara a Paraíba). Ela nasceu no Rio de Janeiro em agosto de 1938. Casou-se com Carlos Eduardo Martins, filho do influente Justino Martins, jornalista dos mais festejados da revista Manchete, carro-chefe da Editora Bloch. Teve dois filhos com Carlos (a atriz Rafaela Amado e Rodrigo) e enviuvou-se jovem, pois o marido, também jovem, morreu em 1968, em acidente de carro. Em 1974, Camila casou-se com o ator Stepan Nercessian, 15 anos mais jovem que ela.

Entre os filmes que a tiveram em seus elencos, vale destacar “Parceiros da Aventura”, único longa-metragem dirigido pelo grande fotógrafo José Medeiros (1980), “As Meninas” (Emiliano Ribeiro, 1995), “Copacabana” (Carla Camurati, 2001), “Carreiras” (Domingos Oliveira, 2005), “Os Desafinados” (Walter Lima Jr, 2008), “Verônica” (Maurício Farias, 2009), “Eu e meu Guarda-Chuvas” (Tony Vanzolini, 2010), “Vai que Dá Certo” (Maurício Farias, 2012), “Abismo Prateado” (Karim Aïnouz, 2012), “Pequeno Dicionário Amoroso 2” (Sandra Werneck, 2015) e “Redemoinho” (José Luiz Villamarim, 2015).

Dois jovens cineastas – o gaúcho Zeca Brito e o carioca Lucas H. Rossi – saudaram a atriz Camila Amado em suas páginas no Facebook. Zeca Brito, diretor de “Legalidade”, sobre Leonel Brizola e a Campanha da Legalidade (em defesa de Jango), lembrou que Camila o ajudou a qualificar o longa documental “Glauco do Brasil” (2015). A atriz, que fora amiga pessoal do pintor Glauco Rodrigues (1929-2004), motivou Zeca e equipe “a darem relevo ao imenso amor que o artista tinha pelo Brasil” e que expressava em seus quadros.

Lucas H. Rossi contou em sua rede social, que, procurada por ele, um jovem realizador negro, Camila aceitou atuar em “A Prosa” (2016), primeiro curta-metragem de sua lavra. E o fez a custo zero, ou seja, sem cachê. “Só por solidariedade, generosidade e pelo prazer de mergulhar em processo desconhecido e despretensioso”, empreendido por um jovem afro-brasileiro.

Todos os amigos são unânimes em reconhecer que foi no teatro que Camila Amado depositou o melhor de seu talento. Ela atuou em dezenas de montagens cênicas. Das subversivas comédias de Martins Penna (“Desgraças de uma Criança”), passando por “A Dama das Camélias”, “Hamlet” e a remontagem (sob o comando do próprio Ziembinski), de “Vestido de Noiva”. Na TV foram dezenas de novelas, casos especiais e séries. Entre eles, “A Casa das Sete Mulheres”, “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “Sol de Verão”, “Cordel Encantado”, “Sob Pressão”, “Doce de Mãe” e “Éramos Seis”.

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