“Um Homem com uma Câmara”, o maior documentário do mundo, terá sessão na Mostra SP com trilha musical ao vivo

Por Maria do Rosário Caetano

“Um Homem com uma Câmara”, que 340 críticos reunidos pelo BFI e Sight & Sound britânicos consideraram “o maior documentário da história do cinema”, terá duas sessões na Mostra SP. Uma na Cinemateca Brasileira, nessa segunda-feira, 30 de outubro, e outra no Frei Caneca 4, na quarta-feira, primeiro de novembro. Ambas com trilha sonora ao vivo, criada especialmente pelo compositor Luiz Henrique Xavier, trilheiro de filmes de Roberto Gervitz (“Feliz Ano Velho” e “Jogo Subterrâneo”), e de Suzana Amaral (“Uma Vida em Segredo” e “Hotel Atlântico).

O longa-metragem do soviético Dziga Vertov (ou Viértiov, como prefere Luís Felipe Labaki, organizador do monumental “Cine-Olho: Manifestos e Projetos”, Editora 34), dura sintéticos 68 minutos e resulta em viagem vertiginosa, futurista, metalinguística, invenção pura. E esses inventos vertovianos marcariam para sempre a história do cinema. Realizado na era muda soviética (lançado em 1929), quando as vanguardas do Construtivismo Russo ferviam, o documentário, ou filmensaio, a todos fascinou. E continua fascinando.

“Um Homem com uma Câmara” reúne imagens colhidas pelo imenso território da URSS, seja em avenidas de Moscou, seja em obras de engenharia civil espalhadas pelo gigantesco país, então soma de 15 repúblicas. O “kino pravda” (cinema verdade) de Vertov e sua equipe corria a União Soviética, de trem em especial, registrando imagens para cinejornais. E mostrando filmes. Um verdadeiro cineclube sobre trilhos.

O riquíssimo material colhido pelo “pião em eterno movimento” (tradução livre para o pseudônimo Dziga Vertov, nascido Davi Kaufman) e sua pequena equipe (destaque para seu irmão, o fotógrafo Phillip Kaufman), registra imensa paixão por máquinas, incluindo as cinematográficas, e o desejo de realizar filmes que nada devessem à literatura e ao teatro.

Vertov compôs – com ajuda vital de sua companheira, a montadora Elizaveta Svilova (que veremos em cena) – sua sinfonia futurista e vertiginosa. E registrou os avanços de seu gigantesco país em formação, que chegavam depois de longa guerra revolucionária, de muito sangue e fome, a viver fase de progresso.

O compositor Luiz Henrique Xavier, que é professor da Unicamp, destaca sua satisfação de, finalmente, poder apresentar sua trilha ao público. Ele o faz depois de dedicar dois intensos anos de trabalho (durante toda a pandemia) à criação de sons e ruídos para acompanhar a obra máxima de Vertov.

“Como ‘Um Homem com uma Câmara’ foi realizado na era do cinema mudo” – lembra Xavier –, “antes do som ser incorporado à técnica cinematográfica, ele foi, como a maioria dos filmes daquela época, projetado com algum tipo de acompanhamento ao vivo”. No entanto – assegura –, “não há o registro desses acompanhamentos da época” e, assim, “o filme foi ganhando, ao longo do tempo, várias versões de trilhas de diferentes compositores”.

“Este complexo contexto acabou resultando para mim” – justifica o músico – “em grande desafio: compor essa nova trilha, gravá-la e mixá-la em som 5.1 surround”. Mas, prossegue, “Um Homem com uma Câmera despertou em mim o desejo de dialogar com o universo poético-imagético de Vertov, que, com sua visão estética experimental, nos faz olhar para a diversidade da vida em sociedade com profundidade e afeto”.

Luiz Henrique Xavier, que estudou na Aaron Copland School of Music-City University of New York, se propôs, então, “a criar camada poético-sonora-musical que procura contribuir com o discurso do filme, no qual os grandes personagens são homens e mulheres que realizam suas inúmeras atividades cotidianas e assim constroem a vida de uma cidade em contínuo movimento”.

Dziga Vertov (1896-1954) – lembra o compositor brasileiro –, “antes de voltar-se para o cinema, havia feito experiências com sons gravados, uma espécie de música com ruídos, que ele chamou de ‘exercício de montagem poético-sonora’”. Para concluir: “como sempre me interessei pela relação entre música e ruído, e, ao descobrir esse aspecto na origem da trajetória de Vertiov, incorporei-o na estética da trilha que compus. Assim, ruído e música são tratados como partes de uma mesma totalidade sonora, uma sinfonia que se relaciona polifonicamente com o discurso das imagens. “A trilha dialoga – comenta – reforça e se contrapõe ao que está sendo apresentado pelo filme”.

Um Homem com uma Câmara
URSS, 1929, 68 minutos
Direção: Dziga Vertov
Fotografia: Phillip Kaufman e outros
Montagem: Elizaveta Smilova
Sessões: Cinemateca Brasileira, segunda-feira, 30 de outubro, e Espaço Itaú Frei Caneca-Sala 4, quarta-feira, primeiro de novembro
Com trilha sonora ao vivo criada pelo brasileiro Luiz Henrique Xavier

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